quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Octávio Gelino e o cinema militante da década de 1960

O cineasta e pesquisador argentino Octávio Gelino morreu na última segunda feira. Diretor da obra-prima ‘A hora dos fornos’, seu maior legado foi a formação de uma vanguarda cinematográfica militante no final da década de 1960

Passou praticamente em branco entre os jornais da imprensa burguesa a notícia da morte do importante cineasta argentino Octávio Gelino, que, ao lado de Fernando Solanas, concebeu o documentário A hora dos fornos, uma das obras-primas do cinema político latino-americano e mundial.

Gelino estava com 77 anos e faleceu na última segunda-feira (1/10) em Buenos Aires, vítima de um câncer.

Nascido em 1935, na Espanha, a família de
Gelino emigrou para a Argentina na década de 1950. Após o golpe militar em 1966, Octávio Gelino ao lado de Fernando Solanas se envolveram nas filmagens clandestinas de um longo documentário que viria a se tornar o filme La hora de los hornos (no Brasil, A hora dos fornos).

O longa-metragem, que defendia a luta armada contra das ditaduras militares latino-americanas, foi exibido pela primeira vez em 1968, no Festival de Pesaro, na Itália, e obteve uma enorme repercussão em um momento em que a população de diversos países se levantava contra a ofensiva direitista do imperialismo. Nos Estados Unidos as mobilizações se deram contra a Guerra do Vietnã; na Europa, em diferentes países, como a Itália e Alemanha Ocidental, grupos revolucionários surgiram em luta contra os governos de direita. Na América Latina, foi um momento também de intensa atividade política contra as ditaduras militares. Nesse sentido, A hora dos fornos surgia como um manifesto contundente em defesa da luta anti-imperialista no mundo, uma expressão intelectual importante daquele enorme movimento político internacional.

Juntamente com o documentário, os cineastas lançaram na ocasião o Manifesto por um terceiro cinema, que se tornou extremamente popular, se posicionando contra o cinema comercial e afirmando a necessidade de uma posição ativa de luta contra o imperialismo. No texto eles afirmavam: “Toda a tentativa de contestação, mesmo violenta, que não sirva para mobilizar, agitar, politizar de qualquer maneira as camadas do povo, para armá-las racional e sensivelmente para a luta, longe de incomodar o sistema é por este aceito com indiferença, chegando, por vezes, a convir-lhe. A virulência, o não-conformismo, a simples revolta, a insatisfação, são produtos que se adéquam ao mercado de compra e venda capitalista, são objetos de consumo”.

Dito isso, eles elaboravam uma tese sobre a forma como o cinema era controlado pelo imperialismo através de modelos formais: “O modelo da obra de arte perfeita, do filme perfeito, executado segundo as regras impostas pela cultura burguesa, pelos seus teóricos e críticos, serviu, nos países dependentes, para inibir o cineasta, sobretudo quando ele quis adaptar modelos idênticos a uma realidade que não lhe oferecia nem a cultura, nem a técnica, nem os elementos mais sumários para aí chegar. A cultura da metrópole guardava os segredos milenários que tinham dado origem aos seus modelos. A transposição destes para a realidade neocolonial revelou-se um mecanismo de alienação, uma vez que o artista do país dependente não podia assimilar, em alguns anos, os segredos de uma cultura e de uma sociedade elaboradas durante séculos, através de circunstâncias históricas completamente diferentes”.

Depois de analisarem o que seria o primeiro cinema, que seguia os modelos de Hollywood, e o segundo cinema, ligado ao movimento de ruptura do cinema autoral; eles teorizam sobre o terceiro cinema, que seria o cinema militante: “O Terceiro Cinema (não confundir com o cinema do Terceiro Mundo) é o cinema de agitação política. É o cinema militante de luta anticapitalista e anti-imperialista. Corresponde ao período histórico da descolonização e da luta armada contra o imperialismo. Será um cinema completamente liberto dos modelos estéticos de Hollywood e das vanguardas artísticas burguesas, a maior parte das vezes exibido em circuitos paralelos ou mesmo clandestinos. É um cinema sem normas estéticas ou técnicas, em vias de formação não só nos países da América Latina, da África e da Ásia, mas também nos países europeus, em que os cineastas revolucionários e o movimento popular organizado lutam pela transformação da sociedade e pela construção do socialismo.

Juntamente com o manifesto e A hora dos fornos, que era o exemplo prático daquelas ideias, Getino e Solanas fundaram um grupo internacional de cinema militante, o Grupo Cine Liberação, cuja proposta era criar um movimento que passasse por fora dos circuitos tradicionais do cinema comercial, amparando-se nos sindicatos, universidades, associações de bairro e organizações próprias do movimento operário e popular para a veiculação das obras.

A hora dos fornos
, como se pode imaginar, foi criado de uma forma totalmente independente, com baixíssimo custo de produção e uma equipe reduzida, que às vezes se resumia apenas a Getino e Solana, portando apenas uma câmera e um gravador.

Em 1969, em parceria com outros realizadores, Getino produziu outro documentário militante, Los caminos de la liberación.

Getino era adepto do peronismo, movimento nacionalista burguês de orientação democrática, e foi autor, nos momentos finais da ditadura, de dois documentários em defesa de Péron. Eram eles Perón: La revolución justicialista e Perón: Actualización política y doctrinaria para la toma del poder, ambos lançados em 1971.

Quando há a reabertura e Perón ascende à presidência, Getino ingressa também no governo, nomeado ao posto de chefe da censura cinematográfica. Uma das decisões dele foi liberar todos os filmes anteriormente proibidos pela ditadura.

Com a derrubada do governo peronista em 1973, com o novo golpe militar, Getino parte para o exílio. Vive no Peru e posteriormente no México. Nesses anos ele redireciona o sentido de sua atividade e se volta à pesquisa das condições econômicas e sociais do cinema latino-americano.

Com a queda da ditadura argentina, Getino retorna ao país, onde assume a direção do Instituto Nacional de Cinematografia, participando de filmes e publicando livros teóricos sobre temas técnicos de cinema, ligados a problemas econômicos e às novas tecnologias.

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