terça-feira, 29 de novembro de 2011

Auguste Rodin e o início da escultura moderna

O Beijo.
12 de novembro de 2011

Hoje se completa o aniversário do escultor cujas inovações foram a pedra de toque das inovações modernistas na escultura

Hoje se completa o aniversário de nascimento do escultor francês Auguste Rodin, nascido a 12 de novembro de 1840. Ele foi o principal representante do movimento de renovação da escultura no século XIX. Sua obra seguiu caminhos paralelos aos da pintura impressionista, sua contemporânea, e foi a partir das criações de Rodin que iniciou-se verdadeiramente a tradição moderna na escultura. Estas inovações só foram possíveis a partir das teorias desenvolvidas pelo impressionismo e sua nova maneira de encarar o papel da luz nas obras de arte.

A contribuição de Rodin inovou a técnica escultórica em diferentes sentidos. Primeiro incorporando em suas criações exatamente os princípios da pintura impressionista, deixando suas obras sempre com um aspecto inacabado, esboçado, o que representava uma ruptura com as técnicas “realistas” consagradas na escultura e abrindo caminhos para técnicas mais propriamente modernistas, como o expressionismo. Em segundo lugar houve a intenção clara de representar os momentos e gestos fugazes de seus modelos – o que era por si só uma extensão dos próprios temas impressionistas de retratar a vida cotidiana em seus pequenos gestos e momentos transitórios. Era uma inovação significativa em comparação com os temas históricos, mitológicos ou alegóricos do neoclassicismo e do romantismo que dominavam totalmente as técnicas escultóricas.

Cabeça de Balzac.

Por fim, e esta talvez tenha sido a mais importante contribuição de Rodin, ele introduziu pela primeira vez na escultura a percepção da luz nas obras – ideia extraída também das descobertas impressionistas -, passando a modelar suas esculturas em função da luz a qual ela seria exposta. Foi uma inovação extraordinária, pois pela primeira vez, um escultor se preocupava – e esta preocupação se refletia em uma técnica - não com o aspecto geral da obra em si mesma, mas com ela em relação direta com o  tipo de luz do ambiente em que ela estaria exposta.

Suas esculturas, deste modo, incorporavam as variações da luz em sua maneira de se apresentar, variando seu aspecto geral de acordo com ela, com o movimento da luz e da sombra sobre sua superfície ao longo de um dia.

O principal motor da técnica de Rodin era de inspiração realista, da mesma forma que o impressionismo foi um desenvolvimento do realismo. O conteúdo de suas obras, porém, teve grande influência do simbolismo francês. Sua preocupação, portanto, não era o simples retrato naturalista de suas figuras, mas o de apresentar uma imagem quase ideal de seus temas, procurando, através do tipo de técnica que empregava, trazer à superfície, o conteúdo subjetivo das peças a partir de seu modelado. Desta maneira, em trabalhos como O Beijo, ou O Pensador, duas de suas obras primas, o escultor buscou encontrar a forma ideal destes conceitos. No primeiro caso, é ressaltado o sentido de entrega, afeto e envolvimento emocional do casal no ato do beijo, tanto na delicadeza da pose da figura masculina, quanto na completa entrega passional expressa pela pose da figura feminina. Já em O Pensador, o escultor procurou expressar o ato da reflexão em todo o conjunto da pose de seu modelo. Todo o seu corpo foi tensionado para expressar a profundidade das reflexões que ele deveria indicar, desde a rigidez de sua testa, a contração de seus lábios, as narinas dilatadas, a curvatura de suas costas, o braço que apoia seu queixo e a contração de todos os músculos de seu corpo de um modo geral.

O Pensador.

Outra obra de grande valor onde se vê claramente aplicados estes princípios é a escultura Nijinski, espécie de representação simbólica do grande bailarino russo. Nesta peça, os traços e a fisionomia de Nijinski aparecem totalmente estilizadas, a ponto de torná-lo irreconhecível. A beleza e grandeza do dançarino apresentam-se, ao contrário, em sua pose, que expressa, como um todo, a tensão física e o movimento característicos do balé modernista que ele interpretava.

Auguste Rodin introduziu, com estas noções, um novo mundo de possibilidades expressivas na escultura, revolucionando esta arte e indicando o caminho que seria trilhado pelas jovens gerações da vanguarda artística do século XX.
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Modernismo é tema de exposição no MAC

8 de novembro de 2011
O museu apresenta uma reunião de 150 obras dos trabalhos mais significativos de artistas da primeira geração modernista em relação com expoentes do modernismo europeu do mesmo período

Estreou no último mês no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, uma mostra panorâmica do modernismo brasileiro, destacando suas relações com a arte moderna europeia. A partir da comparação entre estas duas tradições, vê-se muito claramente as ideias e técnicas que constituíram a gênese deste movimento de renovação das artes nacionais.

