terça-feira, 29 de novembro de 2011

Ivan Turguêniev e a geração dos niilistas russos

29 de outubro de 2011

Em 1862, Ivan Turguêniev via-se no centro de uma das mais acaloradas polêmicas que já haviam agitado o universo da intelligentsia russa. No centro dos debates, estava a publicação recente de sua quarta novela, Pais e Filhos


Em 1862, Ivan Turguêniev via-se no centro de uma das mais acaloradas polêmicas que já haviam agitado o universo da intelligentsia russa. No centro dos debates, estava a publicação recente de sua quarta novela, Pais e Filhos. À frente dos debates, em campos opostos, estavam os representantes de duas gerações da intelectualidade que representavam duas etapas distintas na evolução da consciência revolucionária russa.


De um lado estava a geração de 1840, da qual fazia parte o próprio Turgueniev; de outro, a de 1860, representada por jovens cujo radicalismo parecia ir muito além da compreensão geração anterior.


A geração de 1840 era formada por liberais radicais cujas ideias foram diretamente influenciadas pela segunda onda das revoluções burguesas que começavam a tomar conta da Europa. Constituindo-se como republicanos e abolicionistas, estes jovens fizeram da luta pela libertação dos servos russos, o centro de suas preocupações. Turguêniev era um representante típico desta geração. Na adolescência foi um poeta romântico formado sob a influência da poesia política de Byron, foi amigo do anarquista russo Mikhail Bakunin e de intelectuais de proa da geração de 1840, figuras como Bielinski, Granovski, Stanquevitch, Nevérov e Efrémov, uma geração que teve uma importância capital na evolução da consciência política russa, sendo eles os responsáveis pela introdução do pensamento de Hegel em seu país. Em todas as suas ações e interesses, Turguêniev expressava a atitude crítica desta geração face à sociedade estabelecida russa. Jovem artistocrata, ele teve um relacionamento passional com uma serva, com quem teve seu primeiro filho; anos mais tarde, enamorou-se de uma célebre cantora, Paulina Viardot, mulher casada, mas por quem o escritor foi apaixonado por toda a vida. Mais tarde, após a morte de sua mãe, Turguêniev libertaria sem hesitação todos os servos de sua propriedade. Este seu veemente liberalismo iria se materializar com grande força em sua primeira obra-prima, o ciclo de contos Histórias de um Caçador, publicado em 1852, livro que teve uma extraordinária influência no País e tornou-se uma das bíblias de sua geração. Nestes retratos da vida simples dos camponeses russos expressavam-se seus ideais abolicionistas.


Após muita crise política, o decreto assinado pelo czar colocando um fim da servidão viria finalmente apenas em 1861, acontecimento que em grande medida, encerra a luta política que havia se tornado a força motriz do desenvolvimento da geração de 1840. O próprio Turguêniev, apesar de ainda escrever grandes livros nos anos seguintes, ingressaria em um processo de decadência intelectual. De um modo ou de outro, o escritor sempre expressou em seus livros, sua falta de confiança na efetividade da luta prática. Ele amadureceu como um retratista do fracasso das lutas de sua geração em defesa do ideal que todos cultivavam. Essa concepção era fruto das próprias experiências de sua geração aliadas com uma incompreensão das causas que realmente haviam levado à reforma, que apareceu diante de todos como uma iniciativa “benevolente” vinda de cima, sem qualquer relação com a crise aberta em grande medida pelo trabalho de luta e denúncias destes intelectuais em seus jornais, artigos, e romances, no caso de Turguêniev.

Estes problemas estariam na base dos conflitos entre os homens da época de Turguêniev e a geração seguinte.


Apesar da emancipação dos servos ter levado a uma dispersão dos intelectuais de 1840, a reforma promovida pelo czarismo revela-se nos anos seguintes uma farsa. Os mais de vinte milhões de camponeses, após alcançarem sua “libertação”, viram-se atirados à miséria mais completa e submetidos a um processo de exploração ainda mais agressivo do que antes. Esta conclusão provocou uma profunda desmoralização naqueles homens de 1840 e esta foi a linha divisória entre eles e a juventude que atinge sua maturidade em 1860.


A nova geração da militância russa atinge sua maturidade política no período imediatamente posterior à reforma, concluindo daí que eram necessárias atitudes muito mais radicais para se sanar o problema da miséria russa, que era o centro de todos os debates.

Para formular suas conclusões políticas, eles de fato vão muito mais longe em suas críticas ao czarismo do que foi capaz a intelligentsia de 1840. Suas críticas estendiam para todas as esferas da vida social e para todas as instituições czaristas, incluindo aí a elaboração de um programa artístico extraordinariamente radical. Para estes jovens críticos, a “técnica” artística deixa de ter qualquer importância nas obras, analisando tão somente qual o conteúdo social que ela expressava. A partir daí, toda a literatura russa foi submetida a um profundo processo de revisão. Escritores como Pushkin e Lermontov foram taxados como decadentes, tidos como escritores que adornavam com forma artística ideias sem qualquer interesse geral para sociedade. A parte dos muitos equívocos e injustiças que tais críticas realizaram, foi um processo muito importante na formulação de um programa revolucionário, com diretrizes que colocavam no centro da discussão o compromisso do homem russo - em qualquer esfera de atividade em que se encontrasse -, com o povo e a luta pelo desenvolvimento nacional.


Não era, portanto, estranho de se perceber o quanto este radicalismo profundo parecia incompreensível ao pensamento mais moderado dos liberais de 1840. Turguêniev em particular havia se formado como um grande admirador da forma artística, autor de uma literatura que primava pela concisão, precisão e clareza das ideias, um discípulo de Flaubert e um grande esteta literário.
Ele mantinha também uma série de valores que eram totalmente desprezados pela geração de 1860. O contraste entre os pontos de vista das duas gerações era justamente o centro da história que se desenvolvia em Pais e Filhos.

Di Cavalcanti e a defesa de uma arte social

27 de outubro de 2011

No segundo pós-guerra, Di Cavalcanti tornou-se um notório crítico da pintura abstrata que se desenvolvia no período. Sua crítica pode ser equivocadamente interpretada como uma defesa do realismo socialista, mas seria um equívoco que merece ser debatido

Emiliano Di Cavalcanti, ao lado de Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, foi um dos grandes nomes da pintura modernista da geração de 22. Da mesma forma que outros importantes nomes deste modernismo, como Oswald de Andrade e Pagu, ao longo da década de 1920, Di Cavalcanti acompanha a onda de radicalização, fruto da polarização da burguesia nacional que se preparava para a Revolução de 1930.

Já em 1926, simpatizante da luta da classe operária, ele ingressa no Partido Comunista Brasileiro, mantêm-se aí também no período de stalinização, e irá permanecer no partido até o segundo pós-guerra.

Uma questão que pode ser fonte de equívocos e merece ser debatida foi a tomada de posição de Di Cavalcanti contra a pintura abstrata. Certamente que sua concepção da arte era em grande medida influenciada pela própria defesa do PCB da doutrina do realismo socialista. O que, porém, seria um erro afirmar, é que sua concepção seria o próprio realismo socialista, e, a partir daí, impugnar sua posição, como também a posição de qualquer outro artista moderno em defesa de uma arte social.

São duas questões bem diferentes, mas que equivocadamente – e estimulada pela própria burguesia – são apresentadas como sendo uma única e mesma coisa.

O realismo socialista

O realismo socialista não foi uma determinada doutrina estética simplesmente. A arte realista, que aborda o cotidiano da vida dos trabalhadores, com temas políticos ou sociais, é uma corrente tão válida quanto qualquer outra. Se consistisse nisso o realismo socialista, nenhuma questão de maior relevância política seria travada nesse terreno, teríamos, quando muito, que discutir se cabe a um governo apoiar uma determinada corrente artística em detrimento de outras.

A questão é que esta é uma compreensão totalmente errada do que foi realmente o fenômeno do realismo socialista. Ele não foi a defesa de uma escola específica das artes e da literatura, mas, ao contrário, a tentativa de impor a todos os artistas, através do aparato repressivo do governo, uma determinada disciplina em seu trabalho criativo, de ditar um cânone para as artes. Esta ideia em si estava fadada ao fracasso, mas a questão também não se encerra aí.

Mais do que isso, o realismo socialista era uma ferramenta de controle sobre as artes. Ele não foi um movimento artístico ou uma defesa estética. Foi uma forma de introduzir no País uma política repressiva travestida de arte. A pretexto da instauração de regras formais a partir das quais a arte deveria ser produzida, a burocracia stalinista abriu caminho para um processo de censura das criações. Obviamente que todos aqueles que decidissem não se submeter aos cânones estabelecidos pelo governo eram imediatamente identificados como opositores políticos em potencial, e a partir daí, assediados de todas as formas. Em outras palavras, foi uma gigantesca operação de repressão e censura de toda a intelectualidade soviética, uma medida contrarrevolucionária que não encontra paralelo nem nos regimes monárquicos, que impunham através dos Salões Oficiais, um cânone oficial, com temas e técnicas rigidamente definidos. Naqueles tempos, porém, não existia um aparato repressivo organizado contra os que não se enquadrassem. A coação destes artistas contava antes, com o próprio consentimento destes, que voluntariamente se dispunham a adular seus monarcas.

O sistema organizado por Stálin era muito mais brutal, contava com a coação aberta dos artistas para que estes produzissem uma arte abertamente mentirosa. Através deste sistema, foram pintados milhares de quadros mostrando Stálin realizando grandes feitos que ele nunca realizou: por exemplo liderando a Revolução de 1917 em posição de muito maior destaque do que ele realmente teve, e escondendo verdadeiros líderes que, com o passar dos anos, ingressaram na oposição ao regime burocrático – o caso mais importante certamente foi a “limpeza” dos arquivos e da memória nacional a importância de Trótski na revolução. O mesmo se deu também na literatura. Romances, contos e novelas pseudorrealistas e pseudosocialistas inventando livremente uma nova história para a Revolução Russa e a luta contra o czarismo, na qual a burocracia emergia como um panteão católico, com santos e profetas, ao mesmo tempo em que os opositores eram demonizados.

No importante Manifesto da FIARI: Por Uma Arte Revolucionária Independente, escrito em parceria entre Trótski e o poeta André Breton, e assinado por Breton e Diego Rivera por questões políticas, há uma importante condenação desta operação reacionária: “Sob a influência do regime totalitário da URSS e por intermédio dos organismos ditos “culturais” que ela controla nos outros países, baixou no mundo todo um profundo crepúsculo hostil à emergência de qualquer espécie de valor espiritual. Crepúsculo de abjeção e de sangue no qual, disfarçados de intelectuais e de artistas, chafurdam homens que fizeram do servilismo um trampolim, da apostasia um jogo perverso, do falso testemunho venal um hábito e da apologia do crime um prazer. A arte oficial da época estalinista reflete com uma crueldade sem exemplo na história os esforços irrisórios desses homens para enganar e mascarar seu verdadeiro papel mercenário”.

Em outras palavras, não é que o realismo socialista não fosse uma iniciativa revolucionária, ele não era nem mesmo uma iniciativa artística. Foi uma política repressiva ultrarreacionária travestida de arte, cuja finalidade era tão somente dar alguma sustentação a um regime político sem qualquer apoio popular. Esta é a verdadeira origem desta operação, a grande fraqueza do regime burocrático, que para se manter no poder teve de suprimir toda e qualquer opinião independente no país.

A maneira correta de se entender o realismo socialista é como uma mera extensão dos processos de perseguição e assassinato da oposição ao governo burocrático instaurado pelo stalinismo.
A defesa da arte social

Feitas estas considerações, é importante destacar que Di Cavalcanti não compreendia a questão nestes termos. Sua arte, apesar de figurativa, nunca foi realista nos termos apresentados pelo realismo socialista, e seus temas sociais, também nada tinham a ver com a exaltação rasteira dos “grandes líderes” do stalinismo internacional. Desde a década de 1920, o pintor foi sempre fiel à sua própria forma de expressão, um produto típico do primeiro modernismo.
Em uma entrevista de 1948 publicada no jornal Folha da Noite, ele expressou bem suas posições: “o que se chama abstracionismo é uma teoria que vem do fim da primeira grande guerra e que se repete no fim desta, agora, conjuntamente com o existencialismo. As características ‘niilistas’ dessa já sovada estética e sua inadaptação social demonstrou o seu fundo mórbido e desesperado. É arte de homens vencidos, sobretudo pela solidão intelectual em que se colocaram. Eles querem superar a realidade sem alcançar a grandeza total da realidade de nossa época, esse majestoso movimento de encontro dos homens comuns para uma comunidade humana, onde a autenticidade do esforço individual não há de ferir a sensibilidade coletiva. A noção romântica do super-homem ruiu, a noção de uma super-arte há de ruir também”.

No caso de Di Cavalcanti, sua tomada de posição de uma arte figurativa era antes a manifestação de seu compromisso de fazer uma arte ligada à realidade social brasileira, era de fato uma verdadeira defesa “de escola”. Sua condenação da pintura abstrata estava ligada às próprias concepções do artista sobre o significado destas tendências. Nada mais natural para um pintor que se formou no interior de um movimento de tendências revolucionárias, ligado inicialmente ao nacionalismo burguês e que mais tarde evoluiu para ao socialismo. Seu interesse artístico naturalmente voltou-se para o retrato de seus ideais políticos, incompatíveis com qualquer expressão abstrata. O conteúdo verdadeiro de sua condenação da pintura abstrata é a condenação de uma filosofia da “arte pela arte”, desvinculada de qualquer objetivo social maior, o que no caso dele é perfeitamente compreensível.
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A 21 de outubro de 1969 morria Jack Kerouac

21 de outubro de 2011

No momento que cresce a radicalização política na década de 1960, o movimento beat é tragado por ele. Kerouac, porém, que nestes anos torna-se um dos escritores mais influentes de seu país, havia já se tornado um misantropo, vindo a morrer na solidão, completamente alheio às lutas que se desenvolviam

 

Na década de 1950, a partir da reorganização econômica dos Estados Unidos, começou a prosperar do país um clima político dos mais conservadores. A crise social que se instalou aí era proporcional às contradições que este panorama apresentava e foi como resultado delas que Kerouac produziu sua literatura.


No segundo pós-guerra o nível de controle que o imperialismo passa a exercer sobre a sociedade como um todo era proporcional ao seu caráter reacionário. Deste modo, a propaganda positiva sobre os novos triunfos da economia dos Estados Unidos, sobre as maravilhas do “modo de vida americano”, e as conquistas que os novos bens que a sociedade de consumo podia oferecer, era proporcional à falta de vitalidade do imperialismo, à verdadeira estagnação em que o mundo vivia, e à falta de perspectivas e possibilidades de verdadeiro desenvolvimento para a população.

Entre as pessoas mais esclarecidas ou sensíveis a este problema, o clima social do país tornou-se intragável. Enquanto tudo ao redor transpirava mediocridade, todos tentavam fazer crer que aquela era uma sociedade verdadeiramente próspera.

A revolta contra aquele estado de coisas partiu, naturalmente, do setor que vivia à margem destes benefícios. Que era obrigado a ver e ouvir todo dia estas exclamações positivas sobre os novos rumos do País, mas que de fato percebia que tudo não passava de uma fraude, de uma fachada colocada diante de um panorama de devastação.


A aspiração por outros valores, por outros modelos de vida que se opusessem ao modelo estabelecido, estava na base das viagens incessantes que jovens como Jack Kerouac realizaria através dos Estados Unidos ao longo de toda a década de 1950.


Em sua obra-prima, On The Road, Kerouac destaca que por trás daquelas travessias, estava o puro anseio por se movimentar, por dar vazão à sua inquietação. Era a maneira como ele expressava esta busca por valores à margem da ideologia burguesa.


Nestas travessias, ele se ligaria a outros jovens marginalizados como Allen Ginsberg, Neal Cassady. William Burroughs, Lawrence Ferlinghetti e Gregory Corso, que, entre outros, ajudariam a renovar a literatura norte-americana da segunda metade do século XX.


É significativo que um movimento de jovens proletários e sem grande erudição tenha realizado a tarefa, o que mostra o nível de crise que estava instalada naquela sociedade dos “anos dourados”. Não era preciso muita sofisticação para ver a mediocridade que representava aquele estado de coisas.


Em suas andanças, estes escritores desenvolveriam uma ideologia vagamente religiosa, voltada principalmente para as doutrinas orientais, que foi uma das formas que eles encontraram para se opor ao materialismo rasteiro, à venalidade da mais atroz que havia se solidificado como um verdadeiro valor positivo entre aquelas famílias de classe média dos subúrbios norte-americanos.

