quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Jeanne Hébuterne, uma pintora da Escola de Paris

A 25 de janeiro de 1920 se suicidava a pintora Jeanne Hébuterne, uma das tantas pintoras quase desconhecidas da arte moderna parisiense, cuja importância no interior do movimento modernista ainda está para ser estudada, ela é mais lembrada hoje como a companheira de Amadeu Modigliani, tendo se suicidado logo após a morte do pintor

Ao contrário de seu companheiro, Amadeo Modigliani, a obra da pintora Jeanne Hébuterne permanece ainda hoje praticamente desconhecida.

Ela foi uma das poucas artistas mulheres a se formar na Escola de Paris ao longo da década de 1910, em uma época em que a pintura – como perspectiva de vida – era ainda vista como uma atividade masculina. No início do século XX, apesar de ser o número de artistas mulheres significativamente maior que no século XIX, é ainda um número irrisório em contraste com o de homens, e a importância delas no movimento de renovação das artes, sempre secundarizada.

Jeanne Hébuterne é uma dessas modernistas e sua obra só foi redescoberta recentemente, na década de 1980, enquanto que a de Modigliani despertou interesse dos meios de arte desde sua morte, em 1920. A pintura de Hébuterne, como, infelizmente, é muito comum na arte, acabou ofuscada pela do marido, e seu nome hoje é mais lembrado em associação com Modigliani do que por seus méritos próprios como artista, um trabalho de estudo que ainda está para ser realizado.

Há dezenas de casos similares, como o das pintoras impressionistas Berthe Morisot ou Mary Cassatt, mais lembradas por suas relações com os impressionistas homens; a da escultora simbolista Camille Claudel, hoje também lembrada como “a amante de Rodin”; e é o caso também da pintora expressionista Gabriele Münter, primeira esposa de Vassili Kandinski; da fotógrafa surrealista Dora Maar e da pintora Françoise Gilot, ambas ex-companheiras de Picasso; ou da expressionista abstrata Lee Krasner, esposa de Jackson Pollock. São todas mulheres cuja verdadeira importância para os movimentos de arte dos quais participaram não foi sequer estudada. Daí vê-se o grande significado que tem para o movimento de emancipação das mulheres em geral, artistas como a brasileira Tarsila do Amaral ou a mexicana Frida Kahlo, que apesar de terem sido esposas de grandes nomes do modernismo em seus países, Oswald de Andrade e Diego Rivera, respectivamente, têm suas obras valorizadas por seus próprios méritos e independente dos trabalhos de seus maridos.

Breve retrato da pintora

Autorretrato.
Jeanne Hébuterne nasceu em 1898, em uma família abastada da pequena burguesia francesa. Seu pai era um alto funcionário da loja de departamentos Le Bon Marché.

Tanto Jeanne quanto seu irmão, André Hébuterne, vivendo em um dos períodos de maior florescência da arte do século XX, manifestaram grande interesse pela pintura durante a adolescência, e ambos tornaram-se pintores. André, que fizera muitos amigos nos meios boêmios de Paris, logo apresentou Jeanne aos artistas de Montparnasse.

Ela associou-se inicialmente ao modernista japonês Tsuguharu Foujita, e foi durante algum tempo sua principal modelo.

Foi vivendo em contato com a fermentação modernista que Jeanne foi introduzida também nas novas teorias da pintura moderna. Para completar sua formação, ela ingressou na Académie Colarossi, onde em 1917 conheceria o escultor ucraniano Chana Orloff. Através dessa amizade, Jeane conheceu também, pouco mais tarde, o pintor italiano Amedeo Modigliani.

A vida de Modigliani é um modelo do que foi a vida de centenas de artistas emigrados em Paris, atraídos à capital mundial das artes no início do século XX. Ele chegou à cidade ainda em 1906, durante as polêmicas em torno do radical grupo fauvista de Henri Matisse, e logo aderiu às novas ideias em arte. Ao longo de mais de uma década trabalhou em um quase completo isolamento, tendo sua arte desprezada por todos os círculos da crítica especializada. Durante o período, Modigliani viveu na completa miséria, vendendo desenhos nos cafés para ter o que comer. Por causa da falta de dinheiro teve de abandonar a escultura, que era sua grande paixão, e se voltar à pintura, por ser mais barata. O artista viveu na mais feroz boemia, mas ao contrário de muitos de seus contemporâneos, que viriam a se tornar em vida artistas “oficiais” da burguesia, Modigliani morreu na completa obscuridade, quase sem nenhuma obra vendida, após contrair tuberculose.