Entre os brasileiros, estão os principais nomes de diferentes gerações. Dos artistas de 22, há Anitta Malfatti, Lasar Segall, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Victor Brecheret e  Antônio Gomide. Ao lado deles, em contraste com suas obras, há os trabalhos de modernistas europeus, como  Henry Matisse,  Wassily Kandinsky,  Pablo Picasso e Fernand Léger.

A obra de Picasso e Matisse foram pedras de toque no desenvolvimento das técnicas modernistas no Brasil, a simplificação e geometrização das formas derivam principalmente das contribuições destes dois artistas pioneiros, praticamente todos os nossos modernistas assimilaram estas ideias. Já Kandinsky é um exemplo do expressionismo europeu, uma tendência também recorrente na arte nacional do período, que marcou principalmente as obras de Malfatti e Segall, mas que apresenta uma relação mais direta com o gaúcho Iberê Camargo, ou mesmo com Tomie Ohtake, nomes de destaque entre as tendências expressionistas nas artes brasileiras. Um caso muito interessante é a grande influência que o cubismo de Léger teve sobre Tarsila do Amaral, suas cores vivas e formas circulares foram assimiladas de uma forma muito particular pela pintora, que colocou tais técnicas também a serviço de um novo conteúdo, diretamente ligado à realidade nacional.

Um pouco mais jovens são os artistas Flávio de Carvalho e Ismael Nery, que, iniciando suas atividades no final da década de 1920, apresentaram uma influência muito mais forte do surrealismo em suas obras. O mesmo acontece também com Maria Martins, uma geração mais jovem. Ao lado de suas obras, estão os trabalhos dos expoentes da chamada “pintura metafísica”, os italianos Giorgio De Chirico e Giorgio Morandi, uma corrente menor da arte da época mas que teve bastante comunicação com as ideias surrealistas, tomadas mais tarde como precursoras de seu programa. Mais propriamente surrealista, e muito admirado por Maria Martins e Oswaldo Goeldi, são as gravuras do austríaco Alfred Kubin. Vê-se ainda a influência do russo Marc Chagall em determinadas obras de Neri. Flávio de Carvalho, que desenvolveu também uma tendência expressionista em seus trabalhos, está presente série Minha Mãe Morrendo, trabalho de grande dramaticidade, presente ao lado da tela de Karel Apel, Cabeça Trágica.

Dos artistas do pós-guerra, estão os trabalhos abstratos de Lygia Clark e Waldemar Cordeiro, cujas tendências geométricas tem um paralelo direto com trabalhos de artistas mais velhos, como o norte-americano Alexander Calder ou o suíço Max Bill, que serviram de modelo para os artistas do concretismo e do neoconcretismo.

Além da comparação muito interessante entre as diferentes correntes modernas das artes internacionais com o nosso modernismo, um dos pontos fortes da mostra é apresentar não apenas os expoentes destas tradições, mas também nomes obscuros de artistas estrangeiros que, apesar disso, tiveram importante influência no Brasil.

A exposição, localizada no prédio provisório do MAM, no Parque do Ibirapuera, permanecerá aberta a visitação até o fim de janeiro de 2012.

Divulgação:

Modernismos no Brasil
MAC – Museu de Arte Contemporânea.
Parque do Ibirapuera - Av. Pedro Álvares Cabral, s/n.
De terça a domingo, das 10h às 18h.
Até 29 de janeiro de 2012.
Entrada Franca.
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Ike Turner, o rock e o movimento negro norte-americano

5 de novembro de 2011

Se estivesse vivo, o músico negro Ike Turner estaria completando hoje 80 anos. Ele foi um dos pioneiros do rock e um dos expoentes da música soul em seu país


Álbum da fase rock'n'roll de Ike Turner.
Ike Turner foi um dos pioneiros do rock’n’roll. Da mesma forma que outros negros que ajudaram a formar a identidade musical do rock, como Bo Diddley ou Fats Domino, a importância de sua contribuição acabou encoberta pela popularidade que os músicos brancos passaram a adquirir no período de expansão do movimento. Um fenômeno que se deu diretamente como produto da opressão do negro nos EUA, a partir da manipulação das figuras do movimento pela burguesia da indústria fonográfica e de seus funcionários, tanto nos jornais quanto na televisão e no rádio, nas gravadoras, nas lojas e entre a crítica especializada. Uma grande máquina que habilmente colocou para o segundo plano os expoentes negros do mais popular movimento musical daquele país se segregado.

