sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Descoberta pintura de Goya escondida sob outro quadro

O retrato era possivelmente de José Bonaparte, e foi apagado durante a repressão desencadeada por Fernando VII do período da Restauração


21 de setembro de 2011


Foi descoberta recentemente uma nova pintura do espanhol Francisco de Goya. A obra não foi encontrada em uma nova tela do pintor como se poderia esperar, mas “revelada”, por aparelhos de alta tecnologia, escondida por debaixo de outra tela do artista.

A pintura, que mostra um oficial do exército napoleônico, foi recoberta por Goya por uma nova pintura, o retrato de Don Ramón Satué.

A descoberta foi feita por um grupo de técnicos da Universidade de Antuérpia, na Bélgica, e da Universidade Técnica de Delft, na Holanda. Eles submeteram a obra a uma nova técnica de análise de quadros, utilizando uma espectrometria de fluorescência de macro raio-X. O procedimento permite que se identifique todos os pigmentos de uma tela, mesmo que escondido sob camadas mais profundas, o que torna desnecessário causar danos ao quadro.

Segundo os especialistas, a pintura estaria representando José Bonaparte, entronado rei da Espanha por seu irmão, Napoleão Bonaparte, o “imperador dos franceses”.

A partir de outros exames, descobriu-se que o primeiro retrato foi pintado cerca de dez anos antes do segundo. Ou seja, se sua tela de José Bonaparte data de 1809-1813, ela só foi “escondida” por volta de 1820, nos anos que coincidem com o total afastamento de Goya do governo monárquico espanhol, e pouco antes de seu exílio na França.

A Espanha bonapartista


A realização deste retrato de José Bonaparte remete a um momento de grande importância na vida do artista, na Espanha e no mundo de um modo geral.


Nos últimos anos do século XIX, Francisco de Goya, já pintor maduro, começava a se destacar como um dos mais proeminentes pintores do país após executar com perfeição dezenas de encomendas reais. Seus trabalhos chamaram tanta atenção que, em 1899, Goya foi nomeado 
Primeiro Pintor da Câmara, artista oficial da corte espanhola.

Nos anos seguintes, o artista ingressa em uma etapa de maior maturidade e realiza suas maiores obras-primas. Seu excelente retrato da família real foi executado nestes anos, entre 1800 e 1801.
O século XIX nascia sob o signo da Revolução Francesa, cuja influência já então havia se expandido para muito além das fronteiras francesas. Napoleão Bonaparte implacavelmente marchava sobre todas as monarquias do Velho Continente, instaurando em seu lugar o código civil burguês que estabelecia o direito de comércio e a igualdade jurídica entre todos os cidadãos. Este era o aspecto mais revolucionário das ocupações napoleônicas sobre o restante da Europa. Não era, porém, o único aspecto.

As guerras napoleônicas eram de extrema violência, verdadeiras batalhas de vida ou morte em que estava em jogo a própria cabeça do monarca derrotado. Depois de ocupar o país, Bonaparte estabelecia no lugar da velha monarquia sua própria ditadura. Depois que o próprio Napoleão decidiu coroar-se imperador, muitos de seus antigos apoiadores passaram a encarar com desconfiança este “destruidor de tronos” que sustentava agora sua própria coroa sobre a cabeça.

A violência dos conflitos desencadeou uma enorme reação nacionalista entre as populações submetidas ao jugo francês. Entre os países onde este fenômeno ocorreu, estava a longínqua Rússia, a Prússia, Inglaterra, Portugal e a Espanha de Francisco de Goya.

Nos anos em que se iniciam as guerras napoleônicas contra o rei da Espanha, afloram-se também os sentimentos nacionalistas da população. Goya acompanha este movimento. Seu horror à brutalidade da ocupação francesa ao País ficou imortalizado em uma de suas séries de gravuras mais importantes, Os Desastres da Guerra, que foi concluída em 1810.

Ele entrara em contato com a guerra já em 1808, quando um oficial espanhol o chamou a presenciar e retratar a heróica resistência espanhola aos franceses. Goya partiu para as linhas de combate, mas não se passou muito tempo e o que ele viu de fato foi a capitulação espanhola.
No ano seguinte, José Bonaparte, irmão de Napoleão, era nomeado “rei dos espanhóis”, do mesmo modo que Napoleão era “imperador dos franceses”.

Goya, ao invés de fugir da corte como o fizeram centenas de nobres espanhóis, permanece em Madri durante o curto reinado de José Bonaparte. Foi durante este governo que, segundo especulam os especialistas, Goya teria executado a pintura revelada somente agora. Goya torna-se um simpatizante do bonapartismo, apesar de ter sido sempre cauteloso sobre suas relações com o novo regime. Uma prova inconteste, porém, é a sua condecoração com a Ordem Real de Espanha. Um de seus amigos mais íntimos, o padre Don Juan Antonio Llorente, era um bonapartista entusiasta e crítico feroz da Inquisição espanhola. Ele se deixou retratar por Goya nestes anos, portando a mesma medalha da Ordem Real ao pescoço.

Em 1814 há uma nova reviravolta européia. Com a derrota de Napoleão, para as tropas inglesas, espanholas e portuguesas, começa a se articular todo um movimento contra-revolucionário continental. Na Espanha, não é diferente. José Bonaparte cai e em seu lugar assume o governo ultraconservador de Fernando VII. O novo monarca imediatamente coloca em marcha uma política altamente repressiva para conter os dissidentes, os bonapartistas e os colaboradores do regime francês. Como parte do braço repressivo da monarquia, ele instaura novamente a Inquisição espanhola.

É neste momento de reação que Goya realiza suas duas maiores obras-primas, O Dois de Maio e Os Fuzilamentos de Três de Maio, retratando a dramática resistência espanhola contra os franceses no início da ocupação.

No período seguinte, o pintor se distanciaria cada vez mais da monarquia até cortar totalmente relações com a nobreza espanhola. Não se demora muito e o pintor torna-se alvo de investigações por ter participado do governo bonapartista. Considera-se que provavelmente foi nestes anos que Goya recobriu seu retrato de José Bonaparte com outra pintura. O pintor é também submetido a um processo pela Inquisição, pelo erotismo de sua tela Maja Desnudada.

Estes incidentes levam Goya a se distanciar definitivamente da vida pública, indo viver primeiro na isolada Quinta del Sordo, e, em 1824, partir definitivamente para o exílio, em Bordéus, onde viria a morrer em 1828.

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