Hébuterne, que ainda formava seu estilo em 1917, conheceu Modigliani quando esse era um artista maduro, pintando já sob a influência do geometrismo cubista e do primitivismo africano.

A Morte.
Modigliani e Hébuterne logo começam um relacionamento amoroso. O caso provocou uma enorme crise entre a família da jovem artista. Seus pais eram católicos fervorosos e consideravam inadmissível uma união amorosa antes do casamento, agravado pelo fato de que, naqueles anos, um pintor boêmio era encarado como um verdadeiro pária social. Apesar disso, ela rompe a dominação paterna e muda-se para o apartamento-ateliê de Modigliani.

Nos meses que se seguem, os trabalhos de Hébuterne mostram uma rápida evolução, e seus desenhos tornam-se mais simplificados e dinâmicos, uma influência clara de Modigliani sobre seus trabalhos. Ao contrário, porém, da obra de seu companheiro, Jeanne desenvolve uma técnica muito mais emocional e imaginativa, inclinada ao fauvismo e ao expressionismo.

No outono de 1918, Modigliani estava gravemente doente devido aos seus pulmões sensíveis. O casal, por isso, muda-se para a Riviera Francesa, com seu clima mais quente. Eles viviam em Nice quando nasce a primeira filha do casal, por insistência de Modigliani, chamada também Jeanne, como a mãe.
Eles vivem sempre na miséria, conseguindo levantar, com a venda de seus trabalhos, apenas o mínimo indispensável para sobreviver e comprar telas e tintas. Quando o dinheiro era escasso, tinham de pintar com as cores que havia e reaproveitando telas já pintadas. As dificuldades dessa vida estão bem refletidas em alguns trabalhos de Hébuterne, como A Morte, em que uma figura sombria aparece à porta do quarto enquanto Jeanne dorme, ou A Suicida, em que a pintora aparece morta sobre sua cama.

Autorretrato.
O período mais significativo da obra da pintora data destes anos, entre 1917 e 1920, com muitos desenhos e telas num estilo próximo ao expressionismo, e revelando sempre grande influência do estilo de Modigliani, com suas figuras alongadas em formas simplificadas e geométricas. Muito interessantes também são os autorretratos da pintora, sempre em tons sombrios e melancólicos. Essa expressividade típica de seus trabalhos marcam uma distância substancial da pintura de Modigliani, cujas figuras são em sua maioria, serenas, sensuais. Em muitos casos, o pintor busca um distanciamento impessoal em suas figuras retratadas, com olhos vazados e rostos inexpressivos, o que já não ocorre na pintura de Hébuterne, mais emotiva.

O casal retorna a Paris na primavera de 1919, mas Modigliani estava ainda com a saúde muito debilitada, sofrendo de meningite tuberculosa. A deterioração de sua saúde é rápida, e Hébuterne tem de cuidar dele praticamente todo o tempo. O pintor, porém, vem a falecer em janeiro do ano seguinte, em 1920.

A morte do pintor é um duro golpe para Jeanne, que estava grávida do segundo filho do casal. A família Hébuterne leva a moça novamente à casa materna. Apenas um dia mais tarde, Jeanne, profundamente perturbada, atira-se da janela do apartamento, no quinto andar do edifício.
Hoje Hébuterne é lembrada principalmente, não por suas obras, mas como a modelo que aparece em incontáveis telas de Modigliani nos anos finais da vida do artista.

A Suicida.
Apesar da obra de Modigliani ter se tornado extremamente popular já na década de 1920, a vida de Amadeo Modigliani e Jeanne Hébuterne permaneceu décadas desconhecida, bem como a obra da pintora. A primeira biógrafa do pintor foi sua filha, Jeanne Modigliani. Ela foi criada por uma tia, irmã de Amadeo, em Florença, e já adulta, saiu em busca de dados da vida dos pais. Seus estudos originaram a biografia Modigliani: Homem e Mito, publicada em 1958.