Ike Turner nasceu no Mississipi e desde os oito anos já tocava piano e violão. Ele cresceu entre uma comunidade branca ultraconservadora e abertamente racista, que levou a um episódio traumático em sua infância, quando seu pai foi espancado quase até a morte, o que o deixou três anos recluso como inválido, até se recuperar totalmente das seqüelas do espancamento. Uma situação familiar das mais violentas o levou também, muito rapidamente, a buscar na música alguma fonte de satisfação.

Anos mais tarde, na escola, ele formou o grupo com o qual iria permanecer por longo período, o Kings of Rhythm. Foi ao lado deste grupo que Turner gravou um dos singles fundadores do rock’n’roll, a música Rocket 88. Discute-se ainda hoje se não teria sido esta a primeira gravação do rock, competindo com o single Fat Man, de Fats Domino, por exemplo, de 1949.
Uma contribuição significativa de Turner para o rock, foi a introdução da distorção na guitarra, recurso que ele descobriu acidentalmente no estúdio e que foi registrado naquela gravação de Rocket 88.
A dupla Ike e Tina Turner em meados da década de 1960.
Como seria uma constante no rock desta época, não seria Ike Turner a surgir nas rádios tocando aquela musica enérgica e inovadora, mas um branco. Quem o faria seria o músico Bill Halley, outro dos pioneiros do rock, talvez o primeiro branco de talento a aderir à nova música.

Halley se interessa pelo novo ritmo após ouvir justamente as canções do grupo de Ike Turner, e suas primeiras gravações, foram justamente regravações de Rocket 88 e Rock this Joint. Apresentando estes covers de Turner, Halley consegue um sucesso relativo entre o público branco, que o estimula a continuar. Deste modo, no ano seguinte, em 1952, ele grava Crazy Man Crazy, que se torna o primeiro rock a entrar nas paradas de sucesso das rádios de todo país. O rock’n’roll começa neste momento a se transformar em um fenômeno nacional.
Ike e Tina Turner na década de 1970.



Certamente que havia ainda grande espaço para os músicos negros desenvolverem seu trabalho, principalmente entre o público negro, o que efetivamente aconteceu. Tanto Turner, quanto Little Richard, Fats Domino e Chuck Berry tornaram-se músicos extremamente influentes, mas para o público em geral, foram colocados sempre em segundo plano em relação aos brancos, que inclusive elegeram um “rei do rock” branco, Elvis Presley.

Isso aconteceu não pelo simples desejo da burguesia de “esconder” o negro, mas porque o surgimento do rock’n’roll tocava em uma questão política central dos Estados Unidos, que eram as leis de segregação racial. A popularização de um fenômeno cultural tão amplo como aquele, liderado por negros, colocava em xeque toda a política racial do país, abrindo caminho para uma crescente contestação daquelas leis absurdas pela população, em particular os jovens.
Daí que os músicos brancos do rock foram encarados pelos empresários da indústria musical como um remédio necessário para se reverter este processo que parecia irremediável de “mistura” das duas populações.

Finalmente, esta política, mesmo que bem orquestrada, fracassou. O rock era parte de um vigoroso movimento negro que voltava a se radicalizar no país, e que a partir de 1955 abriria uma crise nacional que só seria estancada pela burguesia na década de 1970, após lutas importantes que terminaram com a derrubada de fato, das leis de segregação.

Ike Turner, que começou sua atividade como músico de rhythm & blues, atravessou essa fase como um expoente do rock, e avançou, nas décadas seguintes, para outros gêneros da música negra que foram também parte indissociável do movimento político dos negros norte-americanos, como o soul e o funk, das décadas de 1960-70. O ponto mais alto de sua carreira foram os anos em que tocou ao lado de sua esposa, Tina Turner. As muitas brigas do casal, e inclusive inúmeros episódios de espancamento da mulher, levaram ao fim da união. Ike Turner, ainda manteve uma carreira solo bem sucedida, mas o uso cada vez mais intensivo de cocaína e crack, acabaram com sua música na década de 1980. Foi o vício que levou à sua prisão, em 1991, e à sua morte, por overdose de cocaína, em 2007.

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Luchino Visconti, o narrador da decadência capitalista

3 de novembro de 2011

Nascido em 2 de outubro de 1906, há 105 anos, o cineasta concebeu uma obra fundamental pelas questões sociais e políticas que destaca em seus filmes

Hoje se completa 105 anos do nascimento do italiano Luchino Visconti, um dos mais representativos nomes do cinema. Tendo iniciado sua atividade vinculado ao cinema neo-realista, Visconti desenvolveu-se mais tarde como um dos maiores estetas do cinema de seu país e do mundo de um modo geral. O tema que marcou sua obra de modo quase obsessivo foi também um dos temas mais presentes neste século: a decadência da sociedade burguesa, analisada de diferentes maneiras em seus filmes, que são também algumas das maiores obras primas do cinema mundial.


