quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O modernismo brasileiro e a luta das artes contra o controle burocrático dos Estados modernos

Na quinta e última aula do curso de formação marxista sobre o ano revolucionário de 1922, o companheiro Rui Costa Pimenta se deteve sobre o caráter e o significado do movimento modernista, a partir de uma análise histórica do caráter da arte moderna 

Na quinta e última aula do curso de formação marxista desse 30º Acampamento da AJR (Aliança da Juventude Revolucionária), o companheiro Rui Costa Pimenta passou para o tema do modernismo brasileiro em conexão com a revolução que se desenvolvia no país no período.
Antes de adentrar o tema do nosso modernismo propriamente, o palestrante começou sua exposição buscando estabelecer em primeiro lugar o significado da arte moderna.

A maneira correta, científica, de análise dos fenômenos artísticos, assinalou ele, deve ser sempre fazê-la em conexão com o desenvolvimento da sociedade.
Outra ideia importante que o palestrante destacou é que a cultura tal como a conhecemos, a cultura moderna, é a cultura burguesa.
Antes da cultura burguesa, a cultura medieval desenvolveu-se muito pouco, mesmo a cultura religiosa não teve grande desenvolvimento.

No final da Idade Média, porém, já sob a influência da burguesia é que a cultura teve um crescimento substancial.
A Renascença, com a formação dos grandes centros comerciais, dos bancos, etc. é o começo do período de acumulação capitalista, quando surgem os primeiros grandes burgueses, ligados ao comércio.
O crescimento da cultura renascentista está relacionado com os novos avanços da ciência e da técnica da época, é a época do surgimento do humanismo. É uma cultura que cresce em oposição à ideologia religiosa anterior, é uma cultura em grande medida antirreligiosa.

Na Renascença, a religião não é mais encarada como algo em oposição ao homem, mas como algo a serviço do desenvolvimento do homem. É o período em que a ciência se ergue contra a religião, uma cultura cada vez mais penetrada pela ciência e o materialismo.
No classicismo, a cultura é sobretudo uma cultura literária e particularmente voltada ao teatro, que é uma arte política por excelência, voltada para um público, para mobilizar a opinião da população.

Nessa época a comédia ganha também prestígio, é um período revolucionário da burguesia. As peças de Moliere, por exemplo, são a burguesia elaborando sua própria mentalidade, seu próprio modo de vida, ridicularizando ela mesma, a aristocracia e as demais classes sociais.
O apogeu de todo esse período é o Iluminismo, que formula já claramente uma crítica política contra a monarquia. Filósofos são panfletários políticos, e, nessa época, a cultura burguesa assume uma feição abertamente revolucionária, e a cultura que antecipa e cria as condições intelectuais para a Revolução Francesa.

Até então a análise artística é relativamente simples. Os problemas para se analisar a arte começam no século XIX, quando a cultura se torna complexa e contraditória.
Nessa etapa há o Romantismo, que, por exemplo, nasce na Alemanha, como um movimento intelectual reacionário, apoiador da monarquia, da Igreja, mas, na França, o Romantismo se vincula ao liberalismo e se torna a ideologia daqueles que querem concluir as revoluções burguesas.

Embora o Romantismo se torne um movimento artístico revolucionário, expressava já uma indecisão dos intelectuais burgueses diante do regime capitalista plenamente constituído. Os românticos, que são intelectuais burgueses, observam que o que eles consideravam ser um ideal, tinha na realidade um lado negro, com a enorme população operária vivendo miseravelmente nos bairros periféricos, excluídas do sistema, das conquistas sociais burguesas. Aqueles ideais liberais, de liberdade, igualdade e fraternidade, não podia existir de fato naquele sistema.

O grande escritor do Romantismo no período, e um dos maiores escritores de todos os tempos é Victor Hugo, cujas obras mais representativas são romances de crítica social, como sua obra-prima Os miseráveis. Essa é uma constante no romantismo, que, ao contrário do que normalmente se ensina sobre o assunto, é toda uma literatura social, política, e crítica da sociedade. Essa literatura mostrava já o início do declínio da burguesia historicamente, como classe impulsionadora do progresso humano e social.