A pintura de Jeanne Hébuterne permaneceria ainda mais de três décadas totalmente desconhecida do grande público até que uma primeira exposição fosse organizada com a autorização dos herdeiros da pintora, que ainda hoje as guardam.
Jeanne Hébuterne em retrato de Amadeo Modigliani.
 Autorretrato e O ateliê, de Jeanne Hébuterne.


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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Morre Etta James, uma das grandes vozes da música negra norte-americana

Etta James em 2010.
A atividade musical de Etta James acompanhou a do movimento político dos negros em seu país, crescendo com ele e entrando em crise também no período em que o movimento se dispersava
Morreu na última sexta-feira a cantora soul Etta James, uma das mais expressivas vozes da música negra contemporânea. Ela destacou-se em diferentes gêneros, desde o jazz e o blues, passando pelo rhythm’n’blues, o funk e o soul.

A cantora estava já com 73 anos e há muitos anos seu estado de saúde era delicado. Há pelo menos um ano Etta James lutava contra uma leucemia e foi internada diversas vezes ao longo do ano com infecções sanguíneas e problemas renais. No último mês, em uma declaração à imprensa, seu médico já havia afirmado que a cantora estava em um estágio terminal de sua doença. Ela morreu ha uma semana de completar 74 anos.

Natural de Los Angeles, Jamesetta Hawkins nasceu em 1938. Sua inclinação para a música despontou já quando ela tinha cinco anos. Aos 12 anos ela mudou-se com a família para a Califórnia e aos 14, formou seu primeiro grupo, o trio The Creolettes (algo como “as negretes” em tradução livre). O grupo logo chama a atenção de Johnny Otis, o mais destacado músico branco de blues e rhythm’n’blues no período. Otis era também empresário e se interessou pela música do grupo. Foi ele quem sugeriu à cantora a inversão de seu nome para “Etta James”, bem como a mudança mais conservadora do nome do grupo, de The Creolettes para The Peaches (“os pêssegos”, em tradução livre). Foi ao lado dele que Etta James gravou suas primeiras canções. Algumas de suas primeiras canções de destaque foram Work With Me, Annie e Dance with Me, Henry.

Uma experiência marcante para Etta James da proscrição do negro também na indústria musical norte-americana foi a ocasião em que uma cantora branca, Georgia Gibbs, regravou a composição de Etta, Dance with Me, Henry, com o título The Wallflower, e a música tornou-se uma das mais populares dos Estados Unidos em 1955, enquanto que a gravação de Etta permanecia completamente desconhecida.

Capa do primeiro álbum da cantora, de 1960.
Foi procurando burlar o racismo que a cantora seguiu o conselho de seu empresário e alisou e tingiu seu cabelo de loiro. Ela aparecia ainda embranquecida na capa de seus discos.
A atividade musical da cantora coincidiu, foi estimulada e impulsionada pelo crescimento do movimento negro desde o final da década de 1950. Ela tornou-se uma das mais populares cantoras negras dos Estados Unidos nesses anos.

Apesar de ter gravado alguns singles e ter diversas músicas suas tocando nas rádios, seu álbum de estréia veio apenas em 1960, o disco At Last!, que chamava a atenção por sua mistura de estilos negros, como o blues, o doo-wop e o rhythm and blues. O álbum incluía já duas grandes canções de Etta James, I Just Want to Make Love to You e A Sunday Kind of Love.
Poucos meses mais tarde a cantora lançou aquela que viria a ser sua canção mais popular, o single At Last, que chegou ao número dois nas paradas de sucesso, um fato extraordinário levando-se em conta a política de segregação racial em vigor, que cuidadosamente encobria os cantores negros com “produtos brancos” similares.

Esse sucesso da música de Etta James não era, porém, um fato casual. O crescimento e a radicalização do movimento negro ao longo do período foi o principal responsável pela presença também cada vez maior do negro nos meios musicais “oficiais”, ou seja, os que eram mais diretamente controlados pela burguesia, as rádios, a televisão, os grandes shows.

A cantora ao lado do boxeado Muhammad Ali,
A música negra foi, muito provavelmente, a expressão cultural mais ampla e característica do movimento político dos negros pelos seus direitos democráticos entre as décadas de 1950-60-70.
Não apenas surgiram novos expoentes negros na música popular, como Etta James – que atuavam ao lado de artistas mais velhos como Louis Armstrong, Ella Fitzgerald ou Nat King Cole – mas também foi a época de nascimento de novos gêneros musicais, criados, sobretudo, pela iniciativa dos negros, como o rock’n’roll, o rhyth’n’blues e o soul. No terreno do jazz, surgia também o hard bop e o free jazz, entre outros, produto também da radicalização da consciência dos negros no período.

Etta James na dácada de 1970.
Foram manifestações que modificaram substancialmente a cultura popular do segundo pós-guerra, com uma influência maior ou menor em praticamente todos os países do globo. O movimento negro norte-americano teve um papel capital nesse fenômeno.

Pertencem também à geração de Etta James outras importantes cantoras negras como Nina Simone – cuja canção Mississippi Goddamn tornou-se um dos grandes hinos do movimento pelos Direitos Civis –, ou a mais jovem Aretha Franklin, uma das maiores vozes da música norte-americana.

Um dado que revela bem a importância que a música negra passava a adquirir nessa época é a fundação da Motown em 1959, a mais importante gravadora especializada em música negra dos Estados Unidos ao longo de mais de duas décadas.

A importância de Etta James está no fato dela ter se conseguido transpor essa barreira racial e passar a ser vista entre um setor bastante amplo da população como uma das grandes cantoras de seu tempo no País. Etta James foi uma das responsáveis por abrir caminho para as gerações mais jovens de músicos negros.

A cantora na década de 1980.
Na década de 1960 ela abandona o cabelo loiro alisado e assume uma nova imagem, de afirmação de sua “negritude”. Essa mudança na “imagem pública” da cantora é um espelho da pressão que o movimento negro exercia sobre a burguesia norte-americana e a mentalidade conservadora em geral.

Sua música tem grandes momentos entre 1960 e 1963, gravando canções importantes como Something's Got a Hold on Me, Stop the Wedding e Pushover. O maior momento de sua música foi provavelmente em 1967, quando lança a gravação Tell Mama, hoje tida como um dos clássicos do gênero.

Na década de 1970, Etta James procura novos caminhos e grava em diferentes gêneros como o funk e o rock. Ela chega a fazer nesses anos uma parceria com os Rolling Stones e Janis Joplin, que antes já havia gravado uma versão de Tell Mama. Apesar de ser uma época criativamente importante, foi também permeada por uma forte crise pessoal da cantora. Ela tornou-se viciada em heroína e passou anos longe dos palcos, gravando apenas eventualmente. Depois de conseguir se livrar do vício, em sua difícil recuperação Etta James chegou a pesar quase duzentos quilos, e foi apenas na década de 1990 que ela conseguiu retomar novamente sua atividade musical, que manteve enquanto pôde. Seu último show ocorreu no ano passado. Ela lançou em novembro de 2011 seu último álbum, The Dreamer.

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Obra de Anita Malfatti é exposta em Curitiba

A exposição panorâmica da pintora, em cartaz no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.
 Raramente têm-se oportunidade de ver uma mostra panorâmica da obra da artista, incluindo sua fase de formação e suas pinturas posteriores a 1917. Todos os períodos criativos de Anita Malfatti podem ser vistos agora no Museu Oscar Niemeyer

A Chinesa, que foi exposta em 1922, na Semana.
Está em cartaz desde dezembro em Curitiba, uma retrospectiva da obra de Anita Malfatti, a grande pioneira da pintura modernista no Brasil.

O interesse da mostra está justamente no conjunto de quadros que o Museu Oscar Niemeyer conseguiu reunir. Estão presentes no museu obras de diferentes coleções nacionais e internacionais. Muitas dessas telas são pouco conhecidas por pertencerem a acervos particulares que raramente os cedem para exibições públicas.

O museu apresenta nessa mostra um total de 100 telas que percorrem a trajetória da artista de forma panorâmica, destacando o desenvolvimento da pintora desde sua fase de aprendizado, passando pelo seu momento mais vanguardista, até sua crise e o retrocesso de sua técnica no final da década de 1910.

A principal importância da obra de Anita Malfatti está em seu pioneirismo. Foi ela uma das primeiras artistas brasileiras a incorporar em seu estilo as técnicas avançadas da pintura européia, marcando o início de uma verdadeira revolução no movimento de artes plásticas nacional.
Sua primeira exposição é um dos eventos públicos mais significativos da história do modernismo. Logo após chegar da Europa, e estimulada por seu amigo Di Cavalcanti, ela realiza sua exposição em setembro de 1917 em um espaço no Mappin Stores com 53 obras.

