A morte recente da cantora Amy Winehouse suscita diversas questões acerca da atuação nefasta da chamada “indústria cultural” capitalista sobre a atividade dos artistas.
Em meio às notícias sobre sua morte, muitos órgãos da imprensa burguesa relembraram a morte de outras personalidades da música que aconteceram em circunstâncias similares.
A relação feita entre estes casos é, porém, superficial, com o é toda a cobertura jornalística destes órgãos, encobrindo mais do que esclarecendo os reais motivos que teriam levado à morte da cantora.
O fato principal que deveria ser tomado como uma lição é a maneira como os grandes monopólios capitalistas que atuam no terreno cultural agem como uma força devoradora sobre os artistas, não impulsionando ou contribuindo com seu desenvolvimento, mas, ao contrário, esmagando completamente qualquer traço de criatividade dessas personalidades, que terminam invariavelmente por afundar na mais profunda angústia, num impasse criativo e existencial, levando-as, como é comum, a uma reação autodestrutiva.
Houve no caso de Amy Whinehouse um movimento de compra de sua música e de sua alma pelas grandes gravadoras. Sobre ela, agiu uma gigantesca indústria parasitária que drenou qualquer possibilidade de crescimento dela como artista.
Amy Winehouse ficou conhecida entre o grande público como uma figura associada ao uso desenfreado de drogas, como uma viciada em heroína, alcoólatra, usuária de cocaína, crack, e outras substâncias. Observando-se o desenvolvimento de sua carreira, vê-se, porém, que este foi um vício recente em que caiu a cantora após a repercussão que teve seu primeiro álbum, Frank, de 2003, que teve 1,5 milhão de cópias vendidas no Reino Unido.
Muito facilmente se vê que Winehouse é uma pessoa de temperamento frágil. Sua entrada no círculo da “alta sociedade” britânica após o sucesso de seu primeiro disco cobrou rapidamente seu preço. A vida entre festas e excessos de todos os tipos é um método típico a que recorre a burguesia há décadas para corromper e comprar seus funcionários da pequena burguesia intelectual.
Winehouse, assediada pelo novo meio social em que passou a circular, sujeita às cobranças e pressões típicas do meio, não tardou a adquirir seu vício em heroína. Foi nesta época também que sua “imagem pública” foi radicalmente reformulada, certamente pela dica de algum empresário que buscava “adaptá-la” melhor ao mercado. Entre 2004 e 2005, da tímida cantora do rythm & blues, “gordinha” e vestida como qualquer outra garota que se encontra na rua, Winehouse assumiu a imagem da vampira junkie com que ficou internacionalmente conhecida, com sua moda retrô, os apliques no cabelo e suas tatuagens de penitenciária, transformada em uma “heroína punk” da música soul.
Sua relação com as drogas foi intensivamente explorada e estimulada pela imprensa. Este era o principal ângulo dos jornais ao expor a vida pessoal da cantora em seus tabloides que eventualmente comentavam algo descartável sobre sua música. A destruição pessoal da cantora foi incansavelmente embelezada e foi o principal elemento que os empresários procuraram explorar. Não sua música, mas sua decadência. O principal single de seu novo álbum, de 2006, Rehab, como já seria esperado, consagrava essa nova imagem e apresentava ao mundo a metamorfose da cantora. De lá para cá, sua situação piorou muito.
Atribuir a destruição pessoal de Winehouse unicamente ao seu temperamento seria um equívoco. Como centenas ou mesmo milhares de cantores antes dela, o consumo desabusado de drogas é parte indissociável da máquina industrial capitalista em decadência. Sem este recurso, a indústria perderia muito de seu controle sobre os artistas menos domesticáveis que a alimentam.
Como não poderia ser diferente, a cria saiu do controle, e após Winehouse ultrapassar o limite da “respeitabilidade” burguesa, foi tornada o bufão mais requisitado da imprensa capitalista em todo o mundo. Fotos da cantora fora de si tornaram-se a grande atração dos jornais internacionais. Imagens suas, bêbada, com o nariz cheio de pó branco, gritando, brigando, cuspindo em repórteres, vomitando, chorando, delirando, com os seios a mostra, podem ser vistas em qualquer busca superficial na internet. A “nova promessa da música”, que foi como os capitalistas procuraram vender seu produto, tornou-se uma caricatura deplorável do “projeto” inicial.
Depois de criarem o monstro, o derrubaram. Ela passou a ser ridicularizada e desprezada intensivamente, piadas sobre sua morte iminente tornaram-se uma constante, criou-se um espetáculo lamentável. A coisa chegou a tal ponto que a cantora já se tornara incapaz de subir aos palcos e terminar um show. Sua passagem pelo Brasil deixou horrorizados aqueles que estavam dispostos a ver sua performance ao vivo. Bêbada, Winehouse já não conseguia cantar. Mais de uma turnê chegou a ser cancelada devido à situação descontrolada da cantora. Sua última turnê, menos de um mês antes de sua morte, foi interrompida pela metade, terminando em vaias contra ela.
Um aspecto importante de sua decadência pessoal foi seu impasse criativo. Fazia já cinco anos que nenhuma nova música era lançada.
Informações sobre um terceiro álbum da cantora circulam já desde 2008. O que se sabe é que a Universal Records recusou diversas vezes o que foi produzido, pois fugia do estilo Back to Black que a gravadora exigia. Músicas, segundo a Universal, “excessivamente depressivas”. Um caso de castração criativa que não é novidade na sociedade atual. Os jornais tem noticiado que o material gravado e engavetado daria para pelo menos três discos. Depois do bacanal, com a morte da moça, um pouco de religião: "Estamos profundamente tristes com a perda repentina de uma artista tão talentosa. Nossas orações vão para a família de Amy, amigos e fãs neste momento difícil", publicou em nota a Universal.
A destruição completa da arte é o fundamento da moderna máquina da indústria “cultural”. Entre os que ingressam por este caminho, a esterilidade criativa é apenas para os que têm estômago forte. Para os demais, o que aguarda é a completa aniquilação pessoal, a ruína, o suicídio. Esta talvez seja a grande lição que se deva tirar da curta trajetória da britânica Amy Winehouse.
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