quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Camille Claudel, suicidada pela sociedade

Hoje se completa o aniversário de Camille Claudel, a grande escultora que se tornou uma das figuras mais trágicas da história da arte, testemunho a opressão da mulher na sociedade

Antonin Artaud, em seu famoso ensaio sobre o pintor holandês Vincent Van Gogh, escrevia “Van Gogh buscou seu espaço durante toda sua vida, com energia e determinação excepcionais. E não se suicidou em um ataque de loucura, pela angústia de não chegar a encontrá-lo, ao contrário, acabara de encontrar-se, de descobrir que era quem realmente era, quando a consciência geral da sociedade, para castigá-lo por haver se apartado dela, o suicidou”. Esta consideração sobre a vida do grande pintor poderia ser estendida para um número espantoso de artistas. Se há uma constante na história da arte sob o capitalismo, é justamente o registro de uma derrota, de um esmagamento dos artistas pela sociedade em que viveram. Os casos são incontáveis, mas este destino foi particularmente brutal para a escultora Camille Claudel, figura representativa do momento de transição das artes para o modernismo. Seu caso mostra como esta opressão social pode tomar formas ainda mais violentas no que diz respeito às mulheres artistas.
Normalmente os analistas de sua biografia colocam sobre Rodin a inteira responsabilidade da crise e loucura da escultora, mas esta é uma forma limitada de encarar o problema, que tem um caráter muito mais abrangente.
A Pequena Castelã.

Nascida em 8 de dezembro de 1864, Camille Claudel e seus dois irmãos muito cedo desenvolveram inclinação para as artes. Sua irmã seria pianista, e seu irmão, Paul Claudel, viria a se tornar um dos maiores poetas da França. Ainda na infância Camille manifestou interesse pela escultura e começou seus modelados empiricamente, sem qualquer contato com outros escultores. Aos 12 anos, conta-se que ela já modelava peças extraordinárias em argila, de figuras históricas, personagens bíblicos e deuses gregos.

Ela recebe seus primeiros estudos formais aos 17 anos, em Paris, e é neste momento que ela realiza seus primeiros trabalhos mais importantes. Seu contato com Rodin deu-se em 1885. O escultor, então com 40 anos e já bastante apreciado como um dos maiores nomes do movimento de renovação das artes na França, ficou profundamente impressionado com as habilidades de Claudel, convidando-a a trabalhar em seu ateliê como aprendiz.

A escultora tinha 19 anos, mas tinha já os valores e o caráter de um grande artista. Desprezava a maioria dos artistas contemporâneos pela mediocridade de suas ambições, a fragilidade de suas técnicas ou sua mera indolência e falta seriedade com seus próprios trabalhos. Em Rodin, viu alguém digno de ter como mestre.

É a partir destes anos que Camille concebe seus primeiros trabalhos expressivos, obras como O Beijo, A Danaide, As Sereias ou O Eterno Ídolo.
Sakuntala.

O estilo desta fase da escultora caracteriza-se pela assimilação das técnicas de Rodin, de sua noção de leveza e movimento, qualidades que ela incorporou aos seus trabalhos sem perder, porém, a identidade. Marcam esta nova fase obras como o belo mármore Sakuntala.
O romance entre os dois começa nesta fase de explosão criativa de Claudel, que foi também compartilhada por Rodin. Ambos ingressavam em sua fase mais importante e produtiva. É nesta época que Rodin começa a executar sua Porta do Inferno.

A relação entre ambos segue um período de estabilidade, mas logo descamba para crises cada vez mais freqüentes relacionadas não apenas à indecisão de Rodin em terminar seu casamento e assumir publicamente o caso com ela, mas também a falta de oportunidades que Claudel encontra para desenvolver sua arte. Esta situação de isolamento foi a principal responsável pela situação de crescente dependência emocional de Camille por Rodin.

Escultura é uma arte cara, tanto em seus materiais quanto pela estrutura exigida para execução das peças. Uma arte financiada fundamentalmente pela burguesia, por capitalistas ou o próprio governo, que se encarregavam das encomendas aos artistas, o que garantia sua subsistência. Foi neste terreno que as portas apareceram fechadas para Camille Claudel.

O fato de ser mulher era em si mesmo uma desvantagem em relação aos escultores homens. Ela tinha, porém, como agravante, a fama que circulava em toda a cidade de ser “a amante” de Rodin, homem de meia idade e casado com uma mulher respeitada na sociedade. Esse fato atiçava o conservadorismo natural dos empresários e políticos atuantes neste “mercado de arte”. Havia ainda uma segunda questão envolvida. Sem outro recurso financeiro, Claudel mantinha-se como “aprendiz” no ateliê de Rodin. Isso apesar dela ser já uma escultora madura e dona de um estilo independente. Esta posição era naturalmente desfavorável para ela, além do fato de ser mulher em um terreno dominado por homens, era mais um fator para sua obra ser desprezada pelos seus possíveis financiadores.

As crescentes crises no relacionamento dos dois ao longo da década de 1890 leva afinal à sua ruptura do casal em 94.
A Idade Madura.
Nesse momento, Camille realiza a mais importante peça de sua obra até aí, o conjunto A Idade Madura, cujo tema trazia as marcas de sua crise amorosa. O destino desta obra é também representativo dos demais problemas envolvidos na crise pessoal de Camille. A Idade Madura foi muito bem comentada quando apresentada, e chegou a interessar a direção do Museu de Belas-Artes de Paris. Por algum motivo obscuro, porém, a instituição recuou na compra da peça, e Camille se veria em um sério problema financeiro caso um admirador particular de seu trabalho não houvesse se apresentado para comprar a peça e encomendasse sua fundição em bronze.
A Onda.