Este interesse do diretor não é estranho. Visconti era ele mesmo membro de uma tradicional e aristocrática família da burguesia italiana, relacionada com o ambiente artístico nacional. Seu pai dono da maior empresa farmacêutica do país era também um dos financiadores do teatro La Scala de Milão.


Ele viveu assim diretamente o processo de decadência em que vivia a classe dominante italiana, uma burguesia que mal conseguia se sustentar por si mesma, e que em um período de grande crise, foi impelida de entregar seu  governo nas mãos de Benito Mussolini, o arquiteto do fascismo.

Durante o governo Mussolini, Visconti foi um dos críticos da revista Cinema, de Roma, ligada a figuras do governo fascista, e constituiu sua obra a partir de sua ruptura com o regime, quando se aproximou do movimento de massas italiano já no período final da Segunda Guerra, quando se associou à Resistência.


O cineasta foi um dos iniciadores, neste momento, do  cinema neo-realista na Itália, criador de uma das obras precursoras do movimento, Obsessão. O filme acabou censurado pelo governo fascista por retratar o descontentamento, a miséria e a desilusão das classes trabalhadoras no período.


Se no primeiro período de sua obra, marcado por filmes como Obsessão, Terra Treme, e Belíssima o cineasta retratou a luta desesperada dos trabalhadores por melhores condições de vida, terminando invariavelmente derrotados; em seus filmes seguintes, o diretor mantém seu foco ainda nas camadas mais populares da população, na pequena burguesia e a classe operária, mas seus filmes a partir daí tornam-se tecnicamente mais sofisticados. Em Noites Brancas e Rocco e Seus Irmãos a decadência é ainda uma constante. Se no primeiro, adaptação da obra homônima de Dostoievski, seus protagonistas são duas figuras isoladas e amarguradas, deslocadas em seu meio social – tema que seria retomado mais tarde em O Estrangeiro de Camus -; no segundo filme este mesmo problema é transportado para as grandes cidades italianas, onde uma família de camponeses sofre um crescente processo de dispersão em meio às influências corruptoras da vida urbana. O centro da obra é um dos irmãos, o mais frágil deles, que cai na marginalidade depois de se envolver com uma prostituta.

Cena do filme Deuses Malditos, retratando os anos de consolidação do regime nazista na Alemanha.
Enquanto que até aí a decadência da sociedade moderna é mostrada do ponto de vista dos oprimidos, dos desgarrados sociais que sofrem as brutais imposições do capitalismo monopolista; na obra seguinte do diretor, O Leopardo, adaptado do clássico de Giuseppe Tomasi di Lampedusa; estas mesmas questões são tratadas do ponto de vista da burguesia decadente. Em O Leopardo, que se passa em meio ao Resorgimento italiano, na década de 1860, seu protagonista é um aristocrata decadente que se vê confrontado com estes tempos de transformação social ao mesmo tempo em que se sente excluído deste movimento. Ele era o retrato de determinados extratos da burguesia italiana do pós-guerra, após a derrocada do regime fascista.


Em outra obra-prima de Visconti, Os Deuses Malditos, a ação é transportada para a Alemanha nazista, mostrando a maneira como o regime de Adolf Hitler assumiu o controle do país submetendo os próprios industriais alemães. O filme é uma obra prima do cinema político, acompanhando todos os passos o processo de manipulação dos elementos da família até colocar à frente da empresa seu membro mais frágil, diretamente controlado pelos nazistas. Este movimento acompanhava também o próprio processo de consolidação dos nazistas à cabeça do regime político alemão, situação necessária para o imperialismo germânico se lançar à Segunda Guerra.

Este processo de alienação social da burguesia europeia, a sua brutal decadência como classe, é retratada ainda em obras como Luís da Baviera, rei que distancia-se dos assuntos de Estado para viver em função de prazeres sensuais e estéticos; e a obra-prima Morte em Veneza, que acompanha as semanas em que um intelectual decadente passa na cidade italiana, acabando por ficar obcecado pela beleza juvenil de um adolescente hospedado em seu hotel.


Criando estas e outras obras que giram em torno deste tema, sempre recorrente, Visconti destacou um dos aspectos mais permanentes na atual etapa histórica do capitalismo, que é o período de decadência de sua dominação. Crise revelada nas obras de Visconti tanto do ponto de vista do modo de vida desta burguesia, quanto de seus valores, de suas instituições, da maneira como conduz seus negócios e os reflexos desta crise nos demais extratos da sociedade, na pequena burguesia e nos trabalhadores. Como grande narrador da crise da sociedade moderna, Luchino Visconti foi dos maiores realizadores do cinema.

