segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Mili Balakirev, o elo entre duas gerações da música russa

Hoje se completa o aniversário de nascimento do compositor que foi provavelmente a personalidade mais importante do Grupo dos Cinco, como pensador, professor e organizador da atividade de seus colegas

3 de janeiro de 2012

Da esquerda para a direita, os compositores Mikhail Glinka, Vladimir Odoevsky e Mili Balakirev, figuras capitais da música russa retratados na obra do pintor Ilia Repin.
Mili Balakirev foi a principal mente organizativa por trás do Grupo dos Cinco, a mais importante geração de músicos da Rússia do século XIX. Tendo sido o mais velho dos compositores do grupo, conheceu pessoalmente o homem que inaugurou a música nacional russa, Mikhail Glinka, e tornou-se apto, deste modo, a transmitir essas idéias e essa busca por uma música essencialmente russa para seus companheiros de geração.

A música nacionalista nascida na Rússia tem uma importância extraordinária na cultura daquele país, pois foi ela uma das manifestações culturais mais importantes do movimento revolucionário que se processava no período. O momento de encubação dessa tradição é a década de 1850 quando amadurecia um vigoroso movimento de emancipação dos servos, cuja libertação viria apenas em 1861, a partir de uma reforma organizada às pressas pela monarquia submetida à pressão popular.


Esse movimento produziu não apenas a tradição musical nacionalista, mas também a pintura realista russa e deu início ao mais importante período de florescimento da literatura russa, em que surgiram figuras como Ivan Turgueniev, Leon Tolstoi e tantos outros escritores de primeiro plano.

Membros do grupo como César Cui, Modest Mussorgski e o próprio Mili Balakirev, eram também diretamente ligados às ideologias revolucionárias de seu tempo, admiradores dos “niilistas” russos, em particular o revolucionário Nikolai Tchernichevski. Balakirev era populista e ateu, e chegou a planejar até mesmo uma ópera, que nunca chegou a ser esboçada, inspirada no influente romance de Tchernichevski, Que Fazer?. Essa obra fundamental da literatura revolucionária russa foi um dos livros favoritos até mesmo de Vladimir Lênin, que daria esse mesmo título a um de seus livros.
A partir da geração musical nacionalista, a Rússia entrou definitivamente para o seleto grupo de países a cultivar uma música forte e influente internacionalmente, tradição que se consolidaria com as gerações seguintes, desde Rachmaninov e Tchaikovski aos modernistas Prokofiev, Stravinski e Chostakovitch.

Nascido em 2 de janeiro de 1837 em Nizhny Novgorod, o compositor Mily Balakirev recebeu suas primeiras aulas de piano de sua mãe. Aos 10 anos, ele foi enviado para Moscou para aperfeiçoar sua formação musical com o músico Alexander Dubuque, mas Balakirev só receberia uma educação musical regular após a morte da mãe, quando é matriculado no Instituto Alexandrovsky.


Não se passou muito tempo até o talento de Balakirev ao piano destacar-se entre seus colegas. Ele chama a atenção do influente músico Alexander Ulybyshev, que era então a mais prestigiada figura musical de Nizhny Novgorod e patrono da cidade. Ulybyshev não apenas era um instrumentista de talento como um conhecedor erudito da matéria. Possuía uma vasta biblioteca musical e havia ele mesmo escrito uma biografia sobre Mozart.


Balakirev tornou-se um protegido de Ulybyshev, e o velho músico providenciou logo para que o discípulo fosse colocado em boas mãos. O jovem torna-se aí aluno de Karl Eisrach, que seria responsável por apresentar a Balakirev a música dos nacionalismos orientais: o polonês Frédéric Chopin e o russo Mikhail Glinka.


Eisrach organizava concertos regulares para amigos na residência de Ulybyshev, e Balakirev era uma figura cativa nestes encontros. Através destes protetores, o rapaz, com 14 anos, logo conseguiu uma vaga em uma orquestra particular. Nessa idade ele teve um desempenho exemplar tocando o Réquiem, de Mozart. Foi um momento culminante da atividade de sua atividade. Ele compõe nesse ano, 1851, suas primeiras obras e recebe autorização para reger sinfonias. Uma das peças que se conhece composta nesse momento, é a Grande Fantasia, que já apresenta influências do folclore russo.

Os Barqueiros do Rio Volga, obra-prima de Ilia Repin cujo tema inspirou também uma das composições de Balakirev.
Em 1853 ele ingressa no curso de Matemática na Universidade de Kazan e logo destaca-se nos círculos locais como exímio pianista. Ele vive os dois anos seguintes sustentando seus estudos como professor de piano, e após formado, em 1955, muda-se para a capital imperial, São Petersburgo. É nesse momento que Balakirev tem a oportunidade de conhecer pessoalmente Mikhail Glinka e a aprender com ele, o grande mestre da música nacional russa, os princípios dessas técnicas.

Glinka percebe o valor de Balakirev, mas considera suas técnicas de composição defeituosas. É Glinka quem o estimula a dedicar-se à música em tempo integral. Balakirev toma aulas com ele, aprende dezenas de temas populares espanhóis e é indicado para instruir musicalmente a sobrinha de Glinka.


Sua estréia oficial como compositor deu-se apenas um ano mais tarde, em 1856, quando Balakirev apresenta seu primeiro Concerto para piano e orquestra. Dois anos mais tarde, ele teve doze de suas composições publicadas, entre elas destacam-se a Abertura sobre o tema de uma marcha espanhola, e a Abertura sobre três temas russos, baseadas ambas em temas folclóricos.

Em 1857, porém, morre seu protetor, Mikhail Glinka, e Balakirev vê-se obrigado a conquistar sozinho seu espaço entre o movimento musical russo. O compositor é descrito por seus contemporâneos como um homem forte, de grande fibra emocional, extremamente disciplinado e dotado de uma personalidade magnética, de modo que não foi difícil para ele reunir em torno de si um grupo mais jovem de músicos interessados em absorver os princípios da música nacional que Balakirev havia assimilado em primeira mão de Glinka.

Uma das características importantes do “método” de ensino adotado por Balakirev foi a completa rejeição da formação musical acadêmica, nos institutos russos. Balakirev considerava tais normas, inimigas da imaginação, da verdadeira criatividade e da sensibilidade que tornava o compositor apto a perceber as qualidades das músicas emanadas diretamente do povo russo, de sua característica. Balakirev considerava que o compositor deveria imediatamente dedicar-se à criação, e somente a partir daí, das necessidades surgidas no processo criativo é que suas debilidades e carências deveriam ser exploradas e superadas.


Naqueles anos finais da década de 1950 Balakirev destacava-se já como um músico extremamente culto, com vastos conhecimentos musicais, um domínio consistente das técnicas compositivas e grande facilidade para perceber novos caminhos para a criação musical.


A influência de Balakirev nos círculos musicais russos iniciou-se nos últimos anos da década de 1850. Ao lado do influente crítico musical nacionalista Vladimir Stasov, ele reuniu em torno de si o grupo que viria a ser a mais importante geração de compositores da Rússia do século XIX, o Grupo dos Cinco, formado por Alexander Borodin, César Cui, Modest Mussorgsky e Nikolai Rimsky-Korsakov, além do próprio Mili Balakirev.


Durante todo período inicial da atividade do grupo, Balakirev, como único compositor profissional entre eles, teve influência fundamental na formação dos demais companheiros. Foi ele o principal responsável por transmitir e consolidar a tradição da música nacionalista de Glinka entre os Cinco.

Em 1862 Balakirev tomou uma de suas iniciativas mais importantes e fundou a Escola Livre de Música, empreendimento influenciado diretamente pelas ideias do grande revolucionário russo Nikolai Tchernichevski. A proposta da escola era torná-la o primeiro núcleo de ensino da música nacional, livre das normas acadêmicas importadas da Europa. Era também uma escola popular, que ensinava gratuitamente e visava tornar a educação musical acessível às camadas mais baixas da população. Para financiar a instituição, Balakirev organizou dezenas de concertos pelo país, que angariava fundos para a Escola.

Por onde passava, Balakirev registrava as características da música local. Ele foi por toda a vida um grande amante da música folclórica russa e colecionou centenas dessas melodias, que foram a base de suas mais importantes e revolucionárias composições.


Entre suas peças mais importantes está o poema musical Islamey: Fantasia Oriental, composto em 1863 e inspirado no folclore musical de povos orientais cuja cultura era normalmente colocada de lado quando se falava no folclore russo. Seus poemas sinfônicos Rússia: segunda abertura sobre temas russos (1864) e Tamara, de 1882, têm também grande destaque, pelo fato da musicalidade destas peças terem sido criadas inteiramente a partir de melodias populares russas.

Em 1886 compôs a importante Canção dos Barqueiros do Rio Volga, tendo como fonte de inspiração a vida destes trabalhadores torturados que se tornaram verdadeiro símbolo da opressão da população na Rússia.

Merecem destaque ainda em suas composições os três concertos para piano e orquestra, as três aberturas, duas sonatas e o octeto para música de câmara.

De um ponto de vista geral, são poucas as composições de Balakirev. Elas são, porém de grande importância para a formação da identidade da música nacional russa e a consolidação dessa tradição.
Mais do que dedicar sua vida às composições, porém, Balakirev votou boa parte de sua vida à reflexão de problemas formais da música folclórica e a maneira desta ser incorporada ao repertório da música erudita. Ele, assim, um importante pensador do nacionalismo musical, e mais ainda, um organizador chave desse movimento.

No final da década de 1860, quando cada um dos músicos do Grupo dos Cinco havia já definido sua própria personalidade musical e se dispersavam, Balakirev perdeu muito de sua influência inicial e decaiu pessoalmente, com freqüentes crises nervosas e dores de cabeça.


Ainda assim, ao final da vida, ele cumpriu um papel também importante instruindo o jovem compositor Piotr Tchaikovski, que, apesar de criar uma música muito mais ocidentalizada do que a de seus colegas do Grupo dos Cinco, absorveu em sua música muito do nacionalismo musical de Balakirev.


Fiel às suas idéias, Balakirev recusou em 1881 o cargo dirigente que lhe foi oferecido pelo governo no Conservatório de Moscou. Ele, ao contrário, retomou nesse ano a direção da Escola Livre de Música.

Ao final da vida, no entanto, com a saúde abalada e depois de ter sido submetido a muitos anos de isolamento, Balakirev converteu-se a uma radical seita ortodoxa russa, tornou-se um eslavófilo de direita, xenófobo e devoto do czar, chegando a escrever hinos em louvor à imperatriz viúva após o atentado que matou Alexandre II. O compositor viria a morrer em maio de 1910.

Nenhum comentário:

Postar um comentário