Eles também haviam abandonado completamente a ideia de constituição de uma família, de ter uma carreira nos moldes capitalistas, de acumular bens. A vida errante tornou-se uma doutrina, o liberalismo sexual, um modo de se expressar, e o completo desapego das formas convencionais de existência, uma manifestação de desprezo pelo valores estabelecidos.

Como representante de uma pequena boemia isolada, Kerouac, o mais importante destes escritores, desenvolveu-se como um verdadeiro misantropo, um grande desiludido da vida em sociedade. Não é por acaso, portanto, que quando aquele estrito movimento de libertação se transforma em um grande movimento nacional de contestação da ordem estabelecida, ele tenha ficado à margem do processo, vindo mesmo a se manifestar energicamente contra o que estava ocorrendo. Era, obviamente, uma confusão do escritor, revelando que ele mesmo não tinha claro o sentido mais profundo de sua própria revolta.


A verdade é que o movimento beat é engolido pela nova onde de radicalização, e cada um destes escritores desenvolve-se por um caminho independente a partir de então. Burroughs continua vivendo no isolamento, dedicado a obras experimentais insólitas ligadas à influência do dadaísmo e do surrealismo. Neal Cassady abraça como uma grande aventura o novo estilo de vida hippie, vindo a morrer de overdose em meio às suas travessias pelo País. Ginsberg, que era politicamente o mais radical destes escritores, destaca-se entre a nova geração como uma espécie de guru espiritual, é uma de suas grandes vozes literárias, chegando a influenciar outras personalidades importantes desta geração como Bob Dylan.


O autor de On The Road, o romance mais influente da geração de 1960 nos Estados Unidos, em sua desilusão, afunda no alcoolismo e no isolamento da casa de sua mãe, onde irá morrer, ironicamente durante o canto do cisne na nova geração, em 1969.

40 anos da morte de Gene Vincent

16 de outubro de 2011 

Um dos expoentes do rock'a'billy, Vincent, da mesma forma que seus colegas, terminou morto precocemente como resultado da pressão do imperialismo sobre sua musica

Gene Vincent & his Blue Caps, capa do single Be-Bop-a-Lula, seu maior sucesso.
Hoje se completa 40 da morte do músico norte-americano Gene Vincent, que foi um dos principais representantes do que ficou conhecido como rock’a’billy, o gênero mais frenético e dançante da primeira fase do rock nos Estados Unidos.

Vincent começou sua atividade musical com músico country em Virgínia. Anos mais tarde, foi um dos primeiros músicos a tocar aquele novo e enérgico gênero musical que nascia por volta de 1955, uma das manifestações no terreno da cultura, da crise do “sonho americano” que já se anunciava. O nascimento do rock’n’roll coincidia com a retomada das lutas do movimento negro norte-americano por seus direitos civis e expressava a crescente radicalização da juventude. Inicialmente um gênero impulsionado por músicos negros, rapidamente o rock tornou-se um fenômeno geral da cultura jovem norte-americana, e mais tarde, mundial.

Eddie Cochran e Gene Vincent.

Em 1956 o grupo Gene Vincent & os Blue Caps lançou uma das músicas mais populares da história do rock, o single Be-Bop-A-Lula. Nos anos seguintes, os Blue Caps conceberam outras boas canções que ajudaram a consolidar o gênero: Bluejean Bop, Race With the Devil, Lotta Lovin', Crazy Legs e Baby Blue.


Vincent era um dos músicos mais populares dos Estados Unidos, quando em 1960, um acidente automobilístico quase o matou. Ele sobreviveu à batida, mas não teve tanta sorte o motorista do carro, seu amigo Eddie Cochran, outro dos grandes representantes daquele movimento musical. Este acidente poderia ser visto como um acontecimento puramente casual e isolado na época, mas de forma alguma a coisa foi assim.


Fazendo um balanço do desenvolvimento da primeira fase do rock’n’roll na década de 1950, seria impossível não comentar a maneira absolutamente destrutiva como a indústria dita “cultural” do imperialismo norte-americano atuou sobre estes músicos. Entre todos os roqueiros mais proeminentes praticamente não houve – com uma ou outra exceção, como Bill Halley ou Johnny Cash – que não tenha terminado totalmente destruído vítima do assédio das gravadoras, distribuidoras, da imprensa ou mesmo do próprio governo.