Ivan Turguêniev e a geração dos niilistas russos

29 de outubro de 2011

Em 1862, Ivan Turguêniev via-se no centro de uma das mais acaloradas polêmicas que já haviam agitado o universo da intelligentsia russa. No centro dos debates, estava a publicação recente de sua quarta novela, Pais e Filhos


Em 1862, Ivan Turguêniev via-se no centro de uma das mais acaloradas polêmicas que já haviam agitado o universo da intelligentsia russa. No centro dos debates, estava a publicação recente de sua quarta novela, Pais e Filhos. À frente dos debates, em campos opostos, estavam os representantes de duas gerações da intelectualidade que representavam duas etapas distintas na evolução da consciência revolucionária russa.


De um lado estava a geração de 1840, da qual fazia parte o próprio Turgueniev; de outro, a de 1860, representada por jovens cujo radicalismo parecia ir muito além da compreensão geração anterior.


A geração de 1840 era formada por liberais radicais cujas ideias foram diretamente influenciadas pela segunda onda das revoluções burguesas que começavam a tomar conta da Europa. Constituindo-se como republicanos e abolicionistas, estes jovens fizeram da luta pela libertação dos servos russos, o centro de suas preocupações. Turguêniev era um representante típico desta geração. Na adolescência foi um poeta romântico formado sob a influência da poesia política de Byron, foi amigo do anarquista russo Mikhail Bakunin e de intelectuais de proa da geração de 1840, figuras como Bielinski, Granovski, Stanquevitch, Nevérov e Efrémov, uma geração que teve uma importância capital na evolução da consciência política russa, sendo eles os responsáveis pela introdução do pensamento de Hegel em seu país. Em todas as suas ações e interesses, Turguêniev expressava a atitude crítica desta geração face à sociedade estabelecida russa. Jovem artistocrata, ele teve um relacionamento passional com uma serva, com quem teve seu primeiro filho; anos mais tarde, enamorou-se de uma célebre cantora, Paulina Viardot, mulher casada, mas por quem o escritor foi apaixonado por toda a vida. Mais tarde, após a morte de sua mãe, Turguêniev libertaria sem hesitação todos os servos de sua propriedade. Este seu veemente liberalismo iria se materializar com grande força em sua primeira obra-prima, o ciclo de contos Histórias de um Caçador, publicado em 1852, livro que teve uma extraordinária influência no País e tornou-se uma das bíblias de sua geração. Nestes retratos da vida simples dos camponeses russos expressavam-se seus ideais abolicionistas.


Após muita crise política, o decreto assinado pelo czar colocando um fim da servidão viria finalmente apenas em 1861, acontecimento que em grande medida, encerra a luta política que havia se tornado a força motriz do desenvolvimento da geração de 1840. O próprio Turguêniev, apesar de ainda escrever grandes livros nos anos seguintes, ingressaria em um processo de decadência intelectual. De um modo ou de outro, o escritor sempre expressou em seus livros, sua falta de confiança na efetividade da luta prática. Ele amadureceu como um retratista do fracasso das lutas de sua geração em defesa do ideal que todos cultivavam. Essa concepção era fruto das próprias experiências de sua geração aliadas com uma incompreensão das causas que realmente haviam levado à reforma, que apareceu diante de todos como uma iniciativa “benevolente” vinda de cima, sem qualquer relação com a crise aberta em grande medida pelo trabalho de luta e denúncias destes intelectuais em seus jornais, artigos, e romances, no caso de Turguêniev.

Estes problemas estariam na base dos conflitos entre os homens da época de Turguêniev e a geração seguinte.


Apesar da emancipação dos servos ter levado a uma dispersão dos intelectuais de 1840, a reforma promovida pelo czarismo revela-se nos anos seguintes uma farsa. Os mais de vinte milhões de camponeses, após alcançarem sua “libertação”, viram-se atirados à miséria mais completa e submetidos a um processo de exploração ainda mais agressivo do que antes. Esta conclusão provocou uma profunda desmoralização naqueles homens de 1840 e esta foi a linha divisória entre eles e a juventude que atinge sua maturidade em 1860.


A nova geração da militância russa atinge sua maturidade política no período imediatamente posterior à reforma, concluindo daí que eram necessárias atitudes muito mais radicais para se sanar o problema da miséria russa, que era o centro de todos os debates.

