A mostra de um dos maiores mestres da arte barroca abre dia
27 de julho. Chegando de Belo Horizonte, apresentará em São Paulo
pinturas que eram até agora inéditas no Brasil
São Jerônimo Que Escreve. |
Será
aberta no próximo mês, dia 27 de julho, uma importante mostra das obras
de Caravaggio no Museu de Arte de São Paulo (MASP). A exposição Caravaggio e seus seguidores,
depois de ter sido apresentada em Minas Gerais, levará ao público
paulista oito telas do artista. O pequeno número de trabalhos pode
surpreender, mas raramente as obras de Caravaggio viajam à América, de
modo que esta é uma das maiores exposições da obra do pintor já
realizadas deste lado do Atlântico.
Ao longo de sua atividade, o artista
italiano realizou várias réplicas de suas próprias telas, pintando por
vezes quatro ou cinco versões de um mesmo quadro. São essas versões
menos conhecidas de quadros famosos que chegam agora ao Brasil. Uma das
pinturas famosas presentes na exposição é São Jerônimo Que Escreve. Outro que merece destaque é sua famosa cabeça Medusa e também São Francisco em Meditação, mostrando o santo católico pobremente trajado.
Além das oito obras do mestre barroco, a
exposição inclui ainda outros 14 trabalhos de alguns contemporâneos e
seguidores do pintor, os chamados caravaggescos, entre eles, Jusepe De
Ribera, Artemisia Gentileschi, Bartolomeo Cavarozzi, Giovanni Baglione,
Giovan Battista, Hendrick van Somer, Leonello Spada, Mattia Preti,
Orazio Borgianni e Orazio Gentileschi.
Essa é uma grande oportunidade de se
ver reunidas algumas das obras mais representativas da história da
pintura, todas provenientes do museu romano Polo Museale.
Michelangelo Merisi da Caravaggio foi o
primeiro grande representante da pintura Barroca e sua obra reflete o
encerramento da arte renascentista. Ele nasceu no final do século XVI,
cerca de dez anos após a morte de Michelangelo Buonarroti, e, durante
seus anos de formação, presenciou a crise da arte em seu tempo.
Medusa. |
A grande corrente oficial das artes,
quando Caravaggio chega à maturidade, era o Maneirismo em uma fase de
decadência, e correspondia ao período derradeiro da arte renascentista
já em desagregação. Essa arte expressava a crise política em que a
Europa estava mergulhada desde a Reforma protestante e a tendência à
formação dos Estados nacionais.
A Igreja Católica, combatendo a
influência da Reforma e da tendência à ruptura política, assume
diretamente controle sobre as artes após o Concílio de Trento,
estabelecendo cânones rigorosos acerca da representação de santos e
temas sagrados.
A crise geral emerge na pintura a
partir de composições e soluções formais cada vez mais inquietantes. As
ideias de harmonia e equilíbrio inspiradas no classicismo greco-romano,
típicos da Renascença, dão lugar à instabilidade, às formas angulosas, à
desarmonia. Era uma nova pintura que começava a seguir no sentido
contrário ao da Alta Renascença, cultivadora de ideais humanistas, e se
desenvolvia no sentido de um misticismo cada vez mais pronunciado.
A pintura deixa de buscar o
naturalismo, a aproximação da realidade e volta-se para representações
fantásticas e sobrenaturais da religiosidade, refletindo a histeria das
campanhas religiosas, o fanatismo católico, a Inquisição, e, ao mesmo
tempo, a ditadura ideológica, as crises pessoais e as dúvidas a respeito
da legitimidade daquelas imposições. As figuras e as
composições vão se distanciando do realismo para se tornar cada vez mais
estilizadas e artificiais. Se por um lado representava a consumação das
técnicas renascentistas, por outro expressava a decadência daquela
pintura.
Tecnicamente, o desenvolvimento do
Maneirismo iria desembocar na pintura barroca, que representava a
reorganização da crise da pintura em torno de uma nova técnica coerente,
uma pintura marcada pela grandiosidade e dramaticidade das
representações. Ideologicamente, os novos artistas barrocos manifestavam
a retomada das ideias racionais e científicas em oposição ao obscurantismo
religioso que dominara a Europa durante as crises da Reforma e
Contra-Reforma.
Michelangelo Caravaggio foi o primeiro
grande nome dessa tendência que se afirmou no período de formação das
monarquias absolutas, pintura adotada pelas monarquias para representar a
grandiosidade dos novos impérios, e viria a se tornar a corrente mais
importante da Europa até meados do século XVIII.
Tendo chegado à maturidade somente na
última década do século XVI, Caravaggio constituiu sua obra em um
intervalo de pouco mais de uma década, morrendo precocemente aos 38
anos.
Ele era considerado já em seu tempo um
pintor excepcional, dotado de uma técnica incomparavelmente realista,
mas, ainda assim, a liberdade para tratar seus temas e a violência das
paixões representadas frequentemente chocavam e provocavam escândalo
entre a nobreza e a Igreja.
Sua obra era uma reação à tradicional pintura maneirista em diversos sentidos, inaugurando uma visão totalmente nova na arte.
Caravaggio se voltava contra as
representações fantasiosas e estilizadas das cenas e figuras,
desenvolvendo, ao contrário, um realismo nunca visto antes na pintura,
conseguido a partir de um violento jogo de luzes e sombras.
Seus santos e arcanjos também não eram
idealizados, não tinham trajes suntuosos e fisicamente não guardavam
semelhança com a aristocracia. As poses artificiais do maneirismo davam
lugar também a gestos naturalistas. Caravaggio tomava camponeses,
mendigos e prostitutas como modelos, e os pintava tal qual eles eram,
obtendo retratos realistas que mantinham as feições consideradas “rudes”
e “vulgares” para os padrões artísticos da época. O artista buscava,
com isso, aproximar os valores morais pregados pela religião e a vida
cotidiana dos homens, marcada pelo sofrimento e a miséria. Ele
ressaltava, assim, valores humanistas que constituíam críticas
flagrantes à hipocrisia do discurso religioso do clero, à suntuosidade
em que vivia a alta burocracia católica e à corrupção da Igreja.
O compromisso de Caravaggio com a
verdade artística o manteve sempre uma figura marginalizada entre os
pintores de seu tempo. Ele residiu a maior parte de sua vida em Roma,
pintou dezenas de obras religiosas por encomenda de nobres, mas, devido à
sua recusa em se adaptar ao gosto medíocre dos clientes, viveu muitos
períodos na completa miséria. Após assassinar um nobre, Caravaggio foi
forçado a fugir de Roma, e a viver de modo errante. Morou em Nápoles,
Sicília, Siracusa, Messalina e Palermo.
Ferido mortalmente por um de seus
perseguidores, o pintor morreu em 1610, enquanto se dirigia para Roma,
após conseguir o perdão do Papa pelo seu crime.
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