A Revolução Grega ocorrida na primeira metade do século XIX foi um dos episódios mais dramáticos da história recente europeia e inspirou dezenas de artistas e poetas no Velho Continente
Eugène Delacroix foi o maior dos expoentes da pintura romântica francesa. O tema político foi uma constante em suas obras, onde retratou alguns dos acontecimentos centrais das lutas de sua época. É dele um dos maiores ícones da pintura política e revolucionária da história da arte de todos os tempos, A Liberdade Guiando o Povo, pintada nos meses que se seguiram à Revolução de Julho de 1830.
Anos antes, em 1826, ele pintava outra de suas obras-primas, também relacionada a uma luta revolucionária de grande importância em sua época, a luta da população grega pela independência do país, então subjugado pelo Império Otomano.
O acontecimento foi imortalizado em sua obra na pintura Grécia sobre as Ruínas de Missolonghi. Em 1824, estas lutas já haviam inspirado uma de suas obras-primas, Os Massacres de Scio.
As guerras pela independência grega começaram em 1821, antecedendo as grandes revoluções europeias de 1830, quando a Grécia conquistou sua soberania.
Já há quatro séculos, a Grécia, ex-colônia de Roma, havia sido transformada em uma província do Império Otomano, desde a queda de Constantinopla e a posterior ocupação de Trebizonda e Mista pelos turcos no século XV. As lutas independentistas gregas iniciaram-se somente no transcorrer dos séculos XVIII e XIX, como parte das revoluções burguesas e o processo de criação de seus Estados nacionais. A burguesia grega, apoiada pelas novas rotas de comércio capitalistas com as potências ocidentais e orientais, destacadamente a Rússia, começa nesse momento a lutar desesperadamente por sua libertação.
É um período de crise para o Império Otomano, que nesta etapa se expressa na perda de diversos territórios, como a Ucrânia, o Cáucaso e a Criméia, após sua derrota na Guerra Russo-Turca. Esse crescimento da influência comercial russa sobre a região abriu caminho também para uma maior atuação comercial da Grécia, que obtém a permissão de navegar sob a bandeira russa.
De um modo geral, a independência grega no século XIX foi a culminação de dezenas de guerras e levantes que ocorreram ao longo de todo o século XVIII travadas por diferentes nações dominadas pelos turcos.
Como resultado destes movimentos, e impulsionado pela Revolução Francesa, desenvolveu-se também um importante movimento intelectual nacionalista grego, mobilizando também a opinião de pensadores e artistas em toda a Europa. Entre as figuras ilustres que tomaram partido da independência grega estava o historiador escocês Thomas Gordon, que tomou parte nas lutas e escreveu a primeira História da revolução grega. Victor Hugo, Delacroix e David fizeram destas lutas temas de suas obras. A mais significativa destas participações, porém, é a do poeta inglês Lord Byron, que chegou a financiar com sua própria fortuna um exército libertador e morreu enquanto organizava seus homens para entrar em luta contra turcos em Missolonghi no ano de 1824.
Quando começam as guerras independentistas gregas em 1821, o Império Otomano estava enfraquecido, envolvido em uma guerra contra a Pérsia. Deste modo, influentes mercadores gregos formaram associações e iniciaram uma grande ofensiva revolucionária em três cidades ao mesmo tempo, no Peloponeso, nos Principados do Danúbio e em Constantinopla.
O quadro de Delacroix retrata um momento chave dos conflitos. Entre 1821 e 1825, os gregos, aproveitando a fraqueza do Império turco, obtêm vitórias importantes. Ao perceber o desastre iminente, o sultão otomano convoca o Exército egípcio – também conquistado pelos turcos – para intervir nos conflitos. Em troca, o vice-rei egípcio, Mehmet Ali, exige que os turcos passem para o controle egípcio as ilhas de Creta, Chipre, e a península do Peloponeso, ao que os turcos, sem alternativas, assentem. A Grécia, deste modo, caso fosse derrotada em sua luta independentista, acabaria desmembrada sob diferentes governos centrais.