Para formular suas conclusões políticas, eles de fato vão muito mais longe em suas críticas ao czarismo do que foi capaz a intelligentsia de 1840. Suas críticas estendiam para todas as esferas da vida social e para todas as instituições czaristas, incluindo aí a elaboração de um programa artístico extraordinariamente radical. Para estes jovens críticos, a “técnica” artística deixa de ter qualquer importância nas obras, analisando tão somente qual o conteúdo social que ela expressava. A partir daí, toda a literatura russa foi submetida a um profundo processo de revisão. Escritores como Pushkin e Lermontov foram taxados como decadentes, tidos como escritores que adornavam com forma artística ideias sem qualquer interesse geral para sociedade. A parte dos muitos equívocos e injustiças que tais críticas realizaram, foi um processo muito importante na formulação de um programa revolucionário, com diretrizes que colocavam no centro da discussão o compromisso do homem russo - em qualquer esfera de atividade em que se encontrasse -, com o povo e a luta pelo desenvolvimento nacional.


Não era, portanto, estranho de se perceber o quanto este radicalismo profundo parecia incompreensível ao pensamento mais moderado dos liberais de 1840. Turguêniev em particular havia se formado como um grande admirador da forma artística, autor de uma literatura que primava pela concisão, precisão e clareza das ideias, um discípulo de Flaubert e um grande esteta literário.
Ele mantinha também uma série de valores que eram totalmente desprezados pela geração de 1860. O contraste entre os pontos de vista das duas gerações era justamente o centro da história que se desenvolvia em Pais e Filhos.

Di Cavalcanti e a defesa de uma arte social

27 de outubro de 2011

No segundo pós-guerra, Di Cavalcanti tornou-se um notório crítico da pintura abstrata que se desenvolvia no período. Sua crítica pode ser equivocadamente interpretada como uma defesa do realismo socialista, mas seria um equívoco que merece ser debatido

Emiliano Di Cavalcanti, ao lado de Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, foi um dos grandes nomes da pintura modernista da geração de 22. Da mesma forma que outros importantes nomes deste modernismo, como Oswald de Andrade e Pagu, ao longo da década de 1920, Di Cavalcanti acompanha a onda de radicalização, fruto da polarização da burguesia nacional que se preparava para a Revolução de 1930.

Já em 1926, simpatizante da luta da classe operária, ele ingressa no Partido Comunista Brasileiro, mantêm-se aí também no período de stalinização, e irá permanecer no partido até o segundo pós-guerra.

Uma questão que pode ser fonte de equívocos e merece ser debatida foi a tomada de posição de Di Cavalcanti contra a pintura abstrata. Certamente que sua concepção da arte era em grande medida influenciada pela própria defesa do PCB da doutrina do realismo socialista. O que, porém, seria um erro afirmar, é que sua concepção seria o próprio realismo socialista, e, a partir daí, impugnar sua posição, como também a posição de qualquer outro artista moderno em defesa de uma arte social.

São duas questões bem diferentes, mas que equivocadamente – e estimulada pela própria burguesia – são apresentadas como sendo uma única e mesma coisa.

O realismo socialista

O realismo socialista não foi uma determinada doutrina estética simplesmente. A arte realista, que aborda o cotidiano da vida dos trabalhadores, com temas políticos ou sociais, é uma corrente tão válida quanto qualquer outra. Se consistisse nisso o realismo socialista, nenhuma questão de maior relevância política seria travada nesse terreno, teríamos, quando muito, que discutir se cabe a um governo apoiar uma determinada corrente artística em detrimento de outras.

A questão é que esta é uma compreensão totalmente errada do que foi realmente o fenômeno do realismo socialista. Ele não foi a defesa de uma escola específica das artes e da literatura, mas, ao contrário, a tentativa de impor a todos os artistas, através do aparato repressivo do governo, uma determinada disciplina em seu trabalho criativo, de ditar um cânone para as artes. Esta ideia em si estava fadada ao fracasso, mas a questão também não se encerra aí.

Mais do que isso, o realismo socialista era uma ferramenta de controle sobre as artes. Ele não foi um movimento artístico ou uma defesa estética. Foi uma forma de introduzir no País uma política repressiva travestida de arte. A pretexto da instauração de regras formais a partir das quais a arte deveria ser produzida, a burocracia stalinista abriu caminho para um processo de censura das criações. Obviamente que todos aqueles que decidissem não se submeter aos cânones estabelecidos pelo governo eram imediatamente identificados como opositores políticos em potencial, e a partir daí, assediados de todas as formas. Em outras palavras, foi uma gigantesca operação de repressão e censura de toda a intelectualidade soviética, uma medida contrarrevolucionária que não encontra paralelo nem nos regimes monárquicos, que impunham através dos Salões Oficiais, um cânone oficial, com temas e técnicas rigidamente definidos. Naqueles tempos, porém, não existia um aparato repressivo organizado contra os que não se enquadrassem. A coação destes artistas contava antes, com o próprio consentimento destes, que voluntariamente se dispunham a adular seus monarcas.