A mostra provocou escândalo, e foi após ver essa exposição que Monteiro Lobato escreveu seu artigo Paranóia ou Mistificação desferindo um ataque violento contra a arte de Malfatti. O que mais surpreendia no artigo era o fato de ter sido escrito não por algum elemento reacionário avesso ao movimento de renovação das artes nacionais, mas justamente por um de seus baluartes.

No artigo, Lobato teorizava que havia duas espécies de artistas, os “saudáveis” e os que “vêm anormalmente a natureza e a interpretam à luz das teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento”.

O Circo.
 Mais adiante em seu artigo ele é mais específico, “Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura a regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma – mas caricatura que não visa, como a verdadeira, ressaltar uma idéia, mas sim desnortear, aparvalhar, atordoar a ingenuidade do espectador.”

Nada poderia ser mais equivocado. Lobato condenava como “furúnculos” fadados à vida efêmera, uma das mais importantes revoluções formais da pintura moderna, a libertação expressiva das cores e das formas que enterraria completamente as velhas escolas como movimentos vivos da pintura.

Retrato de Mário de Andrade.
Foi um artigo infeliz o de Lobato e provocou um impacto extremamente negativo em Malfatti, que entraria em uma crise da qual nunca mais conseguiria se recuperar.

Na ocasião, o único modernista a ter coragem de refutar as críticas de Lobato e defender Malfatti 
publicamente seria justamente sua figura mais avançada, Oswald de Andrade, que escreve um artigo em resposta no Jornal do Comércio.

Após o incidente, Anita Malfatti entrou em depressão e abandonou a pintura por um ano. Quando retomou suas atividades, passou a pintar primeiro naturezas-mortas em um estilo naturalista, depois, após conhecer Tarsila do Amaral, recuperou sua confiança e voltou a pintar em um estilo mais avançado, mas nunca mais retornaria ao vanguardismo de suas telas até 1917. Anos mais tarde, sobre o caso, seu amigo Mário de Andrade comentaria: “Ela fraquejou, sua mão, indecisa, se perdeu”.

A exposição organizada no Museu Oscar Niemeyer acompanha, portanto, essa trajetória da artista, incluindo suas pinturas das décadas de 1920 e 30 que revelam bem sua crise na irregularidade de sua pintura. A mostra Anita Malfatti permanecerá em cartaz em Curitiba até o dia 29 de janeiro.

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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Giotto, o início da revolução na pintura renascentista


O pintor é considerado o primeiro grande nome da arte renascentista, tanto pelas inovações técnicas que desenvolveu, quanto por seu olhar olhar para a religião, manifestando já tendências materialistas que foram a base do pensamento renascentista

8 de janeiro de 2012 
 

O pintor Giotto di Bondone nasceu em 1266 e morreu em 1337, há exatos 675 anos. Ele foi um dos artistas mais importantes da tradição ocidental pois constituiu o elo fundamental de ligação entre duas culturas distintas da pintura europeia.


A obra de Giotto é considerada um divisor de águas ente a pintura medieval e a arte renascentista, marcada tanto por inovações técnicas importantes quanto inovações do ponto de vista do conteúdo.


Formalmente, Giotto foi o responsável pela introdução da perspectiva pintura, conceito que foi uma pedra de toque em toda a tradição da arte renascentista. Antes dele, a pintura se caracterizava pela representação bidimensional. Ele foi o primeiro artista que se conhece, a buscar um ilusionismo tridimensional em suas obras.

Exemplo da pintura de Giotto, que procura apresentar uma noção de perspectiva na pintura. Obra A Anunciação.

A segunda inovação importante na obra de Giotto foi sua concepção dos assuntos representados, sua visão pessoal dos temas religiosos. Uma característica importante  nos quadros do artista foi a busca pela representação dos santos como pessoas comuns, sem a idealização que foi a característica mais marcante da pintura medieval. Ainda que em suas composições os santos tivessem sempre destaque, eles não eram apresentados como figuras metafísicas, idealizadas, mas como seres humanos que se confundiam com os demais. Essa concepção pessoal de Giotto refletia uma mudança da maior importância no modo de pensar da intelectualidade da época. Foi um registro da mentalidade materialista que começava a se formar, e que se tornaria uma tendência determinante no modo de pensar renascentista.


