sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Baudelaire, as revoluções francesas e o nascimento da poesia moderna

Em 31 de agosto de 1867 morria o poeta Charles Baudelaire. Sua poesia pioneira nasceu sob o fogo revolucionário de 1848. Duas décadas mais tarde eclodia a Comuna, e a tradição de Baudelaire seria retomada por uma nova geração

O poeta Charles Baudelaire, iniciador da tradição moderna da poesia.
Em meados do século XIX, poucos anos depois das revoluções de 1848 que se alastraram por toda a Europa, era lançado um livro de poemas que viria a se revelar um dos grandes clássicos da literatura mundial, eram as Flores do mal, de Charles Baudelaire, cuja primeira edição foi publicada em 1857.

Baudelaire era então já uma importante figura dos círculos da intelectualidade de Paris, amigo de pintores, como o romântico Eugène Delacroix e o realista Gustave Courbet; e de filósofos, como o anarquista Joseph-Pierre Proudhon. Dono de um estilo de vida boêmio e dissoluto, Baudelaire começou a ganhar notoriedade entre a intelectualidade francesa ainda no início da década de 1940, com seus artigos de crítica de arte em defesa de pintores marginalizados das artes de Paris. Seu primeiro texto famoso na época, que despertou a ira conservadora, foi sua crítica sobre o Salão de Paris de 1845, atacando os conservadores e criticando a ausência, na exposição, dos melhores pintores da França naquele momento, destacando-se aí sua defesa da obra de Delacroix. Nos anos seguintes, Baudelaire se afirmou com um dos mais importantes defensores da pintura romântica, e de Delacroix como o maior pintor da França, atacando, assim, frontalmente as instituições acadêmicas e o governo francês, que detinha o monopólio dos salões.

Nesses anos Baudelaire era alvo também de duros ataques dos moralistas pelas poesias que publicava em periódicos como a Revue des deux mondes, poemas de uma agressividade, sensualidade e realismo incomuns.

Esses escritos de Baudelaire, tanto sua obra ficcional quanto os textos de crítica, eram parte de um amplo movimento de oposição crescente ao regime monarquista parlamentar de Luís Filipe de Orleans, o “rei burguês”, que ganhou fôlego a partir da crise econômica de 1846, culminando na Revolução de 1848, que eclodiu não apenas na França, mas em vários outros países dentro e fora da Europa.

Baudelaire tomou na ocasião parte ativa entre as barricadas de Paris, escrevento também para um jornal literário de orientação revolucionária, o Le Corsaire-Satan.

Apesar de Flores do mal aparecer somente em 1857, a redação de seus poemas haviam começado mais de uma década antes. É uma obra representativa, nesse sentido, do período mais crítico do regime político francês naquele momento: os momentos finais da monarquia de Luís Filipe, o período de crises que se estende até 1851, com o golpe de estado dado por Napoleão III, e ao movimento de oposição ao regime direitista de Georges-Eugène Haussmann, prefeito do Sena a partir de 1853, e ao Segundo Império de um modo geral.

Em alguns poemas de Flores do Mal, é bastante nítida a crítica lançada por Baudelaire ao regime burguês, usando as imagens simbólicas que são típicas em sua poesia. Em Caim e Abel vê-se um retrato da miséria da população operária em contraste com a opulência em que vivia a burguesia:

“Raça de Abel, tuas sementes
E teus rebanhos férteis são
Raça de Caim, teus parcos dentes
Rangem de fome e privação
Raça de Abel, teu ventre aquece
Junto à lareira patriarcal
Raça de Caim, treme e padece
Em teu covil, pobre chacal!
Raça de Abel, goza e pulula!
Teu ouro é pródigo em rebentos;
Raça de Caim, refreia a gula,
Ó coração que arde em tormentos!
Raça de Abel, cresces e brotas
Como os insetos do arvoredo;
Raça de Caim, por ínvias rotas,
Arrasta os teus à infâmia e ao medo”.
...

Outro poema, O cisne, poderia ser interpretado como uma imagem simbólica das lutas de 1848, ao comparar o cisne, livre de seu cativeiro, ao proletariado de Paris erguendo sua cabeça aos céus. No poema ele escrevia:

“Um cisne escapava enfim ao cativeiro
E, nas ásperas lajes os seus pés ferindo,
AS almas plumas arrastava ao sol grosseiro.
Junto a um regato seco, a ave, o bico abrindo,
No pó banhava as asas cheias de aflição,
E dizia, a evocar o seu lago natal
Água, quando cairás?
Quando soarás trovão?
Eu vejo esse infeliz, mito estranho e fatal,
Tal qual homem de Ovídio, às vezes num impulso,
Erguer-se para o céu cruelmente azul e irônico,
A cabeça a emergir do pescoço convulso,
Como se a Deus lançasse um desafio agônico!”

Flores do mal não foi apenas uma obra de conteúdo revolucionário e inovador, expressando em certa medida os ideais socialistas que tomavam conta da sociedade naquele momento, mas também uma obra esteticamente avançada, que, décadas mais tarde, seria identificada como uma obra precursora da poesia moderna.

O jovem Arthur Rimbaud, em 1871 – o ano da Comuna de Paris, que o poeta apoiou entusiasticamente –, vivendo a crise revolucionária final do governo de Napoleão III, escreveria sua famosa carta a Paul Demeny, a chamada Carta do vidente, sua carta-manifesto onde realizaria um balanço de toda a tradição pregressa da poesia francesa até aquele momento, situando Baudelaire como uma figura única e espetacular, o guru da poesia da nova geração. E a nova geração da qual Rimbaud fazia parte, era a dos poetas simbolistas, os novos poetas marginais de Paris e os fundadores da poesia moderna do século XX, grupo composto por figuras como Paul Verlaine (que tomou parte diretamente na Comuna de Paris), e Stéphane Marllarmé, o principal criador da nova geração.

