A escolha reafirma o caráter de ‘Tropa de Elite 2’ como peça “oficial” de propaganda da política repressiva do governo contra a população das favelas cariocas
24 de setembro de 2011
É verdade que a lista dos filmes nacionais que concorriam à indicação ao Oscar deste ano era sofrível. Entre os “favoritos”, estavam Bruna Surfistinha, e As Mães de Chico Xavier. A escolha, porém, de Tropa de Elite 2, o pastiche brasileiro dos filmes de Charles Bronson, não deixa dúvida da preferência da bancada julgadora pelas obras mais reacionárias da produção nacional.
A decisão, no entanto, é compreensível. A comissão responsável pela escolha do representante brasileiro ao Oscar é designada pelo Ministério da Cultura. Ou seja, é uma escolha direta do governo. Nada mais natural, portanto, que o governo escolhesse a peça mais alinhada com sua própria política repressiva para representar o país na premiação.
Para não se ter dúvidas da operação política em torno de Tropa de Elite 2 é importante lembrar que ele foi lançado nos últimos meses de 2010, pouco tempo antes do governo do Rio de Janeiro iniciar uma gigantesca operação repressiva nos morros cariocas, cujo centro era a instalação das UPPs, unidades repressivas de policiamento intensivo das comunidades. Tudo a pretexto de se combater o tráfico.
Quem assistiu ao filme deve lembrar que a obra nada mais é do que a história de um ex-policial que ingressa na Secretaria de Segurança do Rio e tem como obsessão o “combate ao tráfico de drogas”, lançando mão de uma política de financiamento e ampliação em larga escala de sua “polícia honesta”, “heróica”, “virtuosa”, “incorruptível”, ninguém menos que o Bope, que na vida real é famoso nos morros por sua covardia e brutalidade contra qualquer um que cruzar seu caminho, seja trabalhador, mulher ou criança. Nem a série Tropa de Elite, que procura apresentar os policias do Bope como “mocinho” consegue esconder esse fato. No primeiro filme, o “mocinho”, Capitão Nascimento, é um assassino frio. Ele mata qualquer um que considere “suspeito”.
Ele espanca e tortura sem qualquer hesitação em diversas cenas do filme, espantosas por sua violência contra justamente mulheres e crianças. A única pergunta que surge ao espectador é o que se passava pela cabeça do diretor quando decidiu mostrar tal monstro como “herói” de cinema. A direita brasileira, nem precisamos comentar, festejou a criação deste “herói-carniceiro”. “Nascimento é o 1º super-herói brasileiro”, se rejubilava a revista Veja em uma de suas capas.
No segundo filme da série, Nascimento se tornou um homem do governo, mas um suposto renegado, um “paladino da justiça” contra a corrupção estatal (os Democratas choram de emoção). Seu objetivo é um só, varrer o crime dos morros cariocas.
O conto de fadas montado no filme parece um delírio de ácido da direita nacional. Capitão Nascimento expande o Bope, arruma melhores equipamentos, compra helicópteros, monta um verdadeiro exército de combate à população miserável. Os corruptos miúdos, policiais que atuam como milícias paramilitares nos morros, são esmagados impiedosamente. Em seu lugar, é instalado um verdadeiro controle de Estado, do nosso “belo” e “puro” Estado nacional, “incorruptível”. O filme poderia terminar com um lacrimoso “... e viveram felizes para sempre”, mas ele vai mais longe. Antes do encerramento feliz, lógico, é levada a cabo uma “cruzada contra a corrupção” que culmina com a instauração de uma CPI.
Ao contrário do que invariavelmente ocorre nas CPIs reais, com sua insuportável troca de elogios entre os priores corruptos que termina invariavelmente em pizza; em Tropa de Elite 2, a CPI representa a instância máxima da “justiça social”, o derradeiro momento em que a corrupção é extirpada do Estado e a máquina capitalista volta a funcionar com perfeição.
Vale dizer que é tudo um mito. No mundo real, os fabulosos “heróis” de Tropa de Elite são os piores criminosos. O controle de Estado instaurado nas favelas é a formalização de um estado de sítio. Até mesmo especula-se a construção de muros em torno dos morros cariocas para que ninguém tenha dúvidas do caráter nazista destes “nobres combatentes” do crime.
O filme serviu na realidade para preparar os ânimos de uma camada direitista da classe média carioca para que esta apoiasse entusiasticamente a política repressiva das UPPs.
A parte do filme que trata da luta contra a corrupção também é absurda. Mais bizarro ainda é que o denunciador da depravação geral é um policial ex-torturador em aliança com um pseudo-esquerdista moralista.
O filme condena uma determinada ala de políticos corruptos, enquanto que apresenta o restante do Estado brasileiro como uma coisa íntegra, passível de reformas, quando na realidade toda a máquina estatal é um mecanismo podre que precisaria ser profundamente revolucionado para que pudesse se tornar um órgão minimamente representativo da população.
Ao final, o filme procura apresentar uma solução mágica para a corrupção: a CPI. Desfecho que é digno de risadas estrepitosas por sua ilusão nestes mecanismos institucionais que incontáveis vezes já se revelaram um mero ritual de encobrimento dos bandidos em questão.
O Ministério da Cultura entrega agora essa peça de propaganda fascistóide, em defesa da repressão mais violenta de uma polícia criminosa, como uma espécie de “cartão postal” de sua política de “limpeza social” que serve à burguesia com diferentes fins (obviamente nada nobres), entre os quais, afastar a pobreza carioca dos hotéis de luxo que presente construir para a Copa do Mundo de 2014. Este é muito provavelmente o verdadeiro objetivo por de trás da nomeação.
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