Um dado importante à compreensão da arte de Giotto e da maneira como ele chegou à pintura tridimensional, é o fato de ter sido ele, no início da vida, um escultor, que buscou, após assimilar as artes pictóricas, transmitir a sensação do espaço tridimensional. Obviamente que a esse dado não explica o sentido mais profundo da arte de Giotto, mas ao menos ajuda a compreender parte de suas motivações pessoais.

Detalhe de uma obra do artista mostrando São Francisco de Assis. Giotto procurou mostrar os santos como pessoas comuns, e não as pomposas entidades espirituais que apareciam na pintura medieval da época.

A obra de Giotto representa hoje o marco zero da pintura renascentista, que foi a maior revolução já registrada na história da pintura, o ponto de partida de toda a tradição moderna da pintura.

Pouco se sabe sobre a vida pessoal de Giotto. A maior parte dos dados vem de uma biografia que o renascentista Giorgio Vasari escreveu a seu respeito. Ele teria começado a desenhar aos oito anos e recebeu seus maiores estímulos com seu mestre, Duccio, um dos maiores pintores italianos de seu tempo. Há muitas lacunas na obra do artista, mas considera-se que seu primeiro trabalho importante tenha sido nos afrescos da Basílica de São Francisco de Assis, em Roma. Seu maior trabalho teria sido realizado na Capella degli Scrovegni, quando ele tinha cerca de 30 anos, por volta de 1300, seus afrescos na capela são consideradas hoje uma das maiores obras primas da pintura ocidental. Outro trabalho fundamental realizado pelo artista foi na Capela Degli Strovegni em Pádina.


O dado mais significativo na obra de Giotto é provavelmente o caráter materialista de sua pintura, de sua concepção da vida do santos, o que iniciou uma verdadeira revolução na maneira de representá-los.


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Mili Balakirev, o elo entre duas gerações da música russa

Hoje se completa o aniversário de nascimento do compositor que foi provavelmente a personalidade mais importante do Grupo dos Cinco, como pensador, professor e organizador da atividade de seus colegas

3 de janeiro de 2012

Da esquerda para a direita, os compositores Mikhail Glinka, Vladimir Odoevsky e Mili Balakirev, figuras capitais da música russa retratados na obra do pintor Ilia Repin.
Mili Balakirev foi a principal mente organizativa por trás do Grupo dos Cinco, a mais importante geração de músicos da Rússia do século XIX. Tendo sido o mais velho dos compositores do grupo, conheceu pessoalmente o homem que inaugurou a música nacional russa, Mikhail Glinka, e tornou-se apto, deste modo, a transmitir essas idéias e essa busca por uma música essencialmente russa para seus companheiros de geração.

A música nacionalista nascida na Rússia tem uma importância extraordinária na cultura daquele país, pois foi ela uma das manifestações culturais mais importantes do movimento revolucionário que se processava no período. O momento de encubação dessa tradição é a década de 1850 quando amadurecia um vigoroso movimento de emancipação dos servos, cuja libertação viria apenas em 1861, a partir de uma reforma organizada às pressas pela monarquia submetida à pressão popular.


Esse movimento produziu não apenas a tradição musical nacionalista, mas também a pintura realista russa e deu início ao mais importante período de florescimento da literatura russa, em que surgiram figuras como Ivan Turgueniev, Leon Tolstoi e tantos outros escritores de primeiro plano.

Membros do grupo como César Cui, Modest Mussorgski e o próprio Mili Balakirev, eram também diretamente ligados às ideologias revolucionárias de seu tempo, admiradores dos “niilistas” russos, em particular o revolucionário Nikolai Tchernichevski. Balakirev era populista e ateu, e chegou a planejar até mesmo uma ópera, que nunca chegou a ser esboçada, inspirada no influente romance de Tchernichevski, Que Fazer?. Essa obra fundamental da literatura revolucionária russa foi um dos livros favoritos até mesmo de Vladimir Lênin, que daria esse mesmo título a um de seus livros.
A partir da geração musical nacionalista, a Rússia entrou definitivamente para o seleto grupo de países a cultivar uma música forte e influente internacionalmente, tradição que se consolidaria com as gerações seguintes, desde Rachmaninov e Tchaikovski aos modernistas Prokofiev, Stravinski e Chostakovitch.

