Na última terça-feira o governo tailandês proibiu uma de circular no país uma adaptação cinematográfica de Macbeth, uma das grandes obras-primas da literatura mundial, alegando que a obra estimulava a “divisão do país”
Cartaz do filme Shakespeare must die. |
Enquanto o Brasil censura Monteiro Lobato e os Estados Unidos censuram Mark Twain, a Tailândia já está censurando Shakepeare. A diferença está em que o último desses é um governo militar, enquanto os outros se dizem democráticos. Na última terça-feira, o governo tailandês proibiu uma adaptação cinematográfica de Macbeth, uma das grandes obras-primas da literatura mundial.
O filme em questão, Shakespeare must die, havia estreado recentemente nos cinemas tailandeses.
A obra é dirigida por Ing Kanjanavanit e o roteiro do filme é uma livre adaptação de Macbeth, mas com uma diferença: ao invés de se passar na Escócia medieval, passa-se na Tailândia contemporânea, retratando os jogos políticos, a corrupção da burguesia e a repressão popular praticada pelos últimos governos tailandeses. Apesar disso, segundo os realizadores, Shakespeare must die não foi concebido como uma “obra política”, mas, supostamente, tentou-se com ele tornar mais popular e “viva” a tragédia shakespeariana.
Em um país que passa por uma profunda crise revolucionária, onde recentemente foi dado um golpe de Estado e o governo conta com ampla rejeição popular, a opção da diretora foi motivo suficiente para que o filme fosse censurado pelo governo. É certo que não precisava de muito. Desde 2006 o País é comandado por uma ditadura militar apoiada pela monarquia do rei Bhumibol Adulyadej, no poder desde 1946.
Na Tailândia de hoje, toda atividade política está terminantemente proibida. Não é estranho, portanto, que o Conselho de Censura de Filmes tenha alegado abertamente que “o filme Shakespeare must die tem conteúdo que causa divisão entre as pessoas da nação”. E acrescenta ao final: “O filme está no grupo de outros que não são permitidos de serem distribuídos no reino”. Ao que se conclui que o governo é tão frágil e instável que não têm condições de conviver nem com uma crítica branda ao regime.
Desde o Golpe de 2006, muitas crises políticas já se sucederam no País. Em meio às grandes mobilizações políticas e revoluções que tomaram conta do mundo desde a crise de 2008, na Tailândia também a população começou a sair às ruas para lutar contra o regime e os planos de austeridade aprovados à revelia de todos.
Nos diversos enfrentamentos que se deram nas ruas, inúmeras pessoas foram brutalmente espancadas e assassinadas pelas tropas do governo. Logo no trailer do filme, por exemplo, é mostrada uma cena de repressão contra uma manifestação em 1973 e outra em 2010, em um famoso protesto em que 91 pessoas foram mortas pela repressão.
A diretora tailandesa Ing Kanjanavanit. |
Em entrevista à Reuters a diretora Ing Kanjanavanit declarou: “Eu fiquei chocada. Eu não esperava que este filme fosse censurado (...) os censores me perguntaram se eu queria mudar o atual sistema político”.
Alguém poderia argumentar que esse é um caso isolado, ocorrido em uma ditadura longínqua, mas é um erro pensar assim.
A questão da censura está se fazendo notar com cada vez mais frequência no período de agonia profunda em que entrou o capitalismo desde 2008, após o estouro da bolha especulativa norte-americana. A censura política a esse filme tailandês é apenas uma manifestação mais explícita de uma ampla onda de proibições que tem ocorrido em dezenas de países, mesmo sob os regimes que procuram se apresentar como democráticos. O caso tailandês é significativo, portanto, no sentido de que revela o motivo por detrás de toda censura às artes: o medo da crítica ao regime político.
Nos países ditos democráticos, a censura vem sendo aplicada ainda principalmente por alegações morais, que servem apenas para mascarar o verdadeiro conteúdo político das restrições. Alega-se que as obras proibidas ou mutiladas seriam um “atentado à família”, “à moral”, ou mesmo que seriam “ofensivas”, “racistas”, “pornográficas”, “blasfemas” ou ainda que incitariam à “violência”, ao “crime”... A única coisa que não se diz, ou se diz pouco, porque não “pega bem” em uma “democracia” é que a censura esconderia alguma questão política. Os militares tailandeses, mais avançados em matéria de repressão, já não têm papas na língua e o dizem abertamente.
Aplicando a censura indiscriminadamente, mesmo nas menores e mais irrelevantes questões, um governo em primeiro lugar busca ser encarado pela população como legítimo árbitro do que é certo ou errado no País. Imbuído dessa autoridade, torna-se fácil usá-la mesmo nas questões mais delicadas.
É dessa forma que tem agido ultimamente a burguesia de países como os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, e mesmo no Brasil. A censura por motivos “morais” seja quais forem eles, é a porta de entrada para a censura política, e a arte tem sido um dos alvos favoritos dessa operação. A censura moral é uma aberração jurídica criada pela burguesia para iniciar um ataque, de maneira velada, a toda a e qualquer liberdade de expressão. Daí a importância de se denunciar e combater de forma implacável tais arbitrariedades.
Veja o trailer do filme:
Veja o trailer do filme:
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