quarta-feira, 30 de novembro de 2011

William Bouguereau e o academicismo francês

O Nascimento de Vênus, por William Bouguereau.
Bouguereau é um dos maiores nomes do academicismo francês, escola que, apesar de ter sido duramente combatida pelos movimentos renovadores, inegavelmente levou a técnica pictórica a novos limites


William-Adolphe Bouguereau é um dos mais destacados nomes do academicismo francês, ao lado de pintores como Alexandre Cabanel, Jean-Léon Gérôme ou Paul Delaroche.
Nos dias de hoje, “pintura acadêmica” tornou-se sinônimo de conservadorismo, de convencionalismo, de arte superficial e de tudo de negativo que se possa atribuir a uma pintura. Esta é, porém, uma idéia equivocada e limitada sobre o assunto, produto das lutas que os artistas modernos travaram contra as convenções do passado.

A instituição acadêmica, bem como a pintura que ela produziu, foi a principal responsável pelo grande desenvolvimento e popularização da pintura na Europa a partir do século XVII.

Logicamente que como todo método, possuía enormes limitações, como, por exemplo, a falta de espaço para a inovação e a improvisação, que foi um dos pontos mais atacados por todos os movimentos renovadores da pintura. Por outro lado, este método de ensino foi responsável por levar a técnica da pintura a um nível de perfeição espantoso e inimaginável de ser atingido através dos antigos métodos artesanais de ensino de arte, típicos da era medieval. As academias foram instituições criadas pela burguesia e serviram para democratizar como nunca antes as técnicas da pintura, ocupando um papel fundamental no desenvolvimento desta arte ao longo de todo o século XVIII e XIX. Por trás destas instituições estavam os ideais iluministas e a crença na ciência, que colocou propositalmente a “criatividade” em segundo plano partindo da premissa de que, como qualquer ofício, a pintura poderia ser dominada por qualquer estudante dedicado, desde que seus métodos de ensino fossem sistematizados e colocados em prática de forma rigorosa, partindo de experiências coletivamente consagradas. Natural aí que o papel do “indivíduo” se tornasse bastante limitado.
Dante e Virgílio no inferno.

O grande triunfo deste método de ensino está impresso nas obras, tanto de artistas renovadores, criadores de escola como Jacques Louis David, como nas telas de pintores que, apesar de não se notabilizarem pela inovação, consolidaram-se como verdadeiros mestres no domínio das técnicas pictóricas. Este foi o caso de William-Adolphe Bouguereau.


Bouguereau foi autor de algumas das mais belas pinturas classicistas do século XIX. Seus temas mais comuns estão ligados à mitologia grega e passagens bíblicas, ainda que ele tenha também se dedicado à pintura de jovens camponesas, ciganos e temas cotidianos mais característicos da escola realista, sua contemporânea. Sua biografia, curiosamente, segue a trajetória de ascensão e queda do academicismo como pensamento dominante da burguesia francesa entre os séculos XIX e XX.


Sua pintura é herdeira do neoclassicismo de David, surgida em uma época em que a Escola neoclássica havia já conseguido se impor à sociedade burguesa. Como tal, Bouguereau era também adepto do iluminismo e dotado de uma filosofia humanista que motivaram seus quadros de temas mais populares.


Trajetória do artista


Eros e Psiquê.

Bouguereau nasceu em La Rochelle, em uma família de comerciantes de vinho e azeite. Ele estaria destinado a continuar o negócio da família se não fosse a intervenção de um tio, que o instruiu na juventude e insistiu que ele tivesse ensino superior. Sua inclinação natural ao desenho o levou a ingressar na Escola de Belas Artes de Bordeaux, onde rapidamente se destacou com suas telas.

Ele viveu alguns anos pintando temas religiosos para as paróquias da região até conseguir ingressar na mais importante academia da França, a Escola de Belas Artes de Paris. Nesta época, ele aprofundou-se nos estudos de anatomia à maneira dos mestres renascentistas, estudando cadáveres em aulas de dissecação.