Nascido em 2 de janeiro de 1837 em Nizhny Novgorod, o compositor Mily Balakirev recebeu suas primeiras aulas de piano de sua mãe. Aos 10 anos, ele foi enviado para Moscou para aperfeiçoar sua formação musical com o músico Alexander Dubuque, mas Balakirev só receberia uma educação musical regular após a morte da mãe, quando é matriculado no Instituto Alexandrovsky.


Não se passou muito tempo até o talento de Balakirev ao piano destacar-se entre seus colegas. Ele chama a atenção do influente músico Alexander Ulybyshev, que era então a mais prestigiada figura musical de Nizhny Novgorod e patrono da cidade. Ulybyshev não apenas era um instrumentista de talento como um conhecedor erudito da matéria. Possuía uma vasta biblioteca musical e havia ele mesmo escrito uma biografia sobre Mozart.


Balakirev tornou-se um protegido de Ulybyshev, e o velho músico providenciou logo para que o discípulo fosse colocado em boas mãos. O jovem torna-se aí aluno de Karl Eisrach, que seria responsável por apresentar a Balakirev a música dos nacionalismos orientais: o polonês Frédéric Chopin e o russo Mikhail Glinka.


Eisrach organizava concertos regulares para amigos na residência de Ulybyshev, e Balakirev era uma figura cativa nestes encontros. Através destes protetores, o rapaz, com 14 anos, logo conseguiu uma vaga em uma orquestra particular. Nessa idade ele teve um desempenho exemplar tocando o Réquiem, de Mozart. Foi um momento culminante da atividade de sua atividade. Ele compõe nesse ano, 1851, suas primeiras obras e recebe autorização para reger sinfonias. Uma das peças que se conhece composta nesse momento, é a Grande Fantasia, que já apresenta influências do folclore russo.

Os Barqueiros do Rio Volga, obra-prima de Ilia Repin cujo tema inspirou também uma das composições de Balakirev.
Em 1853 ele ingressa no curso de Matemática na Universidade de Kazan e logo destaca-se nos círculos locais como exímio pianista. Ele vive os dois anos seguintes sustentando seus estudos como professor de piano, e após formado, em 1955, muda-se para a capital imperial, São Petersburgo. É nesse momento que Balakirev tem a oportunidade de conhecer pessoalmente Mikhail Glinka e a aprender com ele, o grande mestre da música nacional russa, os princípios dessas técnicas.

Glinka percebe o valor de Balakirev, mas considera suas técnicas de composição defeituosas. É Glinka quem o estimula a dedicar-se à música em tempo integral. Balakirev toma aulas com ele, aprende dezenas de temas populares espanhóis e é indicado para instruir musicalmente a sobrinha de Glinka.


Sua estréia oficial como compositor deu-se apenas um ano mais tarde, em 1856, quando Balakirev apresenta seu primeiro Concerto para piano e orquestra. Dois anos mais tarde, ele teve doze de suas composições publicadas, entre elas destacam-se a Abertura sobre o tema de uma marcha espanhola, e a Abertura sobre três temas russos, baseadas ambas em temas folclóricos.

Em 1857, porém, morre seu protetor, Mikhail Glinka, e Balakirev vê-se obrigado a conquistar sozinho seu espaço entre o movimento musical russo. O compositor é descrito por seus contemporâneos como um homem forte, de grande fibra emocional, extremamente disciplinado e dotado de uma personalidade magnética, de modo que não foi difícil para ele reunir em torno de si um grupo mais jovem de músicos interessados em absorver os princípios da música nacional que Balakirev havia assimilado em primeira mão de Glinka.

Uma das características importantes do “método” de ensino adotado por Balakirev foi a completa rejeição da formação musical acadêmica, nos institutos russos. Balakirev considerava tais normas, inimigas da imaginação, da verdadeira criatividade e da sensibilidade que tornava o compositor apto a perceber as qualidades das músicas emanadas diretamente do povo russo, de sua característica. Balakirev considerava que o compositor deveria imediatamente dedicar-se à criação, e somente a partir daí, das necessidades surgidas no processo criativo é que suas debilidades e carências deveriam ser exploradas e superadas.


