O livro investiga a que a é considerada a primeira canção de
protesto da música norte-americana, o jazz ‘Strange Fruit’, consagrado
na interpretação emotiva de Billie Holiday
Billie Holiday, que cantou Strange Fruit pela primeira vez em agosto de 1939. |
Foi lançado agora no Brasil o livro Strange Fruit - Billie Holiday e a Biografia de Uma Canção,
de autoria do jornalista norte-americano David Margolick. A obra,
publicada há doze anos nos Estados Unidos, se propõe a estudar a gênese e
o significado da canção Strange Fruit, uma das mais famosas do repertório de Billie Holiday.
A
música trata de um tema tabu na época, que eram as ondas de
linchamentos promovidas por comunidades brancas contra os negros,
principalmente nas cidades do Sul dos Estados Unidos, processos que
terminavam frequentemente com o enforcamento dos agredidos, cujos corpos
eram deixados dependurados para apodrecer nas árvores. Daí o título da
canção, ‘strange fruit’ (fruta estranha).
O poeta comunista Abel Meeropol, autor de Strage Fruit. |
Em outro livro, lançado no ano passado nos Estados Unidos, mas ainda inédito no Brasil, o interessante 33 Revolutions per Minute: A history of protest songs, de Dorian Lynskey, a obra inicia-se justamente essa famosa Strange Fruit,
que, se não for a primeira, teria sido uma das primeiras canções
representativas de protesto da música popular moderna nos Estados
Unidos, e tratando justamente de uma das maiores pústulas, escondidas a
todo custo pela burguesia norte-americana, que é o problema da opressão
dos negros. Mais ainda, a composição foi concebida abertamente com esse
propósito de protesto e denúncia social. Ela causou grande impacto
quando cantada pela primeira vez em 1939 no palco do Café Society, em
Nova Iorque – um dos poucos bares não segregados da cidade –, quando
Holiday tinha apenas 23 anos. Strange Fruit foi gravada também naquele mesmo ano, pela Commodore Records.
A
autoria da letra e da melodia foi registrada no nome de Billie Holiday,
mas ela era na realidade de autoria do poeta socialista norte-americano
Abel Meeropol, que foi responsável também pela adaptação musical de Strange Fruit.
Meeropol,
intelectual judeu e membro do Partido Comunista, trabalhou anos como
professor em Nova Iorque. Entre seus alunos, estiveram futuros grandes
nomes das letras do País, como Neil Simon, Paddy Chayefsky e James
Baldwin, este último o maior dos escritores negros do segundo
pós-guerra.
A
ideia de escrever um poema de protesto contra aquela situação de
barbárie que há muito existia no Sul contra os negros surgiu em 1937,
quando, certo dia, Meeropol se deparou, chocado, com a famosa e macabra
fotografia de Lawrence Beitler. Feita em 1930, ela retratava os
cadáveres dos negros Thomas Shipp e Abram Smith dependurados em uma
árvore e rodeados por uma multidão de brancos sorridentes, orgulhosos da
execução que acabavam de promover. A cena era de uma violência sem par,
os dois negros haviam sido brutalmente espancados antes do enforcamento
e estavam envoltos em roupas ensanguentadas e esfarrapadas. Perturbado
pela imagem, Meeropol escreveu pouco depois o poema Strange Fruit. Ele foi publicado pela primeira vez no periódico New York Teacher, e, mais tarde, no jornal de esquerda New Masses.
Em
1939, Meeropol viu Holiday se apresentando no Café Society, e,
impressionado com a performance da cantora, apresentou a ela sua
composição, que Holiday imediatamente incorporou ao seu repertório e que
acabaria por transformar a canção em um clássico da música popular
norte-americana. Um jazz sombrio, cantado de forma arrastada e
acompanhado apenas por um piano hesitante.
A famosa e horrenda fotografia de Lawrence Beitler, tirada em 1930, que, ao ser vista por Meeropol, o inspirou a escrever o poema Strange Fruit, que daria origem à canção. |
Margolick se viu diante da oportunidade de escrever um estudo sobre a história e a importância da canção a partir de uma reportagem realizada por ele para a revista Vanity Fair.
O
estudo preliminar o interessou tanto que ele partiu em seguida buscando
se aprofundar nos problemas que envolviam a criação de Strange Fruit.
Desde o silêncio e a conivência da sociedade norte-americana com aquela
prática hedionda, passando pelo interesse de um intelectual, judeu e
comunista, por abordar o tema, até a canção cair no colo de uma das
maiores cantoras negras dos Estados Unidos, e, aquele tema tão proibido
naquele momento, se tornar uma melodia popular na boca de brancos e
negros. Strange Fruit tornava-se, assim, um poderoso hino contra o
racismo, produzido pelos movimentos intelectuais de oposição à opressão
negra e de defesa dos direitos civis da população em geral e dos negros
em particular.
O
livro e a música reúnem, portanto, três temas que giram todos em torno
do problema das liberdades democráticas: a perseguição promovida pelo
governo e a burguesia norte-americana contra negros, judeus, e
militantes de sindicatos e organizações operárias.
No
que diz respeito à perseguição de judeus e comunistas no período, vale
destacar que, durante a década de 1950, Meeropol adotou os dois filhos
do casal Rosenberg, encarcerados sob a acusação de serem espiões
soviéticos, e executados em 1953 por esse crime. O próprio Meeropol
viveu durante anos sob perseguição, sem conseguir nenhum trabalho em seu
país certamente por seu nome constar na lista negra do macarthismo. A
pouca renda que permitia o escritor se manter foi em função dos direitos
das composições que vendia, sendo uma delas, Strange Fruit.
Há uma versão em português da canção, que apresentamos abaixo, feita pelo letrista Carlos Rennó.
“Árvores do Sul dão uma fruta estranha,
Folha ou raiz em sangue se banha,
Corpo negro balançando, lento,
Fruta pendendo de um galho ao vento,
Folha ou raiz em sangue se banha,
Corpo negro balançando, lento,
Fruta pendendo de um galho ao vento,
Cena pastoril do Sul celebrado,
A boca torta e o olho inchado,
Cheiro de magnólia chega e passa,
De repente o odor de carne em brasa,
A boca torta e o olho inchado,
Cheiro de magnólia chega e passa,
De repente o odor de carne em brasa,
Eis uma fruta para que o vento sugue,
Pra que um corvo puxe, pra que a chuva enrugue,
Pra que o sol resseque, pra que o chão degluta,
Eis uma estranha e amarga fruta”.
Pra que um corvo puxe, pra que a chuva enrugue,
Pra que o sol resseque, pra que o chão degluta,
Eis uma estranha e amarga fruta”.
Ouça aqui a gravação original de 1939 para Strange Fruit, interpretada por Billie Holiday
Strange Fruit em vídeo de uma famosa apresentação ao vivo de Billie Holiday realizada em 1959:
Ouça a versão de Nina Simone para a canção Strange Fruit:
Ouça uma versão experimental Strange Fruit gravada por Cassandra Wilson:
Ouça uma versão em português de Strange Fruit interpretada por Wilson Simoninha a partir da tradução de Carlos Rennó:
Leia outras matérias de cultura
diretamente no portal Causa Operária Online, clique aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário