Na quinta e última aula do curso de formação
marxista sobre o ano revolucionário de 1922, o companheiro Rui Costa
Pimenta se deteve sobre o caráter e o significado do movimento
modernista, a partir de uma análise histórica do caráter da arte moderna
Na
quinta e última aula do curso de formação marxista desse 30º
Acampamento da AJR (Aliança da Juventude Revolucionária), o companheiro
Rui Costa Pimenta passou para o tema do modernismo brasileiro em conexão
com a revolução que se desenvolvia no país no período.
Antes
de adentrar o tema do nosso modernismo propriamente, o palestrante
começou sua exposição buscando estabelecer em primeiro lugar o
significado da arte moderna.
A
maneira correta, científica, de análise dos fenômenos artísticos,
assinalou ele, deve ser sempre fazê-la em conexão com o desenvolvimento
da sociedade.
Outra
ideia importante que o palestrante destacou é que a cultura tal como a
conhecemos, a cultura moderna, é a cultura burguesa.
Antes
da cultura burguesa, a cultura medieval desenvolveu-se muito pouco,
mesmo a cultura religiosa não teve grande desenvolvimento.
No final da Idade Média, porém, já sob a influência da burguesia é que a cultura teve um crescimento substancial.
A
Renascença, com a formação dos grandes centros comerciais, dos bancos,
etc. é o começo do período de acumulação capitalista, quando surgem os
primeiros grandes burgueses, ligados ao comércio.
O
crescimento da cultura renascentista está relacionado com os novos
avanços da ciência e da técnica da época, é a época do surgimento do
humanismo. É uma cultura que cresce em oposição à ideologia religiosa
anterior, é uma cultura em grande medida antirreligiosa.
Na
Renascença, a religião não é mais encarada como algo em oposição ao
homem, mas como algo a serviço do desenvolvimento do homem. É o período
em que a ciência se ergue contra a religião, uma cultura cada vez mais
penetrada pela ciência e o materialismo.
No
classicismo, a cultura é sobretudo uma cultura literária e
particularmente voltada ao teatro, que é uma arte política por
excelência, voltada para um público, para mobilizar a opinião da
população.
Nessa
época a comédia ganha também prestígio, é um período revolucionário da
burguesia. As peças de Moliere, por exemplo, são a burguesia elaborando
sua própria mentalidade, seu próprio modo de vida, ridicularizando ela
mesma, a aristocracia e as demais classes sociais.
O
apogeu de todo esse período é o Iluminismo, que formula já claramente
uma crítica política contra a monarquia. Filósofos são panfletários
políticos, e, nessa época, a cultura burguesa assume uma feição
abertamente revolucionária, e a cultura que antecipa e cria as condições
intelectuais para a Revolução Francesa.
Até
então a análise artística é relativamente simples. Os problemas para se
analisar a arte começam no século XIX, quando a cultura se torna
complexa e contraditória.
Nessa
etapa há o Romantismo, que, por exemplo, nasce na Alemanha, como um
movimento intelectual reacionário, apoiador da monarquia, da Igreja,
mas, na França, o Romantismo se vincula ao liberalismo e se torna a
ideologia daqueles que querem concluir as revoluções burguesas.
Embora
o Romantismo se torne um movimento artístico revolucionário, expressava
já uma indecisão dos intelectuais burgueses diante do regime
capitalista plenamente constituído. Os românticos, que são intelectuais
burgueses, observam que o que eles consideravam ser um ideal, tinha na
realidade um lado negro, com a enorme população operária vivendo
miseravelmente nos bairros periféricos, excluídas do sistema, das
conquistas sociais burguesas. Aqueles ideais liberais, de liberdade,
igualdade e fraternidade, não podia existir de fato naquele sistema.
O
grande escritor do Romantismo no período, e um dos maiores escritores
de todos os tempos é Victor Hugo, cujas obras mais representativas são
romances de crítica social, como sua obra-prima Os miseráveis.
Essa é uma constante no romantismo, que, ao contrário do que
normalmente se ensina sobre o assunto, é toda uma literatura social,
política, e crítica da sociedade. Essa literatura mostrava já o início
do declínio da burguesia historicamente, como classe impulsionadora do
progresso humano e social.