Desse modo, a tradição da poesia moderna nasce e se desenvolve a partir da iniciativa de poetas revolucionários que elaboraram suas obras a partir do impacto direto que teve sobre eles os dois acontecimentos revolucionários mais importantes do século XIX no mundo: a Revolução de 1848, com Baudelaire; e a Comuna de Paris, em 1871, com Rimbaud, Verlaine etc.

Depois desse impulso fundamental, as novas gerações de artistas dariam uma larga contribuição à consolidação dessa nova arte da palavra, fato que se cristalizaria plenamente, no entanto, apenas com o advento de um terceiro acontecimento político capital da história humana recente: a Primeira Guerra, em 1914, que produz, na esteira da devastação provocada por ela, a conclusão e a negação daquela tradição, com os movimentos dadá e surrealista.
 
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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

‘Strange Fruit’: livro traz estudo sobre famosa canção de protesto contra o racismo

O livro investiga a que a é considerada a primeira canção de protesto da música norte-americana, o jazz ‘Strange Fruit’, consagrado na interpretação emotiva de Billie Holiday
Billie Holiday, que cantou Strange Fruit pela primeira vez em agosto de 1939.
Foi lançado agora no Brasil o livro Strange Fruit - Billie Holiday e a Biografia de Uma Canção, de autoria do jornalista norte-americano David Margolick. A obra, publicada há doze anos nos Estados Unidos, se propõe a estudar a gênese e o significado da canção Strange Fruit, uma das mais famosas do repertório de Billie Holiday.

A música trata de um tema tabu na época, que eram as ondas de linchamentos promovidas por comunidades brancas contra os negros, principalmente nas cidades do Sul dos Estados Unidos, processos que terminavam frequentemente com o enforcamento dos agredidos, cujos corpos eram deixados dependurados para apodrecer nas árvores. Daí o título da canção, ‘strange fruit’ (fruta estranha).

O poeta comunista Abel Meeropol, autor de Strage Fruit.
Em outro livro, lançado no ano passado nos Estados Unidos, mas ainda inédito no Brasil, o interessante 33 Revolutions per Minute: A history of protest songs, de Dorian Lynskey, a obra inicia-se justamente essa famosa Strange Fruit, que, se não for a primeira, teria sido uma das primeiras canções representativas de protesto da música popular moderna nos Estados Unidos, e tratando justamente de uma das maiores pústulas, escondidas a todo custo pela burguesia norte-americana, que é o problema da opressão dos negros. Mais ainda, a composição foi concebida abertamente com esse propósito de protesto e denúncia social. Ela causou grande impacto quando cantada pela primeira vez em 1939 no palco do Café Society, em Nova Iorque – um dos poucos bares não segregados da cidade –, quando Holiday tinha apenas 23 anos. Strange Fruit foi gravada também naquele mesmo ano, pela Commodore Records.

A autoria da letra e da melodia foi registrada no nome de Billie Holiday, mas ela era na realidade de autoria do poeta socialista norte-americano Abel Meeropol, que foi responsável também pela adaptação musical de Strange Fruit.

Meeropol, intelectual judeu e membro do Partido Comunista, trabalhou anos como professor em Nova Iorque. Entre seus alunos, estiveram futuros grandes nomes das letras do País, como Neil Simon, Paddy Chayefsky e James Baldwin, este último o maior dos escritores negros do segundo pós-guerra.

A ideia de escrever um poema de protesto contra aquela situação de barbárie que há muito existia no Sul contra os negros surgiu em 1937, quando, certo dia, Meeropol se deparou, chocado, com a famosa e macabra fotografia de Lawrence Beitler. Feita em 1930, ela retratava os cadáveres dos negros Thomas Shipp e Abram Smith dependurados em uma árvore e rodeados por uma multidão de brancos sorridentes, orgulhosos da execução que acabavam de promover. A cena era de uma violência sem par, os dois negros haviam sido brutalmente espancados antes do enforcamento e estavam envoltos em roupas ensanguentadas e esfarrapadas. Perturbado pela imagem, Meeropol escreveu pouco depois o poema Strange Fruit. Ele foi publicado pela primeira vez no periódico New York Teacher, e, mais tarde, no jornal de esquerda New Masses.
Em 1939, Meeropol viu Holiday se apresentando no Café Society, e, impressionado com a performance da cantora, apresentou a ela sua composição, que Holiday imediatamente incorporou ao seu repertório e que acabaria por transformar a canção em um clássico da música popular norte-americana. Um jazz sombrio, cantado de forma arrastada e acompanhado apenas por um piano hesitante.

A famosa e horrenda fotografia de Lawrence Beitler, tirada em 1930, que, ao ser vista por Meeropol, o inspirou  a escrever o poema Strange Fruit, que daria origem à canção.
Margolick se viu diante da oportunidade de escrever um estudo sobre a história e a importância da canção a partir de uma reportagem realizada por ele para a revista Vanity Fair.

O estudo preliminar o interessou tanto que ele partiu em seguida buscando se aprofundar nos problemas que envolviam a criação de Strange Fruit. Desde o silêncio e a conivência da sociedade norte-americana com aquela prática hedionda, passando pelo interesse de um intelectual, judeu e comunista, por abordar o tema, até a canção cair no colo de uma das maiores cantoras negras dos Estados Unidos, e, aquele tema tão proibido naquele momento, se tornar uma melodia popular na boca de brancos e negros. Strange Fruit tornava-se, assim, um poderoso hino contra o racismo, produzido pelos movimentos intelectuais de oposição à opressão negra e de defesa dos direitos civis da população em geral e dos negros em particular.
O livro e a música reúnem, portanto, três temas que giram todos em torno do problema das liberdades democráticas: a perseguição promovida pelo governo e a burguesia norte-americana contra negros, judeus, e militantes de sindicatos e organizações operárias.

