quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Jeanne Hébuterne, uma pintora da Escola de Paris

A 25 de janeiro de 1920 se suicidava a pintora Jeanne Hébuterne, uma das tantas pintoras quase desconhecidas da arte moderna parisiense, cuja importância no interior do movimento modernista ainda está para ser estudada, ela é mais lembrada hoje como a companheira de Amadeu Modigliani, tendo se suicidado logo após a morte do pintor

Ao contrário de seu companheiro, Amadeo Modigliani, a obra da pintora Jeanne Hébuterne permanece ainda hoje praticamente desconhecida.

Ela foi uma das poucas artistas mulheres a se formar na Escola de Paris ao longo da década de 1910, em uma época em que a pintura – como perspectiva de vida – era ainda vista como uma atividade masculina. No início do século XX, apesar de ser o número de artistas mulheres significativamente maior que no século XIX, é ainda um número irrisório em contraste com o de homens, e a importância delas no movimento de renovação das artes, sempre secundarizada.

Jeanne Hébuterne é uma dessas modernistas e sua obra só foi redescoberta recentemente, na década de 1980, enquanto que a de Modigliani despertou interesse dos meios de arte desde sua morte, em 1920. A pintura de Hébuterne, como, infelizmente, é muito comum na arte, acabou ofuscada pela do marido, e seu nome hoje é mais lembrado em associação com Modigliani do que por seus méritos próprios como artista, um trabalho de estudo que ainda está para ser realizado.

Há dezenas de casos similares, como o das pintoras impressionistas Berthe Morisot ou Mary Cassatt, mais lembradas por suas relações com os impressionistas homens; a da escultora simbolista Camille Claudel, hoje também lembrada como “a amante de Rodin”; e é o caso também da pintora expressionista Gabriele Münter, primeira esposa de Vassili Kandinski; da fotógrafa surrealista Dora Maar e da pintora Françoise Gilot, ambas ex-companheiras de Picasso; ou da expressionista abstrata Lee Krasner, esposa de Jackson Pollock. São todas mulheres cuja verdadeira importância para os movimentos de arte dos quais participaram não foi sequer estudada. Daí vê-se o grande significado que tem para o movimento de emancipação das mulheres em geral, artistas como a brasileira Tarsila do Amaral ou a mexicana Frida Kahlo, que apesar de terem sido esposas de grandes nomes do modernismo em seus países, Oswald de Andrade e Diego Rivera, respectivamente, têm suas obras valorizadas por seus próprios méritos e independente dos trabalhos de seus maridos.

Breve retrato da pintora

Autorretrato.
Jeanne Hébuterne nasceu em 1898, em uma família abastada da pequena burguesia francesa. Seu pai era um alto funcionário da loja de departamentos Le Bon Marché.

Tanto Jeanne quanto seu irmão, André Hébuterne, vivendo em um dos períodos de maior florescência da arte do século XX, manifestaram grande interesse pela pintura durante a adolescência, e ambos tornaram-se pintores. André, que fizera muitos amigos nos meios boêmios de Paris, logo apresentou Jeanne aos artistas de Montparnasse.

Ela associou-se inicialmente ao modernista japonês Tsuguharu Foujita, e foi durante algum tempo sua principal modelo.

Foi vivendo em contato com a fermentação modernista que Jeanne foi introduzida também nas novas teorias da pintura moderna. Para completar sua formação, ela ingressou na Académie Colarossi, onde em 1917 conheceria o escultor ucraniano Chana Orloff. Através dessa amizade, Jeane conheceu também, pouco mais tarde, o pintor italiano Amedeo Modigliani.

A vida de Modigliani é um modelo do que foi a vida de centenas de artistas emigrados em Paris, atraídos à capital mundial das artes no início do século XX. Ele chegou à cidade ainda em 1906, durante as polêmicas em torno do radical grupo fauvista de Henri Matisse, e logo aderiu às novas ideias em arte. Ao longo de mais de uma década trabalhou em um quase completo isolamento, tendo sua arte desprezada por todos os círculos da crítica especializada. Durante o período, Modigliani viveu na completa miséria, vendendo desenhos nos cafés para ter o que comer. Por causa da falta de dinheiro teve de abandonar a escultura, que era sua grande paixão, e se voltar à pintura, por ser mais barata. O artista viveu na mais feroz boemia, mas ao contrário de muitos de seus contemporâneos, que viriam a se tornar em vida artistas “oficiais” da burguesia, Modigliani morreu na completa obscuridade, quase sem nenhuma obra vendida, após contrair tuberculose.