O sistema organizado por Stálin era muito mais brutal, contava com a coação aberta dos artistas para que estes produzissem uma arte abertamente mentirosa. Através deste sistema, foram pintados milhares de quadros mostrando Stálin realizando grandes feitos que ele nunca realizou: por exemplo liderando a Revolução de 1917 em posição de muito maior destaque do que ele realmente teve, e escondendo verdadeiros líderes que, com o passar dos anos, ingressaram na oposição ao regime burocrático – o caso mais importante certamente foi a “limpeza” dos arquivos e da memória nacional a importância de Trótski na revolução. O mesmo se deu também na literatura. Romances, contos e novelas pseudorrealistas e pseudosocialistas inventando livremente uma nova história para a Revolução Russa e a luta contra o czarismo, na qual a burocracia emergia como um panteão católico, com santos e profetas, ao mesmo tempo em que os opositores eram demonizados.

No importante Manifesto da FIARI: Por Uma Arte Revolucionária Independente, escrito em parceria entre Trótski e o poeta André Breton, e assinado por Breton e Diego Rivera por questões políticas, há uma importante condenação desta operação reacionária: “Sob a influência do regime totalitário da URSS e por intermédio dos organismos ditos “culturais” que ela controla nos outros países, baixou no mundo todo um profundo crepúsculo hostil à emergência de qualquer espécie de valor espiritual. Crepúsculo de abjeção e de sangue no qual, disfarçados de intelectuais e de artistas, chafurdam homens que fizeram do servilismo um trampolim, da apostasia um jogo perverso, do falso testemunho venal um hábito e da apologia do crime um prazer. A arte oficial da época estalinista reflete com uma crueldade sem exemplo na história os esforços irrisórios desses homens para enganar e mascarar seu verdadeiro papel mercenário”.

Em outras palavras, não é que o realismo socialista não fosse uma iniciativa revolucionária, ele não era nem mesmo uma iniciativa artística. Foi uma política repressiva ultrarreacionária travestida de arte, cuja finalidade era tão somente dar alguma sustentação a um regime político sem qualquer apoio popular. Esta é a verdadeira origem desta operação, a grande fraqueza do regime burocrático, que para se manter no poder teve de suprimir toda e qualquer opinião independente no país.

A maneira correta de se entender o realismo socialista é como uma mera extensão dos processos de perseguição e assassinato da oposição ao governo burocrático instaurado pelo stalinismo.
A defesa da arte social

Feitas estas considerações, é importante destacar que Di Cavalcanti não compreendia a questão nestes termos. Sua arte, apesar de figurativa, nunca foi realista nos termos apresentados pelo realismo socialista, e seus temas sociais, também nada tinham a ver com a exaltação rasteira dos “grandes líderes” do stalinismo internacional. Desde a década de 1920, o pintor foi sempre fiel à sua própria forma de expressão, um produto típico do primeiro modernismo.
Em uma entrevista de 1948 publicada no jornal Folha da Noite, ele expressou bem suas posições: “o que se chama abstracionismo é uma teoria que vem do fim da primeira grande guerra e que se repete no fim desta, agora, conjuntamente com o existencialismo. As características ‘niilistas’ dessa já sovada estética e sua inadaptação social demonstrou o seu fundo mórbido e desesperado. É arte de homens vencidos, sobretudo pela solidão intelectual em que se colocaram. Eles querem superar a realidade sem alcançar a grandeza total da realidade de nossa época, esse majestoso movimento de encontro dos homens comuns para uma comunidade humana, onde a autenticidade do esforço individual não há de ferir a sensibilidade coletiva. A noção romântica do super-homem ruiu, a noção de uma super-arte há de ruir também”.

No caso de Di Cavalcanti, sua tomada de posição de uma arte figurativa era antes a manifestação de seu compromisso de fazer uma arte ligada à realidade social brasileira, era de fato uma verdadeira defesa “de escola”. Sua condenação da pintura abstrata estava ligada às próprias concepções do artista sobre o significado destas tendências. Nada mais natural para um pintor que se formou no interior de um movimento de tendências revolucionárias, ligado inicialmente ao nacionalismo burguês e que mais tarde evoluiu para ao socialismo. Seu interesse artístico naturalmente voltou-se para o retrato de seus ideais políticos, incompatíveis com qualquer expressão abstrata. O conteúdo verdadeiro de sua condenação da pintura abstrata é a condenação de uma filosofia da “arte pela arte”, desvinculada de qualquer objetivo social maior, o que no caso dele é perfeitamente compreensível.
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A 21 de outubro de 1969 morria Jack Kerouac

21 de outubro de 2011

No momento que cresce a radicalização política na década de 1960, o movimento beat é tragado por ele. Kerouac, porém, que nestes anos torna-se um dos escritores mais influentes de seu país, havia já se tornado um misantropo, vindo a morrer na solidão, completamente alheio às lutas que se desenvolviam

 

Na década de 1950, a partir da reorganização econômica dos Estados Unidos, começou a prosperar do país um clima político dos mais conservadores. A crise social que se instalou aí era proporcional às contradições que este panorama apresentava e foi como resultado delas que Kerouac produziu sua literatura.