No que diz respeito à perseguição de judeus e comunistas no período, vale destacar que, durante a década de 1950, Meeropol adotou os dois filhos do casal Rosenberg, encarcerados sob a acusação de serem espiões soviéticos, e executados em 1953 por esse crime. O próprio Meeropol viveu durante anos sob perseguição, sem conseguir nenhum trabalho em seu país certamente por seu nome constar na lista negra do macarthismo. A pouca renda que permitia o escritor se manter foi em função dos direitos das composições que vendia, sendo uma delas, Strange Fruit.

Há uma versão em português da canção, que apresentamos abaixo, feita pelo letrista Carlos Rennó.

“Árvores do Sul dão uma fruta estranha,
Folha ou raiz em sangue se banha,
Corpo negro balançando, lento,
Fruta pendendo de um galho ao vento,

Cena pastoril do Sul celebrado,
A boca torta e o olho inchado,
Cheiro de magnólia chega e passa,
De repente o odor de carne em brasa,

Eis uma fruta para que o vento sugue,
Pra que um corvo puxe, pra que a chuva enrugue,

Pra que o sol resseque, pra que o chão degluta,

Eis uma estranha e amarga fruta”.

Ouça aqui a gravação original de 1939 para Strange Fruit, interpretada por Billie Holiday

 

Strange Fruit em vídeo de uma famosa apresentação ao vivo de Billie Holiday realizada em 1959:

 

Ouça a versão de Nina Simone para a canção Strange Fruit:
 

Ouça uma versão experimental Strange Fruit gravada por Cassandra Wilson:


 Ouça uma versão em português de Strange Fruit interpretada por Wilson Simoninha a partir da tradução de Carlos Rennó:


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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Estreia em setembro retrospectiva da obra de Lygia Clark

A mostra reunirá mais de uma centena de trabalhos da artista, desde sua fase concretista, na década de 1950, até seus trabalhos mais radicais vinculados à psicanálise e às experiências sensoriais e de interação com o público

Uma das esculturas da série Bichos, de Lygia Clark.
A partir de 1º de setembro, estreia em São Paulo uma das maiores exposições realizadas nos últimos anos com a obra da artista plástica Lygia Clark, suja atividade esteve vinculada nas décadas de 1950 e 1960 com o concretismo e o neoconcretismo.
A mostra reúne um total de 140 trabalhos, entre pinturas, desenhos, esculturas e outros objetos produzidos pela artista.

Os primeiros trabalhos presentes na mostra são quadros do início da década de 1950, que mostram que a artista, antes de aderir ao movimento concretista flertava com o cubismo e outras tendências figurativas que já tendiam fortemente à abstração. Esse caminho a leva a realização de obras já totalmente abstratas e geométricas como Composição, de 1953, ou Ovo-estudo, de 1958, produto de sua adesão às teorias racionalistas e ao concretismo internacional.

A ruptura de sua obra nesse caminho se daria em 1959, quando é fundado o movimento neoconcreto, inaugurado oficialmente com a Primeira Exposição Neoconcreta, no Rio de Janeiro, lançada juntamente com o manifesto do grupo.

O neoconcretismo surgia como parte do movimento de radicalização geral da sociedade brasileira no período, com a crise que emerge no final do governo de Juscelino Kubitschek e que levaria sucessivamente Jânio Quadros e João Goulart ao poder. Período revolucionário da história brasileira que se encerra abruptamente com o Golpe, em 1964.

O desenvolvimento do neoconcretismo acompanhava uma tendência geral do movimento cultural brasileiro que rompia então com a cultura típica da década de 1950. À bossa nova, se sucedeu a formação da MPB, com suas músicas políticas; e ao extremo formalismo e racionalismo do movimento concretista, sucederam-se tendências artísticas de maior radicalismo político, reivindicando uma retomada da subjetividade como método de criação artística. Além do neoconcretismo, como parte dessa mesma tendência geral seria também formado em 1965, o Grupo Surrealista de São Paulo, o primeiro grupo organizado do surrealismo no Brasil.
Lygia Clark, ao lado de Lygia Pape, Ferreira Gullar, Amílcar de Castro e Fanz Weissman, seria uma das figuras de maior destaque no grupo neoconcreto.

Os trabalhos da artista a partir dessa data tendem então cada vez mais à subjetividade e recorre a experiências sinestésicas em arte, criando objetos para serem tocados, cheirados, etc. A busca principal de Lygia Clark nesse momento era produzir trabalhos que pudessem interagir com o espectador, e não serem simplesmente observados à distância, uma teoria que tinha influência do movimento internacional da arte conceitual, que se desenvolve também no mesmo período em diferentes países.

São dessa fase a maior parte dos trabalhos presentes na exposição, incluindo suas esculturas-moles e sua série Bichos. Estão também presentes na mostra obras inéditas da artista relacionadas ao cinema e à arquitetura. Nessa área destaca-se sua Casa do poeta, de 1964, um projeto de residência com paredes interiores móveis.

A exposição Lygia Clark: Uma retrospectiva é uma iniciativa da associação cultural O Mundo de Lygia Clark, pertencente à família da artista, e estará em cartaz, a partir de 1º de setembro, no Itaú Cultural, localizado na Avenida Paulista, 149. A entrada é franca.

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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Exposição apresenta desenhos inéditos de Burle Marx

Inaugurada em Brasília, a mostra traz um conjunto de 120 desenhos figurativos do paisagista Roberto Burle Marx, muitos dos quais são agora expostos pela primeira vez
Roberto Burle Marx destacou-se na história da arte nacional como o principal paisagista da escola modernista de arquitetura no Brasil, pertencente à geração de Niemeyer e Lúcio Costa. Sua obra de paisagismo traz essencialmente construções abstratas, influenciada tanto pelas correntes geométricas quanto líricas das artes plásticas.

