sexta-feira, 30 de setembro de 2011

140 anos do nascimento de Frantisek Kupka

O pintor tcheco, nascido na Boémia, foi  um dos principais nomes do modernismo francês. Um dos iniciadores da pintura abstrata a partir da tradição da Escola de Paris

23 de setembro de 2011

A Paris da virada do século XX era uma capital invejável por sua influência sobre a cultura europeia e do restante mundo em geral. Sua agitada vinda intelectual atraía, por sua vez, um número enorme de estrangeiros que buscavam entrar em contato com um ambiente culturalmente mais avançado do que tinham em seus próprios países.

Um fenômeno curioso da Paris destes anos, portanto, é a quantidade espantosa de artistas estrangeiros se ergueram como nomes centrais da Escola de Paris. O caso mais notório, provavelmente é o do espanhol Pablo Picasso, um dos artistas mais influentes do século XX por suas inovações formais na pintura.

A lista de estrangeiros importantes na “cidade luz” é enorme: há o pintor italiano Amadeo Modigliani; o espanhol Salvador Dali; o poeta suíço Blaise Cendrars; o escultor lituano Jacques Lipchitz; o pintor belga René Magritte; o poeta dominicano Aimé Césaire; os fotógrafos norte-americanos Alfred Stieglitz e Man Ray; os escritores também norte-americanos Gertrude Stein e Ezra Pound; e o cineasta espanhol Luis Buñuel, entre tantos outros. Isso sem citar os que apenas passaram pela cidade por um momento efêmero mais determinante em suas carreiras, como os russos Vassili Kandinski e Vladimir Tatlin; os italianos Fillipo Tomaso Marinetti e Gino Severini; os brasileiros Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Pagu; o mexicano Diego Rivera, etc., etc. No grupo dos pintores, pela originalidade de sua arte, ocupa também um lugar de destaque Frantisek Kupka, que apesar de tcheco, é um dos nomes centrais da história da pintura abstrata nascida no interior da Escola de Paris.

Uma geração mais velho que a maioria dos pintores das vanguardas francesas, Kupka nasceu em 1871 e iniciou sua atividade artística ainda na Boémia, a partir de sua relação com trabalhos artesanais. Depois de formar-se pela Escola de Artes Aplicadas de Jaromer, em 1892 ele parte para Viena em um momento de grande importância no florescimento das artes modernas austríacas. Ele insere-se na corrente decorativa do Jugendstil e trava amizade com alguns dos mais destacados intelectuais vienenses daqueles anos, entre eles, o pintor modernista Gustav Klimt; o compositor Arnold Schöenberg, futuro líder a Escola de Viena; e o psicanalista Sigmund Freud, fundador da nova ciência psicanalítica.

Sua pintura nesta época é fortemente marcada pelo simbolismo figurativo de Klimt. Kupka era um exímio desenhista já desde esta época e produzia trabalhos de grande maturidade artística. A transformação mais importante de sua pintura acontece, no entanto, somente quando ele viaja a Paris, onde passa a residir a partir de 1896.

Ali ele presencia em primeira mão tudo o que de mais importante a vanguarda artística francesa iria produzir. A descoberta da obra de Van Gogh e Cézanne; o início do movimento fauvista; e finalmente, o cubismo, que acabaria por promover a maior revolução em sua pintura.
Inicialmente em contato com as diversas variantes de pós-impressionismo, as pinturas de Kupla adquirem novo brilho e cada vez mais ele passa a se interessar pelos aspectos formais da pintura. Após o fauvismo, ele torna-se um dedicado estudioso da influência das cores sobre a imagem.

As primeiras telas do cubismo analítico de Picasso e Braque aparecem já em 1907. Kupka é um dos primeiros a ver a importância daquelas experiências, e sob a influência dos irmãos Duchamp Villon, embarca naquele universo altamente racionalista e matemático da busca por um cubismo científico. Ele é um dos membros do restrito grupo cubista da Seção Dourada, e é por volta de 1911 que começam a surgir em Paris, quase que simultaneamente, diversas manifestações de uma pintura já totalmente abstrata derivada do cubismo. A importância maior de Kupka para cultura de seu tempo é justamente neste processo de conquista a abstração em Paris.