No segundo pós-guerra o nível de controle que o imperialismo passa a exercer sobre a sociedade como um todo era proporcional ao seu caráter reacionário. Deste modo, a propaganda positiva sobre os novos triunfos da economia dos Estados Unidos, sobre as maravilhas do “modo de vida americano”, e as conquistas que os novos bens que a sociedade de consumo podia oferecer, era proporcional à falta de vitalidade do imperialismo, à verdadeira estagnação em que o mundo vivia, e à falta de perspectivas e possibilidades de verdadeiro desenvolvimento para a população.

Entre as pessoas mais esclarecidas ou sensíveis a este problema, o clima social do país tornou-se intragável. Enquanto tudo ao redor transpirava mediocridade, todos tentavam fazer crer que aquela era uma sociedade verdadeiramente próspera.

A revolta contra aquele estado de coisas partiu, naturalmente, do setor que vivia à margem destes benefícios. Que era obrigado a ver e ouvir todo dia estas exclamações positivas sobre os novos rumos do País, mas que de fato percebia que tudo não passava de uma fraude, de uma fachada colocada diante de um panorama de devastação.


A aspiração por outros valores, por outros modelos de vida que se opusessem ao modelo estabelecido, estava na base das viagens incessantes que jovens como Jack Kerouac realizaria através dos Estados Unidos ao longo de toda a década de 1950.


Em sua obra-prima, On The Road, Kerouac destaca que por trás daquelas travessias, estava o puro anseio por se movimentar, por dar vazão à sua inquietação. Era a maneira como ele expressava esta busca por valores à margem da ideologia burguesa.


Nestas travessias, ele se ligaria a outros jovens marginalizados como Allen Ginsberg, Neal Cassady. William Burroughs, Lawrence Ferlinghetti e Gregory Corso, que, entre outros, ajudariam a renovar a literatura norte-americana da segunda metade do século XX.


É significativo que um movimento de jovens proletários e sem grande erudição tenha realizado a tarefa, o que mostra o nível de crise que estava instalada naquela sociedade dos “anos dourados”. Não era preciso muita sofisticação para ver a mediocridade que representava aquele estado de coisas.


Em suas andanças, estes escritores desenvolveriam uma ideologia vagamente religiosa, voltada principalmente para as doutrinas orientais, que foi uma das formas que eles encontraram para se opor ao materialismo rasteiro, à venalidade da mais atroz que havia se solidificado como um verdadeiro valor positivo entre aquelas famílias de classe média dos subúrbios norte-americanos.

Eles também haviam abandonado completamente a ideia de constituição de uma família, de ter uma carreira nos moldes capitalistas, de acumular bens. A vida errante tornou-se uma doutrina, o liberalismo sexual, um modo de se expressar, e o completo desapego das formas convencionais de existência, uma manifestação de desprezo pelo valores estabelecidos.

Como representante de uma pequena boemia isolada, Kerouac, o mais importante destes escritores, desenvolveu-se como um verdadeiro misantropo, um grande desiludido da vida em sociedade. Não é por acaso, portanto, que quando aquele estrito movimento de libertação se transforma em um grande movimento nacional de contestação da ordem estabelecida, ele tenha ficado à margem do processo, vindo mesmo a se manifestar energicamente contra o que estava ocorrendo. Era, obviamente, uma confusão do escritor, revelando que ele mesmo não tinha claro o sentido mais profundo de sua própria revolta.


A verdade é que o movimento beat é engolido pela nova onde de radicalização, e cada um destes escritores desenvolve-se por um caminho independente a partir de então. Burroughs continua vivendo no isolamento, dedicado a obras experimentais insólitas ligadas à influência do dadaísmo e do surrealismo. Neal Cassady abraça como uma grande aventura o novo estilo de vida hippie, vindo a morrer de overdose em meio às suas travessias pelo País. Ginsberg, que era politicamente o mais radical destes escritores, destaca-se entre a nova geração como uma espécie de guru espiritual, é uma de suas grandes vozes literárias, chegando a influenciar outras personalidades importantes desta geração como Bob Dylan.


O autor de On The Road, o romance mais influente da geração de 1960 nos Estados Unidos, em sua desilusão, afunda no alcoolismo e no isolamento da casa de sua mãe, onde irá morrer, ironicamente durante o canto do cisne na nova geração, em 1969.