Burle Marx, no entanto, dedicou-se também, durante toda a vida, às artes plásticas, atividade que constitui a verdadeira matéria-prima de seus projetos de jardins, praças e calçadões. Apesar de ter se notabilizado pelo paisagismo, Burle Marx, além de pintor, desenvolveu também projetos para cenários e figurinos teatrais, peças de tapeçaria, design de joias e vasos.

Em sua rotina diária, o artista se dedicava ao desenho e à pintura pela parte da manhã, e às encomendas paisagísticas de tarde. E era nessa primeira atividade que o artista estudava as formas e cores que, eventualmente, aplicava em seus projetos, tanto de paisagismo, quanto em outras áreas das artes aplicadas.

Em suas pinturas, Burle Marx desenvolvia tanto grandes telas abstratas quanto obras figurativas, onde se vê a influência fundamental do cubismo. Há mesmo uma grande semelhança entre as composições geométricas coloridas de Burle Marx, e o Portinari da última fase.

Até recentemente, pouco se conhecia da obra pictórica do artista. Menos conhecidos ainda são os desenhos figurativos de Burle Marx, seus retratos, nus, e cenas do cotidiano, quase nunca expostos ou mostrados apenas como acréscimos de exposições que se detinham nas outras áreas de sua atividade criativa.

A mostra Roberto Burle Marx: A figura humana na obra em desenho, exposta no Museu Nacional dos Correios, em Brasília, apresenta agora pela primeira vez uma reunião representativa especificamente dos desenhos figurativos de Burle Marx, reunindo um total 128 trabalhos executados entre 1919 (quando ele tinha apenas 10 anos) e 1940.

Os desenhos são parte do acervo do Ministério da Cultura, do Sítio Roberto Burle Marx, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ao visitar a exposição, o público poderá conferir desenhos executados em diferentes técnicas, a grafite, lápis de cor, crayon, giz de cera, carvão, nanquim, hidrocor e guache sobre papel.

A exposição foi dividida em dois grupos, um reunindo os retratos e nus de Burle Marx, e o outro, apresentando séries temáticas, com desenhos em série realizados em ambientes públicos em diferentes ângulos e momentos. Para quem quiser conferir a exposição, ela permanecerá em cartaz até o dia 4 de novembro, estando aberta sempre de terça a domingo, das 10h às 19h. A entrada é gratuita.
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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Robert Johnson e a música negra norte-americana

A 16 de agosto de 1938 morria, como viveu, um dos maiores músicos da cultura norte-americana: na miséria e no anonimato

16 de agosto de 2012 

Hoje se completa a aniversário de morte de Robert Johnson, um dos músicos mais representativos da história do blues. Em vida, Johnson foi sempre um músico marginal, praticamente só conhecido entre um círculo estrito de músicos. Depois de sua morte, porém, nas décadas seguintes, as poucas gravações que Johnson deixou foram descobertas por sucessivas gerações que ajudaram a consolidar o nome do músico como um dos mais influentes do estilo, tanto por suas qualidades formais quanto pela originalidade das letras.

As composições de Robert Johnson são características de um dos períodos mais importantes da história da música negra norte-americana, entre as décadas de 1920 e 30, quando, não apenas o blues torna-se um gênero musical mais profissional, como também o jazz, gênero nascido do blues, torna-se a música mais popular dos Estados Unidos, com as big bands de swing. Esse jazz moderno conquista plateias de negros e brancos, por todo o país e ajuda a fortalecer as tendências à luta do movimento negro pelo fim da segregação racial no país. Johnson, músico de talento que foi, nesse período viveu e morreu como um típico músico negro de sua geração, pobre, anônimo e marginalizado.

Um mito popular que cercou a vida do músico, divulgado pelos colegas de Robert Johnson e reforçado por ele mesmo em sua música, foi o de que o bluesman, ainda no início da carreira teria feito um pacto com o demônio, a partir do qual ele teria adquirido suas habilidades musicais. 

Segundo conta esse mito, Johnson teria vendido sua alma na encruzilhada das rodovias 61 e 49, em Clarksdale, no Mississippi. Seu violão teria sido tomado pelo diabo, que mudou a afinação do instrumento, tornando-o mais grave. Jonhson teria adquirido aí sua sonoridade característica e as qualidades como letrista e compositor. A história, difundida de boca a boca a até ser registrada nas biografias do músico, foi relatada também nas composições de Johnson como Crossroads Blues, Me And The Devil Blues e Hellhound On My Trail.

Robert Johnson nasceu no Mississipi, na cidade de Hazlehurst. O ano de seu nascimento é incerto, variando entre 1909 e 1912. Ele viveu uma infância comum a toda população pobre e negra da região, frequentou a escola entre 1924 e 27, e se tornou um jovem relativamente bem educado para sua condição social. Seu primeiro instrumento musical foi uma gaita, que tocava desde muito jovem, e com a qual começou a compor seus blues.

Johnson tinha por volta de 16 anos quando casou-se pela primeira vez, com Virginia Travis, que morreu meses depois, durante o parto. Johnson nessa época era já mal visto por muitos na comunidade devido às músicas que tocava e ao boato que já existia sobre ele ter vendido sua alma ao diabo. A morte da esposa de Johnson apenas reforçou sua fama como alguém cuja vida fora amaldiçoada.

Foi por volta de 1929 que o jovem músico conheceu um bluesman de importância em sua geração, Son House, que se mudara naquele momento para Robinsonville. Foi House, que mais tarde se lembraria de Johnson como um gaitista de talento, mas um péssimo violonista, quem ensinou ao jovem uma técnica apropriada de tocar o violão, instrumento no qual Johnson passou a se dedicar com maior seriedade a partir daí.

