segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Henri Rousseau e o culto modernista pelo “primitivo”

Figura destacada da Paris modernista, Rousseau despertou admiração de alguns dos principais nomes da vanguarda francesa por suas pinturas primitivistas


 
O pintor Henri Rousseau, mais conhecido entre os artistas de sua época como “Le Douanier” (O Aduaneiro), foi um dos artistas mais singulares do movimento parisiense.
Suas pinturas revelavam o caráter autodidata de sua atividade. Sem nunca ter adquirido uma formação acadêmica, suas figuras humanas, animais e paisagens eram pintados com grande simplicidade, e seus temas, em geral obscuros. O resultado final destas telas não chamava atenção pela beleza nem pela ousadia do artista, o que realmente nunca tornou Rousseau popular entre os visitantes de galerias e menos ainda entre os comerciantes de arte e dos críticos de seu tempo.

Quem “descobriu” as pinturas de Rousseau na realidade, foram os próprios artistas de Paris. Foram figuras como Picasso, Matisse, Braque, Apollinaire, Jarry, Jacob e Cocteau, que se encantaram pela ingênua fantasia presente nas obras de Henri Rousseau. Isso por uma circunstância curiosa.

Cronologicamente, Rousseau não pertence à geração dos jovens modernistas de Paris. Por sua idade, ele foi contemporâneo da geração impressionista e começou a pintar no período do chamado pós-impressionismo, quando Van Gogh, Gauguin, Seurat e outros lançavam já as bases da nova pintura. Rousseau desta forma, pintando em seu estilo singular, totalmente à margem do gosto artístico de sua época, viveu pelo menos duas décadas na mais completa obscuridade, pintando longe da vista de todos, quadros que poucos souberam apreciar. Tais obras só foram chamar a atenção de nomes importantes das vanguardas artísticas quando a pintura de Rousseau mostrou ter grande afinidade com uma tendência estética nascente naqueles primeiros anos de 1900: o primitivismo.

Enquanto que mestres da forma e da técnica, como Henry Matisse, buscavam um novo caminho para a pintura, Henri Rousseau parecia ter encontrado naturalmente o que exigiu tantos esforços de outros pintores. Ao menos foi esta a maneira como muitos artistas passaram a encarar a obra de Rousseau. Um homem cuja natural simplicidade e o desconhecimento das normas (e dos preconceitos) da pintura clássica, o haviam levado naturalmente a encontrar a “verdade” na pintura.


Segundo os modernos passaram a considerar, a pintura estabelecida, com todas as suas regras, restrições e condicionamentos, havia escondido sob inúmeros artifícios, a verdadeira função da arte e da pintura, sua “essência”. Ao longo do desenvolvimento do modernismo, obviamente que cada artista, cada grupo ou tendência iria encontrar sua própria resposta para este impasse. Uns atribuindo a crise aos temas tradicionais da pintura, outros à maneira como eles era apresentados, às cores, às formas, etc.; outros ainda à lógica formal, ao racionalismo, à tradição.



A descoberta das pinturas, esculturas e objetos de civilizações primitivas, forneceu um rico material sobre o qual estes artistas passaram a trabalhar. Esta arte primitiva era encarada como uma arte mais verdadeira, o produto de consciências sadias que tinham uma relação mais direta com o que seria, segundo os artistas europeus, a verdadeira função da arte, estes primitivos passaram a ser vistos como artistas livres de todos os vícios inerentes ao ensino da arte europeia.