O Romantismo é importante para o tema que iremos analisar porque ele revela a existência de uma mudança no desenvolvimento da arte. Há uma mudança no que se refere a tudo o que veio antes e o que viria depois. A curva nesse desenvolvimento se dá com o Romantismo.
Se na França o Romantismo expressava o liberalismo político francês, no Brasil seria diferente. O Romantismo brasileiro seria expressão ideológica do liberalismo do II Império, um liberalismo muito pouco ou nada liberal, produto intelectual de Império semifeudal, escravagista e controlado por latifundiários.

Desde o século XVII os artistas eram perseguidos. Naquele momento, há toda uma luta política dos artistas para conseguir expressar suas ideias na arte.
No Romantismo há também uma luta política, mas não apenas para o artista expressar suas ideias na arte, mas pela total e irrestrita liberdade de expressão, a liberdade para que o artista pudesse se expressar também usando a forma artística que lhe parecesse mais conveniente. Essa mudança da ênfase do conteúdo para a forma denota uma modificação na arte.

Os artistas de então não querem se submeter a uma norma que dita como eles deveriam escrever. Os românticos rompem com as ideias de “perfeição formal”, que era o cânone que norteou o classicismo. É esta mudança que marca, por exemplo, o processo de revalorização de Shakespeare durante o romantismo. O dramaturgo inglês, por seu verso anárquico, que falta de padrões de seus textos, pela sua expressão pessoal original, passa a ser usado pelos românticos como um modelo contra o classicismo. Shakespeare é proclamado então por eles com o maior autor de todos os tempos. Um marco nesse processo foi a famosa obra de Stendhal, Shakespeare ou Racine, onde era a feita a defesa do romantismo contra o classicismo a partir do exemplo desses dois autores.

Após desenvolver tais ideias, o palestrante destacou uma pergunta necessária: porque o artista se via obrigado a lutar para conseguir escrever à maneira dele?
E a resposta a esse ponto, frisou ele, é uma questão recorrente em toda a história mais moderna da arte: o controle burocrático que o Estado tenta exercer sobre a arte e os artistas.
O Estado moderno nasceu com as monarquias absolutas, foi quando nasceu todo o controle estatal sobre a população e sobre a opinião pública que conhecemos hoje.
Foi durante o reinado de Luís XIV na França que foi criada, por exemplo, a Academia de Letras, que nasceu com o objetivo específico de aprofundar o controle estatal sobre a nobreza e as classes cultas o país.

A Academia torna-se, portanto, um árbitro das letras francesas, e é a partir desse controle que inicia-se a luta política dos artistas para expor livremente suas ideias. Foi nesse período que houve a luta de Corneille para publicar El Cid, que Racine foi quase linchado por publicar Fedra, e que Moliére teve de reescrever três vezes o Tartufo.
Quando acontece a Revolução Francesa, ela não destrói essa organização, mas toma para ela, o reforma e o amplia.

Nos dias de hoje, as universidades, cumprem exatamente esse papel. O mesmo fazem também as editoras semiestatais e a imprensa semiestatal.
Os artistas, na época moderna, passarão a lutar também com cada vez mais intensidade contra o controle burocrático do Estado sobre sua arte. É natural que essa luta tenha se dado na arte porque ela é naturalmente avessa ao controle.

Para um artista o problema da forma é um problema fundamental. A forma é o trabalho próprio do artista. A filosofia, a política, a sociologia, são conteúdos usados pela arte, mas o artista, propriamente, é alguém que domina uma determinada forma para, por meio dela, expressar esses conteúdos. É o que o artista pode fazer de original, que o difere do filósofo, do político, etc. E a luta pela liberdade de expressão, reivindicada por praticamente todos os movimentos de vanguarda do século XX, diz respeito à natureza burocrática do Estado e sua luta por controlar os artistas.

O modernismo brasileiro

O modernismo brasileiro que fez a Semana de 22 representou uma revolta desse tipo.
Quando acontece a Semana, a cultura brasileira está petrificada. A cultura oficial da República Velha na década de 1920 era a cultura daqueles que haviam lutado pela República, ainda na década de 1880. Em outras palavras, a arte e a literatura brasileira estavam estacionados no tempo há cerca de 40 anos.