Depois de algumas viagens, e de ter adquirido novas habilidades com o músico Isaiah “Ike” Zimmerman, Johnson retornou em 1931 a Robinsonville tocando seu violão de uma forma já irreconhecível, descrito por seus contemporâneos como um grande virtuoso do blues.
Foram músicos como Son House e Ike Zimmerman alguns dos muitos colegas de Johnson a reforçar a fama do músico como alguém que teria vendido sua alma ao diabo para adquirir habilidades musicais sobrenaturais.

Johnson tem um segundo casamento, mas se separa poucos meses mais tarde, no início de 1932. Essa data marca o início do período mais significativo da vida do músico, que, entre 1932 e 1938, passa a viver como músico itinerante, residindo por curtos períodos em diferentes cidades no Tennessee, Arkansas, e no Delta do Mississipi.

Ele viajou nesse período por todo o país, de leste a oeste, e de norte a sul do País. Nessa vida errante, Johnson envolveu-se em muitas brigas, fez muitas dívidas e viveu com diferentes mulheres, algumas delas casadas. Sabe-se hoje que, em função desses problemas, ele chegou a usar pelo menos oito sobrenomes diferentes no período, o que confirma que o músico viveu praticamente no anonimato, viajando de cidade em cidade como um desconhecido em busca de oportunidades de trabalho nos bares noturnos.

A morte inesperada de Johnson se deu em torno de problemas dessa natureza, antes dele completar 30 anos. Em agosto de 1938, quando se apresentava no bar Tree Forks, o músico tomou uma dose de uísque envenenado (algumas versões sugerem ter sido stricnina), preparado, supostamente, pelo dono do bar, pelo fato de Johnson ter flertado com a esposa dele.
Não se sabe ao certo se Johnson morreu em função do envenenamento ou de sequelas decorrentes dele, o certo é que o músico morreu três dias mais tarde, em grande agonia.
Todo o legado musical de Robert Johnson se resume a 29 músicas gravadas em duas sessões em estúdios no Texas. A primeira delas realizada em novembro de 1936, em San Antonio, e a segunda, em junho de 1937, em Dallas.

Apesar dessa produção reduzidíssima, Johnson nas décadas seguintes se tornou uma das figuras mais populares e influentes da história do blues, que na década de 1930 viveu um de seus períodos de maior florescimento. Johnson é um dos grandes nomes do chamado Delta blues. Suas músicas influenciaram e já ganharam versões, tanto de outros músicos de blues como de grupos de rock’n’roll, como The Rolling Stones, Led Zeppelin, Eric Clapton e The Blues Brothers, entre outros. A importância e influência que se atribui hoje a Robert Johnson, está intimamente ligada à importância da música negra à cultura norte-americana.

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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

São Paulo recebe a maior exposição do impressionismo já realizada no Brasil

O banho, de Alfred Stevens.
Apresentando obras da coleção do Museu d’Orsay, de Paris, a mostra conta com telas representativas do período e nunca vindas antes ao Brasil, de Manet, Monet, Renoir, Degas, Lautrec, Cézanne, Gauguin e Van Gogh, entre outros
Estreou no último final de semana, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, uma mostra apresentando uma reunião bastante expressiva de pinturas impressionistas presentes na coleção de um dos mais tradicionais museus franceses, o d’Orsay, de Paris.

O carro chefe da mostra, Impressionismo: Paris e a Modernidade – Obras-Primas do Museu d’Orsay, é composta por obras importantes dos maiores expoentes do impressionismo e pós-impressionismo, como Édouard Manet, Claude Monet, Pierre-Auguste Renoir, Camille Pissaro, Berthe Morisot, Edgard Degas, Henri Toulosse-Lautrec, Paul Cézanne, Vincent Van Gogh e Paul Gauguin, mas inclui também obras importantes de nomes menos conhecidos da corrente, como os franceses Maximilien Luce, Félix Vallotton e Édouard Vuillard, o belga Alfred Stevens, ou o alemão Louis Welden Hawkins.  A exposição reúne um total de 85 obras do museu francês que vêm agora pela primeira vez ao Brasil.

O tocador de pífano, de Manet.
Entre as telas mais representativas da mostra estão trabalhos bastante conhecidos entre os apreciadores do impressionismo, como O tocador de pífano e A garçonete com cervejas, de Manet; A estação Saint-Lazare, e O lago das ninfeias - harmonia verde, de Claude Monet; Dançarinas subindo a escada, de Degas, O berço, de Berthe Morisot; Moças ao piano, de Renoir; e Retrato do artista com fundo rosa, de Cézanne.

Menos conhecidas, mas também importantes, são telas como a obra-prima de Maximilien Luce, Uma rua de Paris em maio de 1871 ou a Comuna, obra menos ortodoxa do movimento, pintada em 1903, e mostrando um grupo de operários mortos pela repressão de esmagou a Comuna de Paris.

As telas foram agrupadas segundo critério de tema, dividida entre sete grupos. Deles, três apresentam trabalhos que tem a cidade de Paris como tema, sendo eles, "Paris é uma Festa", "A Vida Urbana e Seus Atores" e "Paris: A Cidade Moderna". Os outros quatro segmentos apresentam telas de paisagens campestres, realizadas dentro e fora da França, são os grupos "Fugir da Cidade", "Convite à Viagem", "Na Bretanha" e "A Vida Silenciosa".

A coleção apresenta, assim, um recorte representativo da arte mais importante produzida do mundo nas últimas três décadas do século XIX, abrangendo todo o período de formação da pintura moderna anterior às vanguardas do século XX.

A exposição pode ser visitada de terça a domingo, das 10h às 22h e permanecerá em cartaz até o dia 7 de outubro. O CCBB de São Paulo fica na Rua Álvares Penteado, 112, na região central da cidade.