Durante as últimas décadas do século XIX, o aumento do comércio do imperialismo europeu com o Oriente, bem como a colonização da África, Oceania e Indochina, abriu caminho para que uma enxurrada de esculturas, desenhos, gravuras e tapeçarias das mais exóticas vindas de todas as partes do globo passassem a figurar regularmente em exposições nos grandes museus europeus. Tais influências teriam grande impacto no desenvolvimento da pintura moderna europeia.
O japonismo influenciou impressionistas e pós-impressionistas; a vida selvagem dos aborígenes taitianos levou Gauguin a encontrar neles a fonte primordial de inspiração para sua arte. As esculturas e máscaras africanas tiveram importância capital para fauvistas e cubistas; da mesma forma, artefatos de culturas ancestrais de todo o mundo se tornariam uma fonte inesgotável de influência para os surrealistas. Cumpriam também o mesmo papel e eram encaradas da mesma forma a arte das crianças, dos loucos, de ladrões, assassinos, e todo tipo de figuras socialmente desprezadas ou marginalizadas.
Obviamente que tais interesses por tudo que estivesse fora da cultura europeia tradicional trazia à tona uma crise gigantesca desta cultura, de seus valores, e de tudo o que ela representava, da sociedade estabelecida, etc. Uma manifestação aguda de decadência das classes dominantes europeias.
Ao contrário dos jovens pintores vanguardistas, Rousseau era totalmente ignorante de tais problemas, de tais buscas. Ele era, ao contrário, um destes desajustados sociais tão apreciados pelos modernistas.

Rousseau, naturalmente “primitivo”

Autorretrato de Rousseau

Uma rápida olhada para a biografia de Rousseau esclarece um pouco como um homem europeu pôde desenvolver um trabalho tão à margem de todas as normas pictóricas vigentes.

Rousseau nasceu em uma família operária que vivia permanentemente com problemas financeiros. Seu pai chegou a ser um pequeno comerciante, mas o negócio foi cedo à falência. A família mudava regularmente de cidade em busca de novas perspectivas de vida. Henri Rousseau, assim, cresceu um jovem sem grandes perspectivas e viveu boa parte da juventude em internatos.
Aos 17 anos, Rousseau ingressou em um escritório de advocacia onde trabalhou por quatro anos até ser preso por furtar 20 francos do escritório. Ele foi condenado a 30 dias de encarceramento.
Saindo do presídio, sem perspectivas de encontrar novos trabalho, Rousseau alista-se no Exército, no 51º Regimento de Infantaria. Ele pretendia fazer carreira militar, mas foi dispensado apenas um ano mais tarde.

Seu pai morre em 1868 e ele passa a residir em Paris. Rousseau casa-se logo com Clémence Boitard, com quem viveria os 20 anos seguintes até a morte de Clémence por tuberculose. O casal tem cinco filhos neste período, dos quais apenas um sobrevive à infância.

Em 1871 ele consegue um emprego como oficial de diligência na alfândega de Paris. É mais ou menos nesta época que Henri Rousseau, já com mais de 40 anos, pega pela primeira vez em um pincel e executa suas primeiras telas, trabalho que o interessa cada vez mais. Ele expõe no Salão dos Recusados, em 1886, e mais tarde, no Salão dos Independentes, dos quais fazem parte os impressionistas. Nestes anos, poucos são capazes de apreciar suas telas, e um destes é o impressionista Camille Pissarro.

Após a morte da esposa, em 1890, ele abandona sua carreira como aduaneiro para se dedicar exclusivamente à pintura. Para se sustentar, aprende padrões florais de pintura em cerâmica, porcelana e, além das telas, passa seu tempo pintando vasos, xícaras, bules, etc.


Rousseau casa-se uma segunda vez, mas sua nova esposa morre apenas quatro anos mais tarde. Nesta altura, ele trabalhava como professor em uma oficina de pintura em miniaturas.


É por volta de 1904 que, com a popularização da arte primitiva entre os artistas mais avançados da vanguarda parisiense, as obras do “Aduaneiro” Rousseau começam a ser notadas e apreciadas. Entre seus mais notórios entusiastas estavam Gauguin, Apollinaire e Picasso, que ficam encantados com o lirismo de suas telas, carregadas de significados simbólicos ocultos.


Nesta altura, Rousseau era já conhecido como um pintor naïf, cujas qualidades das obras residiam nesta aparente ingenuidade quase infantil, tanto no que dizia respeito à técnica quanto ao tema. Transcorridas tantas décadas de lá para cá, a obra do Aduaneiro destaca-se como uma das criações mais representativas e originais deste período primitivista da pintura europeia, tendência que foi personificada como poucos por Rousseau.

A Guerra

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