O
Romantismo é importante para o tema que iremos analisar porque ele
revela a existência de uma mudança no desenvolvimento da arte. Há uma
mudança no que se refere a tudo o que veio antes e o que viria depois. A
curva nesse desenvolvimento se dá com o Romantismo.
Se
na França o Romantismo expressava o liberalismo político francês, no
Brasil seria diferente. O Romantismo brasileiro seria expressão
ideológica do liberalismo do II Império, um liberalismo muito pouco ou
nada liberal, produto intelectual de Império semifeudal, escravagista e
controlado por latifundiários.
Desde
o século XVII os artistas eram perseguidos. Naquele momento, há toda
uma luta política dos artistas para conseguir expressar suas ideias na arte.
No Romantismo há também uma luta política, mas não apenas para o artista expressar suas ideias
na arte, mas pela total e irrestrita liberdade de expressão, a
liberdade para que o artista pudesse se expressar também usando a forma artística que lhe parecesse mais conveniente. Essa mudança da ênfase do conteúdo para a forma denota uma modificação na arte.
Os
artistas de então não querem se submeter a uma norma que dita como eles
deveriam escrever. Os românticos rompem com as ideias de “perfeição
formal”, que era o cânone que norteou o classicismo. É esta mudança que
marca, por exemplo, o processo de revalorização de Shakespeare durante o
romantismo. O dramaturgo inglês, por seu verso anárquico, que falta de
padrões de seus textos, pela sua expressão pessoal original, passa a ser
usado pelos românticos como um modelo contra o classicismo. Shakespeare
é proclamado então por eles com o maior autor de todos os tempos. Um
marco nesse processo foi a famosa obra de Stendhal, Shakespeare ou Racine, onde era a feita a defesa do romantismo contra o classicismo a partir do exemplo desses dois autores.
Após desenvolver tais ideias, o palestrante destacou uma pergunta necessária: porque o artista se via obrigado a lutar para conseguir escrever à maneira dele?
E
a resposta a esse ponto, frisou ele, é uma questão recorrente em toda a
história mais moderna da arte: o controle burocrático que o Estado
tenta exercer sobre a arte e os artistas.
O
Estado moderno nasceu com as monarquias absolutas, foi quando nasceu
todo o controle estatal sobre a população e sobre a opinião pública que
conhecemos hoje.
Foi
durante o reinado de Luís XIV na França que foi criada, por exemplo, a
Academia de Letras, que nasceu com o objetivo específico de aprofundar o
controle estatal sobre a nobreza e as classes cultas o país.
A
Academia torna-se, portanto, um árbitro das letras francesas, e é a
partir desse controle que inicia-se a luta política dos artistas para
expor livremente suas ideias. Foi nesse período que houve a luta de
Corneille para publicar El Cid, que Racine foi quase linchado por publicar Fedra, e que Moliére teve de reescrever três vezes o Tartufo.
Quando acontece a Revolução Francesa, ela não destrói essa organização, mas toma para ela, o reforma e o amplia.
Nos
dias de hoje, as universidades, cumprem exatamente esse papel. O mesmo
fazem também as editoras semiestatais e a imprensa semiestatal.
Os
artistas, na época moderna, passarão a lutar também com cada vez mais
intensidade contra o controle burocrático do Estado sobre sua arte. É
natural que essa luta tenha se dado na arte porque ela é naturalmente
avessa ao controle.
Para
um artista o problema da forma é um problema fundamental. A forma é o
trabalho próprio do artista. A filosofia, a política, a sociologia, são
conteúdos usados pela arte, mas o artista, propriamente, é alguém que
domina uma determinada forma para, por meio dela, expressar esses
conteúdos. É o que o artista pode fazer de original, que o difere do
filósofo, do político, etc. E a luta pela liberdade de expressão,
reivindicada por praticamente todos os movimentos de vanguarda do século
XX, diz respeito à natureza burocrática do Estado e sua luta por
controlar os artistas.
O modernismo brasileiro
O modernismo brasileiro que fez a Semana de 22 representou uma revolta desse tipo.
Quando
acontece a Semana, a cultura brasileira está petrificada. A cultura
oficial da República Velha na década de 1920 era a cultura daqueles que
haviam lutado pela República, ainda na década de 1880. Em outras
palavras, a arte e a literatura brasileira estavam estacionados no tempo
há cerca de 40 anos.