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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Há 45 anos morria o pintor René Magritte

Ao lado de Max Ernst e Salvador Dali, René Magritte foi um dos principais nomes da pintura surrealista no século XX

“Essa é uma união que sugere o mistério essencial do mundo. Arte para mim não é um fim em si, mas um meio de evocar esse mistério”, afirmou certa vez René Magritte, procurando explicar o motivo de seu uso frequente na pintura, da justaposição de objetos que aparentemente não se relacionariam. Essa foi uma das melhores definições dadas pelo pintor a respeito do sentido de sua atividade artística, não apenas para ele, mas para o grupo surrealista como um todo.
Nessa pequena citação, Magritte partia da premissa que já havia sido exposta em 1924, pelo primeiro Manifesto do Surrealismo, de André Breton, tomando de empréstimo e reelaborando a definição que primeiro fora exposta por Pierre Reverdy.

Para o surrealismo, movimento essencialmente antiliterário e antiartístico, a arte já não era, como o foi para muitas vanguardas, um fim em si mesma, mas um mero veículo para que fossem trazidos à tona determinados aspectos da realidade de outra forma ocultos. A arte, ao ser encarada como uma ferramenta dessa natureza, perdia também seu valor absoluto, e passava a ser vista apenas como um meio entre tantos outros capaz de trazer à tona essa realidade invisível, essa supra-realidade da vida.

O homem de chapéu coco.
Uma parte expressiva dos surrealistas, ao se deparar com essa verdade, desenvolveram, por sua vez, obras totalmente inusitadas, que, se em alguns casos parecia beirar os limites do que se convencionou ser considerado uma obra de arte, em outros casos parecia ter atravessado totalmente essa fronteira, a ponto do próprio conceito da arte se tornar algo incerto até os dias atuais. Uma teoria que desferiu um golpe decisivo sobre a arte já em processo de crise desde o final do século XIX.

A obra de René Magritte seria toda permeada por essa ideia. Uma de suas telas mais famosas brinca com a verdade que o observador atribui ao ilusionismo pictórico. Após pintar um cachimbo sobre uma tela usando uma técnica de trompe-l'oeil, ele escreveria abaixo a curiosa frase: “Isso não é um cachimbo”. Era uma pintura tradicional e ao mesmo tempo uma obra de antiarte à maneira dadaísta.

Apesar de Magritte e os demais pintores do grupo serem identificados pelo rótulo de surrealistas, é importante destacar que cada um desses artistas seguiu um caminho radicalmente distinto em sua arte.

Max Ernst teve uma forte influência do primeiro De Chirico, executando trabalhos que traziam o forte clima de mistério presentes na pintura do italiano. As obras de Ernst, porém, eram surrealistas não apenas em seu conteúdo, mas também nas técnicas empregadas. O pintor aplicou o automatismo psíquico à sua pintura, flertou com técnicas que utilizavam o acaso e introduziu novos materiais que estimulavam sua imaginação. Entre os surrealistas, Ernst foi formalmente o mais experimental. Um caminho parecido seguiram outros surrealistas como, por exemplo André Masson.

Isso não é um cachimbo.
Dali era já um pintor que dominava perfeitamente as técnicas de representação acadêmicas, e as utilizou com um sentido, sobretudo, emocional, dando forma a um mundo aberrante, com suas mulheres voadoras e animais monstruosos em cenários terríveis, como que saídos de pesadelos.
Diferente desses artistas, entre os quais muitos outros poderiam ser citados, René Magritte desenvolveu uma obra, acima de tudo, intelectual, que mantinha uma forte ligação com os ready mades de Marcel Duchamp. Criações concebidas não tanto para deleitar o olhar, mas para apresentar uma determinada ideia, eram obras conceituais.

Magritte trabalhou muito subvertendo determinadas noções da realidade e convenções artísticas. São famosos, por exemplo, seus retratos surrealistas que apresentam um homem de terno com o rosto sempre oculto, estando ele, ou de costas, ou com a face coberta por uma pomba ou uma maçã. Ideia que subverte a noção convencional de retrato. Também são típicas em suas obras retratos de estranhos casais se abraçando ou se beijando com seus rostos cobertos por um saco.
Outras obras bastante características do artista são telas como O império das luzes, onde Magritte combina com bastante perfeição uma paisagem noturna com um céu diurno, remetendo de uma só vez ao dia e à noite. Ou ainda, pinturas que se utilizam da representação do espelho para subverter sua função real. Em uma dessas obras, Reprodução interdita, um homem aparece de costas, olhando-se no espelho, mas seu reflexo no espelho, ao invés de mostrar seu rosto, está igualmente de costas.

Quadros também característicos na pintura de Magritte apresentam figuras humanas grotescas, como um quadro em que podem ser vistas cinco figuras bizarras que se resumem a pernas e braços, ou as sereias invertidas que aparecem em diferentes telas, com cabeça e tronco de peixe e pernas humanas.

No Brasil, infelizmente, exposições da obra do artista são pouco comuns. A maioria de seus trabalhos estão hoje concentrados no Museu Magritte, fundado em Bruxelas em 2009. Passados 45 anos de sua morte, a obra de Magritte permanece como uma das criações mais originais da pintura moderna, subproduto das teorias revolucionárias do surrealismo. Ideias que ajudaram a destruir as noções mais convencionais e superficiais que se tinha sobre a arte e a revelar o seu sentido mais profundo.

Reprodução interdita.

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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O modernismo brasileiro e a luta das artes contra o controle burocrático dos Estados modernos

Na quinta e última aula do curso de formação marxista sobre o ano revolucionário de 1922, o companheiro Rui Costa Pimenta se deteve sobre o caráter e o significado do movimento modernista, a partir de uma análise histórica do caráter da arte moderna 

Na quinta e última aula do curso de formação marxista desse 30º Acampamento da AJR (Aliança da Juventude Revolucionária), o companheiro Rui Costa Pimenta passou para o tema do modernismo brasileiro em conexão com a revolução que se desenvolvia no país no período.
Antes de adentrar o tema do nosso modernismo propriamente, o palestrante começou sua exposição buscando estabelecer em primeiro lugar o significado da arte moderna.