O Parnasianismo foi um dos movimentos literários mais importantes da história nacional. Dele participaram nomes como Machado de Assis, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, etc. Independentemente da importância do Parnasianismo, porém, ele há muito havia se tornado uma cultura oficial do Estado. Quando os jovens modernistas se lançam na luta contra essa cultura oficial petrificada, era inevitável, portanto, que eles também se lançassem contra o Parnasianismo.

O Modernismo é uma insurreição política, e não literária contra o regime. Ele expressa um movimento geral de revolução cultural que estava em marcha naqueles anos. Mas o que chama atenção no Modernismo brasileiro é que ele vai muito mais longe do que esperaria de um movimento de reação à cultura estatal.

Ao contrário do que se convencionou dizer sobre o modernismo, ele não era um movimento nacionalista, mas internacionalista, que buscava uma atualização das artes nacionais. Os modernistas rejeitam as teorias raciais da cultura brasileira formuladas pelo romantismo, e eram também profundamente antitradicionalistas. Eles desprezaram não apenas o parnasianismo, mas toda a cultura brasileira pregressa, ou, pelo menos, a cultura que havia sido oficializada pelo regime.

O modernismo era resultado de um desenvolvimento específico de São Paulo e do Rio de Janeiro principalmente. Eles querem, assim, passar a limpo a cultura nacional à luz desse desenvolvimento.

A busca central dos modernistas era a de que o Brasil fosse capaz de criar arte, que não fosse apenas um importador. Para eles, a arte brasileira deveria ser como a indústria brasileira: importar matérias primas para ser capaz de criar produtos novos, voltados à exportação. Em outras palavras, eles buscavam se apropriar da arte mais moderna internacionalmente para mostrar ao mundo como se fazia.

Encarado sob esse ponto de vista, o movimento da poesia concretista, da década de 1950, movimento tipicamente brasileiro, era o sonho de Oswald de Andrade.
Em dado momento, em 1924, os modernista realizaram a chamada Viagem do Redescobrimento, que passou pelo Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Essa nova cultura modernista, do “redescobrimento”, é a cultura que havia sido esquecida pelo Brasil da época.

A valorização do Barroco mineiro, um movimento historicamente tardio, e a consagração de Aleijadinho como um grande artista, vêm dos modernistas. O mesmo se deu com a valorização da cultura amazônica, das lendas indígenas, etc. E eles valorizaram esses fenômenos precisamente porque eles não faziam parte da cultura brasileira de então, haviam se tornado fenômenos marginais. Os modernistas, nesse sentido, recuperaram muito da cultura nacional que praticamente não existia com fonte de influência para os artistas.

A polarização política do modernismo

Em oposição a esse desenvolvimento modernista, como uma reação a ele, foi organizado um grupo direitista que reage às ideias modernistas, o grupo Verde-Amarelo. Se o modernismo era internacionalista, antirracista, antitradicionalista, os membros do verdeamarelismo irão evoluir para uma arte nacionalista, racista e passadista, escondendo seu passadismo com um leve verniz modernista. Esse grupo irá também impulsionar o culto do bandeirante, da “raça paulista” em oposição ao restante do País. Esse grupo era expressão intelectual do nacionalismo da burguesia paulista. Dele fizeram parte Plínio Salgado, futuro líder integralista, Ronald de Carvalho, Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Guilherme de Almeida.

O Verde-Amarelo iria se ramificar em duas tendências direitistas. Por um lado, daria origem ao Integralismo, o movimento fascista brasileiro. Por outro, a uma vertente mais moderada de nacionalismo, que iria se identificar, após 1930, com o governo Vargas. Nomes como Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Villa-Lobos. Muitos tem a ideia de que esse é o grupo mais importante do modernismo, mas isso não é fato.

O grupo mais representativo do modernismo seria sua ala esquerda. Ele inclui artistas como Tarsila do Amaral, Patrícia Galvão, Raul Bopp, Alcântara Machado, Geraldo Ferraz e Oswald de Andrade. Esse último, particularmente, foi a figura mais característica do modernismo brasileiro, foi o verdadeiro artista de vanguarda do Brasil.

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