Naqueles anos finais da década de 1950 Balakirev destacava-se já como um músico extremamente culto, com vastos conhecimentos musicais, um domínio consistente das técnicas compositivas e grande facilidade para perceber novos caminhos para a criação musical.


A influência de Balakirev nos círculos musicais russos iniciou-se nos últimos anos da década de 1850. Ao lado do influente crítico musical nacionalista Vladimir Stasov, ele reuniu em torno de si o grupo que viria a ser a mais importante geração de compositores da Rússia do século XIX, o Grupo dos Cinco, formado por Alexander Borodin, César Cui, Modest Mussorgsky e Nikolai Rimsky-Korsakov, além do próprio Mili Balakirev.


Durante todo período inicial da atividade do grupo, Balakirev, como único compositor profissional entre eles, teve influência fundamental na formação dos demais companheiros. Foi ele o principal responsável por transmitir e consolidar a tradição da música nacionalista de Glinka entre os Cinco.

Em 1862 Balakirev tomou uma de suas iniciativas mais importantes e fundou a Escola Livre de Música, empreendimento influenciado diretamente pelas ideias do grande revolucionário russo Nikolai Tchernichevski. A proposta da escola era torná-la o primeiro núcleo de ensino da música nacional, livre das normas acadêmicas importadas da Europa. Era também uma escola popular, que ensinava gratuitamente e visava tornar a educação musical acessível às camadas mais baixas da população. Para financiar a instituição, Balakirev organizou dezenas de concertos pelo país, que angariava fundos para a Escola.

Por onde passava, Balakirev registrava as características da música local. Ele foi por toda a vida um grande amante da música folclórica russa e colecionou centenas dessas melodias, que foram a base de suas mais importantes e revolucionárias composições.


Entre suas peças mais importantes está o poema musical Islamey: Fantasia Oriental, composto em 1863 e inspirado no folclore musical de povos orientais cuja cultura era normalmente colocada de lado quando se falava no folclore russo. Seus poemas sinfônicos Rússia: segunda abertura sobre temas russos (1864) e Tamara, de 1882, têm também grande destaque, pelo fato da musicalidade destas peças terem sido criadas inteiramente a partir de melodias populares russas.

Em 1886 compôs a importante Canção dos Barqueiros do Rio Volga, tendo como fonte de inspiração a vida destes trabalhadores torturados que se tornaram verdadeiro símbolo da opressão da população na Rússia.

Merecem destaque ainda em suas composições os três concertos para piano e orquestra, as três aberturas, duas sonatas e o octeto para música de câmara.

De um ponto de vista geral, são poucas as composições de Balakirev. Elas são, porém de grande importância para a formação da identidade da música nacional russa e a consolidação dessa tradição.
Mais do que dedicar sua vida às composições, porém, Balakirev votou boa parte de sua vida à reflexão de problemas formais da música folclórica e a maneira desta ser incorporada ao repertório da música erudita. Ele, assim, um importante pensador do nacionalismo musical, e mais ainda, um organizador chave desse movimento.

No final da década de 1860, quando cada um dos músicos do Grupo dos Cinco havia já definido sua própria personalidade musical e se dispersavam, Balakirev perdeu muito de sua influência inicial e decaiu pessoalmente, com freqüentes crises nervosas e dores de cabeça.


Ainda assim, ao final da vida, ele cumpriu um papel também importante instruindo o jovem compositor Piotr Tchaikovski, que, apesar de criar uma música muito mais ocidentalizada do que a de seus colegas do Grupo dos Cinco, absorveu em sua música muito do nacionalismo musical de Balakirev.


Fiel às suas idéias, Balakirev recusou em 1881 o cargo dirigente que lhe foi oferecido pelo governo no Conservatório de Moscou. Ele, ao contrário, retomou nesse ano a direção da Escola Livre de Música.

Ao final da vida, no entanto, com a saúde abalada e depois de ter sido submetido a muitos anos de isolamento, Balakirev converteu-se a uma radical seita ortodoxa russa, tornou-se um eslavófilo de direita, xenófobo e devoto do czar, chegando a escrever hinos em louvor à imperatriz viúva após o atentado que matou Alexandre II. O compositor viria a morrer em maio de 1910.