Tornou-se discípulo de um dos mais renomados pintores acadêmicos de seu tempo, François-Edouard Picot, e em pouco tempo já se destacava como um proeminente representante do academicismo francês. Em 1850, quando o realismo lutava por impor suas idéias à sociedade, exaltando a população pobre e humilde como um tema digno da pintura, Bouguereau, totalmente alheio a tais problemas ganhava o Prêmio de Roma, pela sua grande composição mitológica Zenóbia encontrada por pastores nas margens do Araxe.


Ele morou por alguns anos em Roma, onde estudou mais detidamente a pintura renascentista, particularmente fascinado pelo primor técnico e sofisticação das obras de Rafael.

Sua fama na sociedade francesa cresceu ao longo de toda a década de 1850. Em 60, seu nome era também muito popular na Inglaterra e ele tornara-se já um dos mais requisitados pintores de sociedade, com suas obras vendidas por somas astronômicas. Suas telas, povoadas por ninfas, deuses, pastores, anjos e santos, casavam de fato com o gosto conservador da burguesia, que tinha seus quadros como excelentes peças decorativas para suas mansões, gabinetes e prédios públicos.

Em vida, Bouguereau foi considerado um dos maiores pintores do século XIX, tendo clientes em países tão diversos quanto os Estados Unidos, a Espanha e a Holanda.

A Onda.
A derrocada do academicismo

Alma Parens.

Seu nome e seu prestígio tornaram-se sinônimo da própria instituição acadêmica francesa, sendo ele não apenas pintor, mas também um político das artes, membro e líder intelectual no Instituto da França e presidente da Sociedade de Pintores, Escultores e Gravadores.

Era mais do que natural, portanto, que as novas gerações de inovadores da pintura vissem na arte de Bouguereau a própria antítese do que pretendiam, e, em último caso, o exato oposto do que deveria ser uma arte viva, ligada à realidade de seu tempo.

A telas de Bouguereau eram belíssimas, tecnicamente impecáveis, mas, obviamente, pelas próprias ligações que o pintor estabeleceu em vida, uma arte conservadora, ligada aos valores de uma sociedade que definhava, dependente dela e de seu gosto leviano, fútil.


Quando surge a jovem geração dos pintores impressionistas, avessos a toda tradição acadêmica, Bouguereau torna-se um de seus adversários ferozes. Será ele uma das figuras a combater, no interior das academias e salões oficiais, as novas técnicas impressionistas.


Estes artistas mais jovens, por seu lado, irão cunhar um termo irônico que denotava todo seu desprezo por esta arte para a decoração de salas luxuosas. Irão chamar de “bougueresco”, toda a pintura que considerassem artificiosa, falsa, afetada.


A batalha do impressionismo, como a história registra, terminaria com a assimilação da nova escola pela burguesia a partir da década de 1880. Nos anos seguintes, a transformação do impressionismo no marco zero da pintura moderna seria um golpe decisivo na influência da tradição acadêmica que reinara absoluta ao longo de todo o século XIX.


O advento das vanguardas artísticas ao longo das primeiras décadas do novo século se encarregaria de jogar uma pá de cal sobre a influência destes acadêmicos, que se reduzem, literalmente, a peças de museu, totalmente mortos como influência viva para a pintura subseqüente.


Por volta da década de 1920, quando a burguesia mundialmente começa a assimilar a pintura modernista o nome de Bouguereau e outros de seus contemporâneos desaparece até mesmo das enciclopédias de arte. Foi a completa derrocada daquela tradição.


O pintor foi “redescoberto” novamente apenas na década de 1970, quando, encerrado o período mais importante de desenvolvimento das vanguardas, muitos críticos começaram a reavaliar a herança e a importância do academicismo. Hoje a arte de Bouguereau permanece um anacronismo, servindo mais como o registro do apogeu de uma tradição que foi totalmente destruída pelas novas teorias da arte.



O jovem Baco.




O primeiro luto.


O arrependimento de Orestes.

Pietá.
Alma sendo levada para o céu
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