As tropas egípcias chegam ao Peloponeso sob o comando do filho do rei, Ibrahim Paxá, desembarcando em Methoni, no noroeste do território. Ibrahim captura com facilidade a cidade de Kalamata, devastando-a completamente para que servisse de recado aos gregos. Toda a costa ocidental do Peloponeso foi conquistada nos meses que se seguiram. Seu objetivo seguinte foi a tomada de Missolonghi, na costa da Grécia continental. Após um cerco à cidade, que resistiu bravamente, ela foi também tomada e destruída pelas tropas de Ibrahim. A importância da tomada de Missolonghi na história da independência grega é mais política que militar. Ela era uma cidade secundária no mapa da guerra, mas o massacre desproporcional promovido aí pelos egípcios, após uma dramática resistência, gerou grande comoção na Europa, dando maior projeção a estas lutas e colocando a opinião pública quase que unanimemente a favor dos revolucionários gregos.
Quando os egípcios tomam a cidade em 22 de abril de 1825, os defensores de Missolonghi preferem saltar de um penhasco a se entregar aos opressores estrangeiros, gesto de grande dramaticidade que inspira a obra de Delacroix.
A tela de Delacroix
O pintor francês apresenta o episódio na forma de uma alegoria, onde a Grécia, em seu ideal de liberdade, é apresentada como uma mulher em trajes brancos, luminosa, de braços estendidos e o colo nu, como que ascendendo sobre as ruínas da cidade a seus pés. Seu rosto, idealizado, remete às representações típicas das esculturas classicistas gregas, com o nariz fino e alongado, a sobrancelha angulosa e os lábios delicados.
Todo o restante da obra é dominado pelas trevas. Sob as pedras destruídas da cidade, surge o braço de um homem, que segundo interpretações, seria uma referência ao próprio Byron, morto na mesma Missolonghi dois anos antes.
A obra, que foi muito apreciada, foi enviada em 1851 a Bordéus, onde integrou a exposição da Sociedade dos Amigos das Artes. Nesta ocasião, a tela foi adquirida pelo governo da cidade.
Grécia sobre as ruínas de Missolonghi foi muito comentada por diferentes artistas. O poeta Charles Baudelaire, observando-a, afirmou que Delacroix possuía a “audácia de Michelangelo e a fecundidade de Rubens”.
Após a queda de Missolonghi, os conflitos sofreram uma reviravolta na Grécia. Quando os egípcios se lançam a oeste do Peloponeso, buscando a conquista completa da península, acabam repelidos em Naúplio e mais tarde em Mani. Esta campanha termina de forma desastrosa para os egípcios, com os gregos perseguindo as tropas de Ibrahim, que batem em retirada para o sul da península. Essa derrota custosa, ocorrida em junho de 1826, encerra a campanha egípcia em solo grego.
Um ano mais tarde, o imperialismo europeu, vendo a fragilidade do Império otomano, se alia à Rússia e organiza uma coalizão de forças que visavam lucrar mais tarde com a independência grega. Esquadras de navios britânicos, franceses e russos seguem para os mares do Mediterrâneo e aniquilam a esquadra turca na Batalha de Navarino.
Em 1828, os gregos organizam um novo governo encabeçado por Ioánnis Kapodístrias, e sob sua liderança conseguem retomar nos meses seguintes todo o Peloponeso e expulsar os turcos para a região da Grécia Central. Depois disso, as potências ocidentais impuseram um cessar-fogo que colocou fim aos conflitos entre gregos e turcos em 1829. A independência definitiva seria negociada em 1832.
As guerras de independência na Grécia são um episódio importante da decadência do Império Otomano, que seria derrubado definitivamente na Primeira Guerra, quando seus territórios na Ásia e África passam todos para o controle do imperialismo europeu.
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