Hébuterne, que ainda formava seu estilo em 1917, conheceu Modigliani quando esse era um artista maduro, pintando já sob a influência do geometrismo cubista e do primitivismo africano.

A Morte.
Modigliani e Hébuterne logo começam um relacionamento amoroso. O caso provocou uma enorme crise entre a família da jovem artista. Seus pais eram católicos fervorosos e consideravam inadmissível uma união amorosa antes do casamento, agravado pelo fato de que, naqueles anos, um pintor boêmio era encarado como um verdadeiro pária social. Apesar disso, ela rompe a dominação paterna e muda-se para o apartamento-ateliê de Modigliani.

Nos meses que se seguem, os trabalhos de Hébuterne mostram uma rápida evolução, e seus desenhos tornam-se mais simplificados e dinâmicos, uma influência clara de Modigliani sobre seus trabalhos. Ao contrário, porém, da obra de seu companheiro, Jeanne desenvolve uma técnica muito mais emocional e imaginativa, inclinada ao fauvismo e ao expressionismo.

No outono de 1918, Modigliani estava gravemente doente devido aos seus pulmões sensíveis. O casal, por isso, muda-se para a Riviera Francesa, com seu clima mais quente. Eles viviam em Nice quando nasce a primeira filha do casal, por insistência de Modigliani, chamada também Jeanne, como a mãe.
Eles vivem sempre na miséria, conseguindo levantar, com a venda de seus trabalhos, apenas o mínimo indispensável para sobreviver e comprar telas e tintas. Quando o dinheiro era escasso, tinham de pintar com as cores que havia e reaproveitando telas já pintadas. As dificuldades dessa vida estão bem refletidas em alguns trabalhos de Hébuterne, como A Morte, em que uma figura sombria aparece à porta do quarto enquanto Jeanne dorme, ou A Suicida, em que a pintora aparece morta sobre sua cama.

Autorretrato.
O período mais significativo da obra da pintora data destes anos, entre 1917 e 1920, com muitos desenhos e telas num estilo próximo ao expressionismo, e revelando sempre grande influência do estilo de Modigliani, com suas figuras alongadas em formas simplificadas e geométricas. Muito interessantes também são os autorretratos da pintora, sempre em tons sombrios e melancólicos. Essa expressividade típica de seus trabalhos marcam uma distância substancial da pintura de Modigliani, cujas figuras são em sua maioria, serenas, sensuais. Em muitos casos, o pintor busca um distanciamento impessoal em suas figuras retratadas, com olhos vazados e rostos inexpressivos, o que já não ocorre na pintura de Hébuterne, mais emotiva.

O casal retorna a Paris na primavera de 1919, mas Modigliani estava ainda com a saúde muito debilitada, sofrendo de meningite tuberculosa. A deterioração de sua saúde é rápida, e Hébuterne tem de cuidar dele praticamente todo o tempo. O pintor, porém, vem a falecer em janeiro do ano seguinte, em 1920.

A morte do pintor é um duro golpe para Jeanne, que estava grávida do segundo filho do casal. A família Hébuterne leva a moça novamente à casa materna. Apenas um dia mais tarde, Jeanne, profundamente perturbada, atira-se da janela do apartamento, no quinto andar do edifício.
Hoje Hébuterne é lembrada principalmente, não por suas obras, mas como a modelo que aparece em incontáveis telas de Modigliani nos anos finais da vida do artista.

A Suicida.
Apesar da obra de Modigliani ter se tornado extremamente popular já na década de 1920, a vida de Amadeo Modigliani e Jeanne Hébuterne permaneceu décadas desconhecida, bem como a obra da pintora. A primeira biógrafa do pintor foi sua filha, Jeanne Modigliani. Ela foi criada por uma tia, irmã de Amadeo, em Florença, e já adulta, saiu em busca de dados da vida dos pais. Seus estudos originaram a biografia Modigliani: Homem e Mito, publicada em 1958.

A pintura de Jeanne Hébuterne permaneceria ainda mais de três décadas totalmente desconhecida do grande público até que uma primeira exposição fosse organizada com a autorização dos herdeiros da pintora, que ainda hoje as guardam.
Jeanne Hébuterne em retrato de Amadeo Modigliani.
 Autorretrato e O ateliê, de Jeanne Hébuterne.


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