A maneira correta, científica, de análise dos fenômenos artísticos, assinalou ele, deve ser sempre fazê-la em conexão com o desenvolvimento da sociedade.
Outra ideia importante que o palestrante destacou é que a cultura tal como a conhecemos, a cultura moderna, é a cultura burguesa.
Antes da cultura burguesa, a cultura medieval desenvolveu-se muito pouco, mesmo a cultura religiosa não teve grande desenvolvimento.

No final da Idade Média, porém, já sob a influência da burguesia é que a cultura teve um crescimento substancial.
A Renascença, com a formação dos grandes centros comerciais, dos bancos, etc. é o começo do período de acumulação capitalista, quando surgem os primeiros grandes burgueses, ligados ao comércio.
O crescimento da cultura renascentista está relacionado com os novos avanços da ciência e da técnica da época, é a época do surgimento do humanismo. É uma cultura que cresce em oposição à ideologia religiosa anterior, é uma cultura em grande medida antirreligiosa.

Na Renascença, a religião não é mais encarada como algo em oposição ao homem, mas como algo a serviço do desenvolvimento do homem. É o período em que a ciência se ergue contra a religião, uma cultura cada vez mais penetrada pela ciência e o materialismo.
No classicismo, a cultura é sobretudo uma cultura literária e particularmente voltada ao teatro, que é uma arte política por excelência, voltada para um público, para mobilizar a opinião da população.

Nessa época a comédia ganha também prestígio, é um período revolucionário da burguesia. As peças de Moliere, por exemplo, são a burguesia elaborando sua própria mentalidade, seu próprio modo de vida, ridicularizando ela mesma, a aristocracia e as demais classes sociais.
O apogeu de todo esse período é o Iluminismo, que formula já claramente uma crítica política contra a monarquia. Filósofos são panfletários políticos, e, nessa época, a cultura burguesa assume uma feição abertamente revolucionária, e a cultura que antecipa e cria as condições intelectuais para a Revolução Francesa.

Até então a análise artística é relativamente simples. Os problemas para se analisar a arte começam no século XIX, quando a cultura se torna complexa e contraditória.
Nessa etapa há o Romantismo, que, por exemplo, nasce na Alemanha, como um movimento intelectual reacionário, apoiador da monarquia, da Igreja, mas, na França, o Romantismo se vincula ao liberalismo e se torna a ideologia daqueles que querem concluir as revoluções burguesas.

Embora o Romantismo se torne um movimento artístico revolucionário, expressava já uma indecisão dos intelectuais burgueses diante do regime capitalista plenamente constituído. Os românticos, que são intelectuais burgueses, observam que o que eles consideravam ser um ideal, tinha na realidade um lado negro, com a enorme população operária vivendo miseravelmente nos bairros periféricos, excluídas do sistema, das conquistas sociais burguesas. Aqueles ideais liberais, de liberdade, igualdade e fraternidade, não podia existir de fato naquele sistema.

O grande escritor do Romantismo no período, e um dos maiores escritores de todos os tempos é Victor Hugo, cujas obras mais representativas são romances de crítica social, como sua obra-prima Os miseráveis. Essa é uma constante no romantismo, que, ao contrário do que normalmente se ensina sobre o assunto, é toda uma literatura social, política, e crítica da sociedade. Essa literatura mostrava já o início do declínio da burguesia historicamente, como classe impulsionadora do progresso humano e social.

O Romantismo é importante para o tema que iremos analisar porque ele revela a existência de uma mudança no desenvolvimento da arte. Há uma mudança no que se refere a tudo o que veio antes e o que viria depois. A curva nesse desenvolvimento se dá com o Romantismo.
Se na França o Romantismo expressava o liberalismo político francês, no Brasil seria diferente. O Romantismo brasileiro seria expressão ideológica do liberalismo do II Império, um liberalismo muito pouco ou nada liberal, produto intelectual de Império semifeudal, escravagista e controlado por latifundiários.

Desde o século XVII os artistas eram perseguidos. Naquele momento, há toda uma luta política dos artistas para conseguir expressar suas ideias na arte.
No Romantismo há também uma luta política, mas não apenas para o artista expressar suas ideias na arte, mas pela total e irrestrita liberdade de expressão, a liberdade para que o artista pudesse se expressar também usando a forma artística que lhe parecesse mais conveniente. Essa mudança da ênfase do conteúdo para a forma denota uma modificação na arte.

Os artistas de então não querem se submeter a uma norma que dita como eles deveriam escrever. Os românticos rompem com as ideias de “perfeição formal”, que era o cânone que norteou o classicismo. É esta mudança que marca, por exemplo, o processo de revalorização de Shakespeare durante o romantismo. O dramaturgo inglês, por seu verso anárquico, que falta de padrões de seus textos, pela sua expressão pessoal original, passa a ser usado pelos românticos como um modelo contra o classicismo. Shakespeare é proclamado então por eles com o maior autor de todos os tempos. Um marco nesse processo foi a famosa obra de Stendhal, Shakespeare ou Racine, onde era a feita a defesa do romantismo contra o classicismo a partir do exemplo desses dois autores.

Após desenvolver tais ideias, o palestrante destacou uma pergunta necessária: porque o artista se via obrigado a lutar para conseguir escrever à maneira dele?
E a resposta a esse ponto, frisou ele, é uma questão recorrente em toda a história mais moderna da arte: o controle burocrático que o Estado tenta exercer sobre a arte e os artistas.
O Estado moderno nasceu com as monarquias absolutas, foi quando nasceu todo o controle estatal sobre a população e sobre a opinião pública que conhecemos hoje.
Foi durante o reinado de Luís XIV na França que foi criada, por exemplo, a Academia de Letras, que nasceu com o objetivo específico de aprofundar o controle estatal sobre a nobreza e as classes cultas o país.