O
Parnasianismo foi um dos movimentos literários mais importantes da
história nacional. Dele participaram nomes como Machado de Assis, Olavo
Bilac, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, etc. Independentemente da
importância do Parnasianismo, porém, ele há muito havia se tornado uma
cultura oficial do Estado. Quando os jovens modernistas se lançam na
luta contra essa cultura oficial petrificada, era inevitável, portanto,
que eles também se lançassem contra o Parnasianismo.
O
Modernismo é uma insurreição política, e não literária contra o regime.
Ele expressa um movimento geral de revolução cultural que estava em
marcha naqueles anos. Mas o que chama atenção no Modernismo brasileiro é
que ele vai muito mais longe do que esperaria de um movimento de reação
à cultura estatal.
Ao
contrário do que se convencionou dizer sobre o modernismo, ele não era
um movimento nacionalista, mas internacionalista, que buscava uma
atualização das artes nacionais. Os modernistas rejeitam as teorias
raciais da cultura brasileira formuladas pelo romantismo, e eram também
profundamente antitradicionalistas. Eles desprezaram não apenas o
parnasianismo, mas toda a cultura brasileira pregressa, ou, pelo menos, a
cultura que havia sido oficializada pelo regime.
O
modernismo era resultado de um desenvolvimento específico de São Paulo e
do Rio de Janeiro principalmente. Eles querem, assim, passar a limpo a
cultura nacional à luz desse desenvolvimento.
A
busca central dos modernistas era a de que o Brasil fosse capaz de
criar arte, que não fosse apenas um importador. Para eles, a arte
brasileira deveria ser como a indústria brasileira: importar matérias
primas para ser capaz de criar produtos novos, voltados à exportação. Em
outras palavras, eles buscavam se apropriar da arte mais moderna
internacionalmente para mostrar ao mundo como se fazia.
Encarado
sob esse ponto de vista, o movimento da poesia concretista, da década
de 1950, movimento tipicamente brasileiro, era o sonho de Oswald de
Andrade.
Em
dado momento, em 1924, os modernista realizaram a chamada Viagem do
Redescobrimento, que passou pelo Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Essa nova cultura modernista, do “redescobrimento”, é a cultura que havia sido esquecida pelo Brasil da época.
A
valorização do Barroco mineiro, um movimento historicamente tardio, e a
consagração de Aleijadinho como um grande artista, vêm dos modernistas.
O mesmo se deu com a valorização da cultura amazônica, das lendas
indígenas, etc. E eles valorizaram esses fenômenos precisamente porque
eles não faziam parte da cultura brasileira de então, haviam se tornado
fenômenos marginais. Os modernistas, nesse sentido, recuperaram muito da
cultura nacional que praticamente não existia com fonte de influência
para os artistas.
A polarização política do modernismo
Em
oposição a esse desenvolvimento modernista, como uma reação a ele, foi
organizado um grupo direitista que reage às ideias modernistas, o grupo
Verde-Amarelo. Se o modernismo era internacionalista, antirracista,
antitradicionalista, os membros do verdeamarelismo irão evoluir para uma
arte nacionalista, racista e passadista, escondendo seu passadismo com
um leve verniz modernista. Esse grupo irá também impulsionar o culto do
bandeirante, da “raça paulista” em oposição ao restante do País. Esse
grupo era expressão intelectual do nacionalismo da burguesia paulista.
Dele fizeram parte Plínio Salgado, futuro líder integralista, Ronald de
Carvalho, Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Guilherme de Almeida.
O
Verde-Amarelo iria se ramificar em duas tendências direitistas. Por um
lado, daria origem ao Integralismo, o movimento fascista brasileiro. Por
outro, a uma vertente mais moderada de nacionalismo, que iria se
identificar, após 1930, com o governo Vargas. Nomes como Manuel
Bandeira, Mário de Andrade, Villa-Lobos. Muitos tem a ideia de que esse é
o grupo mais importante do modernismo, mas isso não é fato.
O
grupo mais representativo do modernismo seria sua ala esquerda. Ele
inclui artistas como Tarsila do Amaral, Patrícia Galvão, Raul Bopp,
Alcântara Machado, Geraldo Ferraz e Oswald de Andrade. Esse último,
particularmente, foi a figura mais característica do modernismo
brasileiro, foi o verdadeiro artista de vanguarda do Brasil.
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