sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Macacos de auditório

Lançado recentemente nos cinemas de todo o mundo, a mais nova versão da série 'Planeta dos macacos', 'Planeta dos macacos – A origem', elimina da trama o teor revolucionário presente no original


O filme original, A conquista do planeta dos macacos (1972), foi o terceiro da série iniciada em 1968 com O planeta dos macacos, estrelado por Charlton Heston. A trama do filme atual foi desenvolvida para explicar como os macacos se tornaram a espécie dominante na Terra, sobrepujando os homens. A resposta só podia ser uma: revolução.

Revolução é uma palavra que não aparece em momento algum nessa nova filmagem. É curioso, no entanto, que o título do filme dá indícios de que se trata de uma revolução. O título original é um pouco ambíguo. Rise of the planet of the apes tanto pode ser “Ascensão do planeta dos macacos” (indicando a “origem” que aparece no título em português) como “O levante do planeta dos macacos”. Levante pode conotar revolução e também uma simples revolta. E simples revolta era a intensão do diretor.
Em Planeta dos macacos – A origem, César, o chimpanzé que lidera a revolta, é filho de uma macaca de laboratório que fora tratada com uma droga experimental cujo propósito era a cura do Mal de Alzheimer. A droga produziria, contudo, dois efeitos colaterais: aumentaria a inteligência, tanto de macacos como de homens, mas seria letal, a médio prazo, para os homens. No decorrer da história, César é levado pela “carrocinha” e colocado junto a outros macacos. Por ser dotado de uma inteligência excepcional, apodera-se da droga e administra-a aos outros macacos, que se revoltam.
Mas por que razão os macacos se revoltam? Para tomar o poder e acabar com a escravidão imposta a eles pelos homens? Não. Organizam uma revolta simplesmente para deixarem de ser usados como “cobaias” de laboratório e voltarem à selva para viverem felizes para sempre entre as árvores. Mas disso decorrem dois problemas.
O primeiro deles é como explicar que os macacos dominarão o planeta. A resposta é dada no próprio filme. Mas apenas depois do final, em meio às legendas de crédito. A droga usada para curar o mal de Alzheimer, processada a partir de um vírus, começa a se espalhar por meio dos aeroportos. Não sabemos, porém, se ela eliminará toda a humanidade ou tornará os homens mais burros.

O segundo problema é mais simples, para quem entende um pouco de política: Se os macacos não tomarem o poder, de nada adiantará a inteligência recém-adquirida por eles. Acabarão, inevitavelmente, voltando para os laboratórios ou levando chumbo. A única maneira de acabar com a tirania dos homens é tomando deles o poder. Isso vale não apenas para os macacos. É uma lei que muito militante político ignora, sobretudo aqueles que defendem a democracia e o sistema eleitoral como meio para se chegar ao poder. Para eles, um pouco do remédio usado na história.


Outra coisa que o filme, conscientemente, procura eliminar da trama é o obscurantismo religioso. No primeiro filme da série, O planeta dos macacos, quando os macacos descobrem que um homem é capaz de falar, atribuem esse fato a uma intervenção demoníaca. Só os macacos podem falar, pois Deus os fez à imagem e semelhança dele. No terceiro filme, Fuga do planeta dos macacos, dois macacos cientistas viajam no tempo e retornam ao mundo de hoje (1973). Nesse mundo, macacos não podem falar, pois Deus fez apenas ao homem imagem e semelhança de si. Cabe a nós questionarmos por que estes dois fatores, revolução e obscurantismo religioso, foram retirados da trama.


É preciso que não nos esqueçamos de que vivemos num mundo neoliberal, em que não há mais lugar para o comunismo, para a ditadura do proletariado e para revoluções. Tudo isso é coisa do passado, de dinossauros que deveriam aprender alguma coisa com a história. Mas com que história, se a história chegou ao fim? Em meio a toda essa lavagem cerebral, aparece mais um filme procurando apagar dos registros históricos (o filme original) o termo revolução.


Explicar a supressão do obscurantismo religioso é fácil, mas se trata de algo demoníaco. Grande parte da cultura nos Estados Unidos recebe patrocínio de entidades ligadas à Igreja. A pesquisa acadêmica, as pesquisas científicas, obras literárias, filmes, etc., ou recebem verba do governo (o que seria uma heresia para um país neoliberal) ou de instituições de fomento. Ocorre que essas instituições estão bastante atrelas às igrejas, quando não são instituídas por elas mesmas.


Se um filme pretende receber patrocínio, tem de eliminar certas ideias de seu roteiro. A ideologia do roteirista passa a ser a ideologia dos patrocinadores. O que será apresentado ao público é algo a que o público já está acostumado. Não terá de pensar, não terá de desenvolver ideias próprias e, acima de tudo, não terá nada para contestar. Para a indústria cinematográfica, o público tem de se comportar como macaco de auditório.


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