29 de outubro de 2011
Em 1862, Ivan Turguêniev via-se no centro de uma das mais acaloradas polêmicas que já haviam agitado o universo da intelligentsia russa. No centro dos debates, estava a publicação recente de sua quarta novela, Pais e Filhos
Em 1862, Ivan Turguêniev via-se no centro de uma das mais acaloradas polêmicas que já haviam agitado o universo da intelligentsia russa. No centro dos debates, estava a publicação recente de sua quarta novela, Pais e Filhos
Em 1862, Ivan Turguêniev via-se no centro de uma das mais acaloradas polêmicas que já haviam agitado o universo da intelligentsia russa. No centro dos debates, estava a publicação recente de sua quarta novela, Pais e Filhos. À frente dos debates, em campos opostos, estavam os representantes de duas gerações da intelectualidade que representavam duas etapas distintas na evolução da consciência revolucionária russa.
De um lado estava a geração de 1840, da qual fazia parte o próprio Turgueniev; de outro, a de 1860, representada por jovens cujo radicalismo parecia ir muito além da compreensão geração anterior.
A geração de 1840 era formada por liberais radicais cujas ideias foram diretamente influenciadas pela segunda onda das revoluções burguesas que começavam a tomar conta da Europa. Constituindo-se como republicanos e abolicionistas, estes jovens fizeram da luta pela libertação dos servos russos, o centro de suas preocupações. Turguêniev era um representante típico desta geração. Na adolescência foi um poeta romântico formado sob a influência da poesia política de Byron, foi amigo do anarquista russo Mikhail Bakunin e de intelectuais de proa da geração de 1840, figuras como Bielinski, Granovski, Stanquevitch, Nevérov e Efrémov, uma geração que teve uma importância capital na evolução da consciência política russa, sendo eles os responsáveis pela introdução do pensamento de Hegel em seu país. Em todas as suas ações e interesses, Turguêniev expressava a atitude crítica desta geração face à sociedade estabelecida russa. Jovem artistocrata, ele teve um relacionamento passional com uma serva, com quem teve seu primeiro filho; anos mais tarde, enamorou-se de uma célebre cantora, Paulina Viardot, mulher casada, mas por quem o escritor foi apaixonado por toda a vida. Mais tarde, após a morte de sua mãe, Turguêniev libertaria sem hesitação todos os servos de sua propriedade. Este seu veemente liberalismo iria se materializar com grande força em sua primeira obra-prima, o ciclo de contos Histórias de um Caçador, publicado em 1852, livro que teve uma extraordinária influência no País e tornou-se uma das bíblias de sua geração. Nestes retratos da vida simples dos camponeses russos expressavam-se seus ideais abolicionistas.
Após muita crise política, o decreto assinado pelo czar colocando um fim da servidão viria finalmente apenas em 1861, acontecimento que em grande medida, encerra a luta política que havia se tornado a força motriz do desenvolvimento da geração de 1840. O próprio Turguêniev, apesar de ainda escrever grandes livros nos anos seguintes, ingressaria em um processo de decadência intelectual. De um modo ou de outro, o escritor sempre expressou em seus livros, sua falta de confiança na efetividade da luta prática. Ele amadureceu como um retratista do fracasso das lutas de sua geração em defesa do ideal que todos cultivavam. Essa concepção era fruto das próprias experiências de sua geração aliadas com uma incompreensão das causas que realmente haviam levado à reforma, que apareceu diante de todos como uma iniciativa “benevolente” vinda de cima, sem qualquer relação com a crise aberta em grande medida pelo trabalho de luta e denúncias destes intelectuais em seus jornais, artigos, e romances, no caso de Turguêniev.
Estes problemas estariam na base dos conflitos entre os homens da época de Turguêniev e a geração seguinte.
Apesar da emancipação dos servos ter levado a uma dispersão dos intelectuais de 1840, a reforma promovida pelo czarismo revela-se nos anos seguintes uma farsa. Os mais de vinte milhões de camponeses, após alcançarem sua “libertação”, viram-se atirados à miséria mais completa e submetidos a um processo de exploração ainda mais agressivo do que antes. Esta conclusão provocou uma profunda desmoralização naqueles homens de 1840 e esta foi a linha divisória entre eles e a juventude que atinge sua maturidade em 1860.
A nova geração da militância russa atinge sua maturidade política no período imediatamente posterior à reforma, concluindo daí que eram necessárias atitudes muito mais radicais para se sanar o problema da miséria russa, que era o centro de todos os debates.
Para formular suas conclusões políticas, eles de fato vão muito mais longe em suas críticas ao czarismo do que foi capaz a intelligentsia de 1840. Suas críticas estendiam para todas as esferas da vida social e para todas as instituições czaristas, incluindo aí a elaboração de um programa artístico extraordinariamente radical. Para estes jovens críticos, a “técnica” artística deixa de ter qualquer importância nas obras, analisando tão somente qual o conteúdo social que ela expressava. A partir daí, toda a literatura russa foi submetida a um profundo processo de revisão. Escritores como Pushkin e Lermontov foram taxados como decadentes, tidos como escritores que adornavam com forma artística ideias sem qualquer interesse geral para sociedade. A parte dos muitos equívocos e injustiças que tais críticas realizaram, foi um processo muito importante na formulação de um programa revolucionário, com diretrizes que colocavam no centro da discussão o compromisso do homem russo - em qualquer esfera de atividade em que se encontrasse -, com o povo e a luta pelo desenvolvimento nacional.
Não era, portanto, estranho de se perceber o quanto este radicalismo profundo parecia incompreensível ao pensamento mais moderado dos liberais de 1840. Turguêniev em particular havia se formado como um grande admirador da forma artística, autor de uma literatura que primava pela concisão, precisão e clareza das ideias, um discípulo de Flaubert e um grande esteta literário. Ele mantinha também uma série de valores que eram totalmente desprezados pela geração de 1860. O contraste entre os pontos de vista das duas gerações era justamente o centro da história que se desenvolvia em Pais e Filhos.
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