domingo, 9 de setembro de 2012

Picasso e Duchamp frente a frente

Uma grande exposição inaugurada esta semana em Estocolmo reúne obras de Picasso e Duchamp, duas das figuras mais representativas da arte do século XX

"Ele estava errado”. Foi o que teria afirmado Pablo Picasso em 1968, comentando a morte do francês Marcel Duchamp. E foi essa mesma frase que o Museu de Arte Moderna de Estocolmo escolheu como título da exposição que foi inaugurada esta semana na cidade, reunindo pela primeira vez a obras dos dois artistas em uma única exposição: Picasso/Duchamp: he was wrong.
A exposição apresenta um recorte representativo das criações Picasso em diferentes fases de sua atividade. De Duchamp, foram incluídos seus trabalhos mais importantes, ready-mades como A fonte, pinturas, como A noiva despida por seus celibatários, mesmo, e instalações, como Ètant donnés.

Marcel Duchamp.
O objetivo do museu nesta mostra é contrapor a arte de Picasso de Duchamp como dois polos opostos da tradição da arte de vanguarda.

Duchamp e Picasso eram de fato artistas muito distintos e as produções reunidas no museu são as mais diversificadas possíveis, mas, na realidade, a forma como o Museu de Estocolmo organizou essa oposição conduz a uma conclusão propositalmente errada e conservadora.
Segundo quer fazer crer o museu, Picasso representaria um polo positivo, afirmativo de uma determinada tradição da arte moderna, como pintor propriamente. Duchamp, por outro lado, seria o precursor da arte conceitual, a arte como uma ideia. Tendo desenvolvido sua obra no sentido da antiarte, e buscando criar obras, sobretudo, intelectuais, Duchamp personificaria a arte como uma negação da tradição da pintura. É uma oposição no final das contas superficial e errada. Uma oposição puramente formal, pintura X ideia, que acaba por mascarar as verdadeiras diferenças teóricas que há entre a obra de Picasso de Duchamp.

Pablo Picasso.

Picasso, apesar de ter se desenvolvido como pintor, foi um revolucionário da pintura do século XX, e subverteu de diversas maneiras a tradição estabelecida da pintura, tanto com suas collages quanto com sua pintura cubista, com suas esculturas de sucatas, sua pintura surrealista etc.
Se Picasso representou uma tentativa de superação do conservadorismo das instituições ainda dentro do marco da tradição, Duchamp, por outro lado, representou um ponto de ruptura mais profundo com essa mesma tradição ao negar a atividade do pintor e do artista em geral.
Mais corretamente seria dizer que tanto Picasso quanto Duchamp representam dois estágios diferentes da crítica às instituições artísticas e à ideologia burguesa em arte. E é esse conteúdo radical da obra de ambos os artistas que acabou obscurecido pela forma conservadora como a exposição foi montada.

Seguindo o esquema da curadoria, Picasso seria a defesa da pintura e Duchamp a defesa da não-pintura. Picasso acaba assim sendo mostrado como um conservador, o que de forma alguma ele foi, e Duchamp como um revolucionário. Mas Duchamp fica também em uma posição ingrata, pois, segundo a mostra dá a entender, ele seria um revolucionário por ter aberto caminho para a arte conceitual dos dias de hoje, o que é igualmente falso e profundamente conservador. Duchamp não era alguém interessado em uma técnica. Sua contribuição vai muito além disso. Ele foi o artista que conseguiu trazer à tona uma situação geral das artes no interior do capitalismo, e fez isso por meio de uma obra extremamente original. Ele denunciou a existência de um grande sistema de arte que artificialmente dá sustentação a determinados artistas, tendo eles qualidade ou não.

A exposição Picasso/Duchamp: he was wrong acaba por revelar a superficialidade da crítica de arte burguesa, que cuidadosamente subtraiu o caráter mais radical da obra de ambos os artistas em favor de uma oposição puramente aparente entre a obra dos dois artistas, e que termina como um elogio à arte em moda nos dias de hoje, tanto a arte conceitual como a pintura como mero objeto decorativo.

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