terça-feira, 29 de novembro de 2011

Luchino Visconti, o narrador da decadência capitalista

3 de novembro de 2011

Nascido em 2 de outubro de 1906, há 105 anos, o cineasta concebeu uma obra fundamental pelas questões sociais e políticas que destaca em seus filmes

Hoje se completa 105 anos do nascimento do italiano Luchino Visconti, um dos mais representativos nomes do cinema. Tendo iniciado sua atividade vinculado ao cinema neo-realista, Visconti desenvolveu-se mais tarde como um dos maiores estetas do cinema de seu país e do mundo de um modo geral. O tema que marcou sua obra de modo quase obsessivo foi também um dos temas mais presentes neste século: a decadência da sociedade burguesa, analisada de diferentes maneiras em seus filmes, que são também algumas das maiores obras primas do cinema mundial.


Este interesse do diretor não é estranho. Visconti era ele mesmo membro de uma tradicional e aristocrática família da burguesia italiana, relacionada com o ambiente artístico nacional. Seu pai dono da maior empresa farmacêutica do país era também um dos financiadores do teatro La Scala de Milão.


Ele viveu assim diretamente o processo de decadência em que vivia a classe dominante italiana, uma burguesia que mal conseguia se sustentar por si mesma, e que em um período de grande crise, foi impelida de entregar seu  governo nas mãos de Benito Mussolini, o arquiteto do fascismo.

Durante o governo Mussolini, Visconti foi um dos críticos da revista Cinema, de Roma, ligada a figuras do governo fascista, e constituiu sua obra a partir de sua ruptura com o regime, quando se aproximou do movimento de massas italiano já no período final da Segunda Guerra, quando se associou à Resistência.


O cineasta foi um dos iniciadores, neste momento, do  cinema neo-realista na Itália, criador de uma das obras precursoras do movimento, Obsessão. O filme acabou censurado pelo governo fascista por retratar o descontentamento, a miséria e a desilusão das classes trabalhadoras no período.


Se no primeiro período de sua obra, marcado por filmes como Obsessão, Terra Treme, e Belíssima o cineasta retratou a luta desesperada dos trabalhadores por melhores condições de vida, terminando invariavelmente derrotados; em seus filmes seguintes, o diretor mantém seu foco ainda nas camadas mais populares da população, na pequena burguesia e a classe operária, mas seus filmes a partir daí tornam-se tecnicamente mais sofisticados. Em Noites Brancas e Rocco e Seus Irmãos a decadência é ainda uma constante. Se no primeiro, adaptação da obra homônima de Dostoievski, seus protagonistas são duas figuras isoladas e amarguradas, deslocadas em seu meio social – tema que seria retomado mais tarde em O Estrangeiro de Camus -; no segundo filme este mesmo problema é transportado para as grandes cidades italianas, onde uma família de camponeses sofre um crescente processo de dispersão em meio às influências corruptoras da vida urbana. O centro da obra é um dos irmãos, o mais frágil deles, que cai na marginalidade depois de se envolver com uma prostituta.

Cena do filme Deuses Malditos, retratando os anos de consolidação do regime nazista na Alemanha.
Enquanto que até aí a decadência da sociedade moderna é mostrada do ponto de vista dos oprimidos, dos desgarrados sociais que sofrem as brutais imposições do capitalismo monopolista; na obra seguinte do diretor, O Leopardo, adaptado do clássico de Giuseppe Tomasi di Lampedusa; estas mesmas questões são tratadas do ponto de vista da burguesia decadente. Em O Leopardo, que se passa em meio ao Resorgimento italiano, na década de 1860, seu protagonista é um aristocrata decadente que se vê confrontado com estes tempos de transformação social ao mesmo tempo em que se sente excluído deste movimento. Ele era o retrato de determinados extratos da burguesia italiana do pós-guerra, após a derrocada do regime fascista.


Em outra obra-prima de Visconti, Os Deuses Malditos, a ação é transportada para a Alemanha nazista, mostrando a maneira como o regime de Adolf Hitler assumiu o controle do país submetendo os próprios industriais alemães. O filme é uma obra prima do cinema político, acompanhando todos os passos o processo de manipulação dos elementos da família até colocar à frente da empresa seu membro mais frágil, diretamente controlado pelos nazistas. Este movimento acompanhava também o próprio processo de consolidação dos nazistas à cabeça do regime político alemão, situação necessária para o imperialismo germânico se lançar à Segunda Guerra.

Este processo de alienação social da burguesia europeia, a sua brutal decadência como classe, é retratada ainda em obras como Luís da Baviera, rei que distancia-se dos assuntos de Estado para viver em função de prazeres sensuais e estéticos; e a obra-prima Morte em Veneza, que acompanha as semanas em que um intelectual decadente passa na cidade italiana, acabando por ficar obcecado pela beleza juvenil de um adolescente hospedado em seu hotel.


Criando estas e outras obras que giram em torno deste tema, sempre recorrente, Visconti destacou um dos aspectos mais permanentes na atual etapa histórica do capitalismo, que é o período de decadência de sua dominação. Crise revelada nas obras de Visconti tanto do ponto de vista do modo de vida desta burguesia, quanto de seus valores, de suas instituições, da maneira como conduz seus negócios e os reflexos desta crise nos demais extratos da sociedade, na pequena burguesia e nos trabalhadores. Como grande narrador da crise da sociedade moderna, Luchino Visconti foi dos maiores realizadores do cinema.

Nenhum comentário:

Postar um comentário