Kupka e os franceses Robert Delaunay, Fernand Léger e Francis Picabia, tornam-se os pioneiros do orfismo a primeira corrente de pintura abstrata da arte moderna. Simultaneamente, artistas em outros países chegaram às mesmas conclusões em outras partes da Europa, mas trabalharam ainda muito tempo isoladamente até suas idéias adquirem influência e adeptos, estes são os casos, por exemplo, de Kandinski, Mondrian e Malevitch.
O nascimento da pintura abstrata na tradição modernista não era um fenômeno ligado a pequenas manifestações marginais, destinadas a ser trilhadas apenas por alguns artistas de gênio. Foi antes uma tendência mais ou menos geral da época. Era resultado de um terminado estado de confusão mental, de uma tendência dos artistas a buscarem a subjetividade como método de fuga de uma realidade hostil e incompreensível.

Um produto da enorme complexidade política que se armava no panorama europeu, o avanço do imperialismo, a consolidação das novas potências colonialistas, a disputa armamentistas entre poderosos governos, a decadência burguesa, a forte presença da classe operária nas crises políticas, etc. A dificuldade que parcelas expressivas da pequena burguesia e mesmo da burguesia em assimilar e entender os problemas colocados levou a uma tendência evasiva, de fuga dos problemas imediatos para realidades supostamente mais harmoniosas, ideais. O terreno típico da pintura abstrata, que em suas manifestações iniciais, foi toda mística e religiosa.

Kupka, do mesmo modo que estes outros três pais da pintura abstrata era também um místico. Esta era justamente a base ideológica que dava sustentação a estes desenvolvimentos originais da pintura européia: a busca de uma “outra realidade” que estivesse “além” da mediocridade e da confusão do mundo contemporâneo, uma tentativa de encontrar uma via de comunicação com uma realidade imaginária, subjetiva, religiosa, contemplativa, etc.
Quando eclode a Primeira Guerra, Kupka participa dos conflitos como voluntário no Exército francês. É só com o término dos conflitos que ele retoma sua atividade.

Ao longo da década de 1920, sua pintura, da mesma forma que todas as correntes abstratas, tornam-se movimentos marginais, em anos em que a arte voltava-se com grande força para a crítica política e social. São os anos da Nova Objetividade na Alemanha; do período “neoclássico” na França, quando alguns dos mais poderosos vanguardistas retomam formas mais convencionais de representação; do Surrealismo, que retoma também a tradição figurativa e intelectual da pintura, em oposição à emotividade abstração. Na Itália, os futuristas que aderem ao fascismo e avançam para uma arte realista. O único país em que a abstração gozava de popularidade naqueles primeiros anos do pós-guerra, foi na Rússia revolucionária, que produziu o construtivismo, que era por sua vez, uma outra forma de abstração, dona de uma ideologia racionalista.

Os adeptos da abstração entre os círculos mais avançados, no entanto, eram numerosos, e estava espalhados entre dezenas de países. Isto leva ao um agrupamento destes pintores no final da década de 1920, formando um grande grupo internacional, o Abstração-Criação (do francês Abstraction Création). Forma do em 1931, representava uma tendência à retomada da pintura abstrata após os anos de profunda estagnação social e pessimismo durante a Grande Depressão.

O grupo Abstração-Criação existiu entre 1931 e 1936, interrompido pela crescente polarização política que antecedeu à guerra. Dele fizeram parte cerca de 400 artistas que divulgavam suas obras através dos catálogos anuais das muitas exposições que eles organizavam na Europa e Estados Unidos.
Toda esta atividade levou a uma crescente popularização da pintura abstrata que se tornou a corrente dominante na Europa na década de 1940 e levaria à radicalização destas propostas nos Estados Unidos da década seguinte, com o expressionismo abstrato. Duas décadas que, obviamente foram marcadas pela incerteza e o isolamento dos artistas, o que tornava novamente as obras abstratas, suas formas de expressão ideais.
 

Apesar desta popularização da pintura abstrata, Kupka, ao longo de quase toda a vida foi um artista marginal. Apenas ao final da vida sua obra ganhou maior projeção, durante nos anos do segundo pós-guerra, quando, pela primeira vez, a pintura abstrata tornava-se uma unanimidade entre as correntes modernas, mesmo que por um breve período. Com o fim da década de 1950, encerrou-se também o principal período de desenvolvimento da arte abstrata. A crise econômica iniciada em 1964, iniciava uma nova etapa de predomínio da arte política sobre o mundo.


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