A ruptura de Camille com Rodin apresentava também um duplo problema para ela. Em primeiro lugar, ela perdia parte dos clientes que conseguira através de Rodin. Em segundo, sua busca em dissociar seu nome do escultor a afastava do já restrito ambiente artístico em que ela podia conseguir financiadores para suas peças.

Um dado sobre o caráter de Camille muito comentado em suas biografias era sua total falta de “talento” para bajulações rasteiras de clientes endinheirados para conseguir um patrocínio. Ela também se repugnava com a capitulação de determinados artistas – incluindo aí o próprio Rodin – em adaptar suas obras ao gosto medíocre desses patronos. Ela, em outras palavras, recusava fazer arte comercial, rebaixar a qualidade das peças e desvirtuar os sentimentos nelas impressos. Uma demonstração valiosa de independência artística e de seu caráter, integridade e seriedade para com sua própria obra.

Outra faceta do “trabalho” que ela desprezava era ter de freqüentar eventos sociais, como festas e jantares para manter “boas relações” entre o meio especializado, como críticos, galeristas, jornalistas, etc. A ruptura de Camille com Rodin, que de certa forma mantinha ela nestes meios, levou ao inevitável isolamento da artista.
Detalhe de As Faladeiras.

Ela viveria a partir de então apenas de um número reduzido de admiradores particulares que faziam algumas encomendas que lhe permitiam o básico para continuar trabalhando. Mesmo sua família, que poderia garantir algum rendimento emergencial rompera relações com ela após tomar conhecimento de seu caso com o artista mais velho.

Foi esta situação combinada de crescente isolamento que a levaria à miséria e, por fim, à completa loucura. A tese de que Rodin foi a causa de tudo é extraordinariamente reducionista do problema. Distorce tanto a questão – jogando-a para um terreno puramente amoroso –, que é possível dizer que é uma tese falsa, que desconsidera as determinações sociais que agiram contra o desenvolvimento de Camille Claudel como artista. O rumo que tomou o drama amoroso com Rodin, bem como sua dependência econômica dele, foi na realidade a conseqüência e não a causa da destruição pessoal de Camille. A causa central foi sua proscrição social que criou um obstáculo real para que ela continuasse seu trabalho.

Sua situação material entre 1893 e 1895 torna-se extremamente delicada. Em 1898, uma exposição de sua obra mostrava a Paris os novos rumos que tomaram sua escultura no período, mais sombria e angustiada em peças como O Profundo Pensamento, Ofélia e a extraordinária Clotho, a imagem de uma das moiras tecendo o destino humano com seus cabelos.
Clotho.

Esta ocasião marcou a ruptura definitiva entre Claudel e Rodin após um incidente que a deixou extraordinariamente abalada. Mais uma vez, uma instituição de arte se interessa por uma peça sua, o Museu de Luxemburgo, que receberia Clotho como doação a partir da pressão de um grupo de artistas que intervieram aí. Detalhe importante é que este grupo era ligado a Rodin e a transação se daria através de uma fundação artística presidida pelo escultor. Após muitas idas e vindas, indecisões e desentendidos, a obra, meses mais tarde foi transportada para o museu, mas foi extraviada durante o transporte e desapareceu.

Claudel fica arrasada com o caso e inicia-se aí suas acusações graves contra Rodin, de que ele articulara um esquema para roubar a obra e de que, em último caso, queria destruir ela e sua obra.
Seu afundamento pessoal agrava-se entre 1897 e 1900. Suas últimas obras, como Perseu e Medusa e Nióbide Ferida, sua última peça, de 1906, mostram o tema recorrente da mulher mutilada pela sociedade. Nestes anos ela vivia já em uma situação de completa degradação pessoal, vivendo com estranhos em sua casa, vestindo-se de uma forma extravagante, desaparecendo completamente durante meses antes de reaparecer em seu ateliê, e destruindo ano a ano, toda a produção realizada nos meses anteriores. Foi um processo de abandono de si mesma, um lento suicídio.
Cabeça decaptada da Górgona na obra Perseu e Medusa.

Suas preocupações artísticas cederam lugar a um único pensamento obsessivo, uma síndrome de perseguição que envolvia uma ampla rede de artistas, críticos, marchands, jornalistas, policiais, figuras da alta sociedade parisiense e personalidades políticas, todos coordenados por Rodin com a única intenção de destruí-la. Uma obsessão perfeitamente compreensível e de certa forma, verdadeira. Foi sua interpretação pessoal do fato de que ela fora de fato banida da sociedade.
Em 1909, seu irmão, o poeta Paul Claudel conta que ela estava já completamente fora de si. Sua internação psiquiátrica ocorreu em 1913, quando Camille estava com apenas 39 anos, mas, segundo testemunhas, fisicamente muito envelhecida.

Procurando analisar o caso, Paul destaca com bastante lucidez os problemas sociais envolvidos na destruição de sua irmã. Ele escreveu em suas notas: “A profissão de escultor é para o homem uma espécie de desafio perpétuo ao bom senso, e é para uma mulher isolada e para o temperamento de minha irmã uma pura impossibilidade. Ela tinha posto tudo em Rodin, ela perdeu tudo com ele”.
Em 1913 termina a biografia de Camille Claudel como artista. Ela viveria os 30 anos seguintes de sua vida encarcerada em um sanatório no Sul da França. Sua morte viria apenas em 1943, quando a artista, uma das maiores escultoras do século XX, estava já com 79 anos.

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