O curta-metragem ‘Visions of Ecstasy’ traz a cena de uma santa mantendo relações com a imagem de Cristo, a proibição do filme revela que a censura atua ativamente no Reino Unido sob as mais diversas formas
Pode-se discutir o gosto da produção, mas, obviamente, cabe a pergunta: deve o Estado decidir o que a população tem o direito de assistir? Obviamente que não, em um Estado de Direito, qualquer forma de censura viola um princípio constitucional básico, essencial e inalienável do cidadão. Isso é especialmente grave quando o motivo da censura é abertamente religioso.
O caso é um dos tantos exemplos de atentado à liberdade de expressão ainda em voga, não somente na Inglaterra, mas em dezenas de países supostamente democráticos. Basta citar que a produtora de Visons of Ecstasy, após a censura, entrou com um recurso em uma corte internacional, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, do qual 47 países europeus fazem parte, e que é controlado pelo conjunto dos países imperialistas europeus – todos, diga-se de passagem, regimes “democráticos” –, França, Alemanha, Itália, Espanha, etc; e a decisão do Estado britânico foi apoiada.
Apesar de o Reino Unido e seus “companheiros” europeus se dizerem Estados laicos, a censura foi imposta por um dos mais retrógrados artigos da lei britânica, derrubado recentemente, e que estabelecia os “crimes de blasfêmia”, produto da influência da Igreja sobre os assuntos públicos.
Os crimes de blasfêmia foram extintos do Reino Unido em 2008, e então se poderia pensar no porque da demora da liberação do curta-metragem. Mesmo com a suspensão dos “crimes de blasfêmia”, outros mecanismos de censura ainda estão vigentes no País, o que, na prática, mantém essas mesmas “leis contra a blasfêmia” em voga, mas de forma velada, com uma aparência “laica”.
Depois de 2008, a reacionária Comissão Britânica de Classificação Cinematográfica (BBFC), manteve Visions of Ecstasy retido por considerar que, ainda assim, “o conteúdo do filme pode ser profundamente ofensivo para alguns espectadores”.
Demorou-se, portanto, quatro anos até que os realizadores conseguissem superar todas as barreiras à liberdade de opinião e colocar, finalmente, o filme em circulação, sem cortes, mas com classificação indicativa para maiores de 18 anos.
Não é necessário refletir muito para se perceber que o critério de “ofensa” é totalmente arbitrário e subjetivo, fere o direito constitucional. Qualquer coisa pode ser considerada ofensiva para qualquer pessoa sob qualquer pretexto. Se esse critério se estabelecer como norma, será o início de um processo de censura totalmente arbitrário e em larga escala de jornais, livros, filmes, peças de teatro, obras de arte, sites na internet, e mesmo manifestações políticas – o que já está ocorrendo, em casos como o “racismo” de Monteiro Lobato, no Brasil; de Mark Twain, nos EUA; ou de Tintin, no Congo, para citar apenas alguns exemplos mais notórios. Quem se beneficiaria com isso? Obviamente aqueles que têm hoje o poder nas mãos. Em uma época de profunda crise capitalista, nada mais conveniente do que instaurar a censura a todos os que se manifestarem contra as instituições e os valores decrépitos de uma burguesia totalmente reacionária.
Daí a importância de se defender incondicionalmente a liberdade de expressão na arte, em todas as suas esferas.