A Academia torna-se, portanto, um árbitro das letras francesas, e é a partir desse controle que inicia-se a luta política dos artistas para expor livremente suas ideias. Foi nesse período que houve a luta de Corneille para publicar El Cid, que Racine foi quase linchado por publicar Fedra, e que Moliére teve de reescrever três vezes o Tartufo.
Quando acontece a Revolução Francesa, ela não destrói essa organização, mas toma para ela, o reforma e o amplia.

Nos dias de hoje, as universidades, cumprem exatamente esse papel. O mesmo fazem também as editoras semiestatais e a imprensa semiestatal.
Os artistas, na época moderna, passarão a lutar também com cada vez mais intensidade contra o controle burocrático do Estado sobre sua arte. É natural que essa luta tenha se dado na arte porque ela é naturalmente avessa ao controle.

Para um artista o problema da forma é um problema fundamental. A forma é o trabalho próprio do artista. A filosofia, a política, a sociologia, são conteúdos usados pela arte, mas o artista, propriamente, é alguém que domina uma determinada forma para, por meio dela, expressar esses conteúdos. É o que o artista pode fazer de original, que o difere do filósofo, do político, etc. E a luta pela liberdade de expressão, reivindicada por praticamente todos os movimentos de vanguarda do século XX, diz respeito à natureza burocrática do Estado e sua luta por controlar os artistas.

O modernismo brasileiro

O modernismo brasileiro que fez a Semana de 22 representou uma revolta desse tipo.
Quando acontece a Semana, a cultura brasileira está petrificada. A cultura oficial da República Velha na década de 1920 era a cultura daqueles que haviam lutado pela República, ainda na década de 1880. Em outras palavras, a arte e a literatura brasileira estavam estacionados no tempo há cerca de 40 anos.

O Parnasianismo foi um dos movimentos literários mais importantes da história nacional. Dele participaram nomes como Machado de Assis, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, etc. Independentemente da importância do Parnasianismo, porém, ele há muito havia se tornado uma cultura oficial do Estado. Quando os jovens modernistas se lançam na luta contra essa cultura oficial petrificada, era inevitável, portanto, que eles também se lançassem contra o Parnasianismo.

O Modernismo é uma insurreição política, e não literária contra o regime. Ele expressa um movimento geral de revolução cultural que estava em marcha naqueles anos. Mas o que chama atenção no Modernismo brasileiro é que ele vai muito mais longe do que esperaria de um movimento de reação à cultura estatal.

Ao contrário do que se convencionou dizer sobre o modernismo, ele não era um movimento nacionalista, mas internacionalista, que buscava uma atualização das artes nacionais. Os modernistas rejeitam as teorias raciais da cultura brasileira formuladas pelo romantismo, e eram também profundamente antitradicionalistas. Eles desprezaram não apenas o parnasianismo, mas toda a cultura brasileira pregressa, ou, pelo menos, a cultura que havia sido oficializada pelo regime.

O modernismo era resultado de um desenvolvimento específico de São Paulo e do Rio de Janeiro principalmente. Eles querem, assim, passar a limpo a cultura nacional à luz desse desenvolvimento.

A busca central dos modernistas era a de que o Brasil fosse capaz de criar arte, que não fosse apenas um importador. Para eles, a arte brasileira deveria ser como a indústria brasileira: importar matérias primas para ser capaz de criar produtos novos, voltados à exportação. Em outras palavras, eles buscavam se apropriar da arte mais moderna internacionalmente para mostrar ao mundo como se fazia.

Encarado sob esse ponto de vista, o movimento da poesia concretista, da década de 1950, movimento tipicamente brasileiro, era o sonho de Oswald de Andrade.
Em dado momento, em 1924, os modernista realizaram a chamada Viagem do Redescobrimento, que passou pelo Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Essa nova cultura modernista, do “redescobrimento”, é a cultura que havia sido esquecida pelo Brasil da época.

A valorização do Barroco mineiro, um movimento historicamente tardio, e a consagração de Aleijadinho como um grande artista, vêm dos modernistas. O mesmo se deu com a valorização da cultura amazônica, das lendas indígenas, etc. E eles valorizaram esses fenômenos precisamente porque eles não faziam parte da cultura brasileira de então, haviam se tornado fenômenos marginais. Os modernistas, nesse sentido, recuperaram muito da cultura nacional que praticamente não existia com fonte de influência para os artistas.

A polarização política do modernismo

Em oposição a esse desenvolvimento modernista, como uma reação a ele, foi organizado um grupo direitista que reage às ideias modernistas, o grupo Verde-Amarelo. Se o modernismo era internacionalista, antirracista, antitradicionalista, os membros do verdeamarelismo irão evoluir para uma arte nacionalista, racista e passadista, escondendo seu passadismo com um leve verniz modernista. Esse grupo irá também impulsionar o culto do bandeirante, da “raça paulista” em oposição ao restante do País. Esse grupo era expressão intelectual do nacionalismo da burguesia paulista. Dele fizeram parte Plínio Salgado, futuro líder integralista, Ronald de Carvalho, Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Guilherme de Almeida.

O Verde-Amarelo iria se ramificar em duas tendências direitistas. Por um lado, daria origem ao Integralismo, o movimento fascista brasileiro. Por outro, a uma vertente mais moderada de nacionalismo, que iria se identificar, após 1930, com o governo Vargas. Nomes como Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Villa-Lobos. Muitos tem a ideia de que esse é o grupo mais importante do modernismo, mas isso não é fato.

O grupo mais representativo do modernismo seria sua ala esquerda. Ele inclui artistas como Tarsila do Amaral, Patrícia Galvão, Raul Bopp, Alcântara Machado, Geraldo Ferraz e Oswald de Andrade. Esse último, particularmente, foi a figura mais característica do modernismo brasileiro, foi o verdadeiro artista de vanguarda do Brasil.

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