Para relacionar apenas alguns casos exemplares, temos o escândalo – casamento com sua prima de 13 anos – que baniu Jerry Lee Lewis dos meios músicas dos Estados Unidos em 1958. A prisão de Chuck Berry em 1959 o tornou também um músico proscrito por longos anos, e praticamente encerrou a parte mais importante e popular de sua carreira. Há, também em 1959, “o dia em que a música morreu”, quando três dos maiores expoentes deste primeiro rock morreram e um acidente aéreo: Ritchie Vallens, Buddy Holly e The Big Bopper. Que certamente não foi um acidente casual, mas produto da pressão dos empresários, dos shows intermináveis que realizavam naquela época, da “corrida contra o tempo” para se cumprirem as cláusulas de seus contratos.


Poucos anos mais tarde, em 1963, Little Richard, que vivia em meio à mesma loucura de shows pelo país, sobreviveu a um acidente aéreo que o levou a abandonar o rock, tornando-se pastor evangélico.


Elvis Presley, que foi assediado como nenhum outro músico, terminou vergonhosamente como porta-voz do governo norte-americano na música. Em 1958 foi usado para fazer campanha de alistamento no Exército, virando o bom moço do rock, o rapaz nacionalista, ao gosto do governo e dos empresários. Na década de 1960, foi inserido em Hollywood e foi afastado daquele movimento musical. Após quase uma década longe dos palcos – e após tornar-se também propagandista da política repressiva “antidrogas” do governo Nixon, em 1970 –, o período final de sua decadência foi entre os cassinos de Las Vegas, fase que terminou com sua morte por enfarte fulminante. Conclusão de anos de abuso de álcool e drogas.


Encarado de uma forma panorâmica, a história desta primeira safra de músicos do rock’n’roll é a história de como o imperialismo agiu implacavelmente para destruir aquela manifestação de revolta da juventude que tomava conta de toda a sociedade de uma forma implacável e assumiu a proporção de um movimento nacional, o prenúncio da radicalização política da década de 1960.


Apesar de Gene Vincent ter sobrevivido ao acidente de 1960, ele também não escaparia à pressão que afetou a todos os músicos de sua geração. Na década seguinte, cada vez mais ele afundou na depressão. Desiludido e alcoólatra, ele morreu em sua casa na Califórnia, em 1971, vítima de cirrose gástrica. Ele morria no mesmo momento em que a segunda geração do rock norte-americano sucumbia à mesma pressão: Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison morreram todos no intervalo de um ano, entre 1970 e 1971.

Pintura simbolista e a literatura negra da Renascença do Harlem no Caderno de Cultura da próxima semana

14 de outubro de 2011 

No próximo número de Causa Operária que irá às bancas a partir do próximo domingo, o Caderno Cultural analisará a obra de Odilon Redon e do norte-americano Countee Cullen
A partir do próximo domingo, os leitores poderão conferir na edição nº 660 de Causa Operária, duas matérias especiais analisando a obra de dois importantes artistas ainda em grande medida desconhecidos do grande público.

Um deles é o pintor francês Odilon Redon, autor de uma obra imaginativa, com grande ênfase em temas oníricos e fantásticos, que foi aclamado por escritores como Stéphane Mallarmé e Joris-Karl Huysman como o mais representativo pintor do movimento simbolista francês.


Autor de uma obra muito ligada à literatura, Redon transportou para suas telas, gravuras e desenhos, as interessantes imagens que tais leituras lhe inspiravam. A atmosfera irreal destes desenhos, produzidas a partir das obras de Allan Poe, Baudelaire, Shakespeare, dos mitos gregos, indianos etc., mais tarde seria encarada pelos surrealistas como precursora também de suas ideias, muito mais que qualquer outro simbolista.


Redon estava interessado em produzir obras que apelassem aos sentidos e à imaginação mais do que à razão. Estas ideias o levaram a desenvolver também técnicas originais de composição e colorização de suas telas, sob a influência de Gauguin.


É um pintor que merece ser conhecido, muito influente entre os artistas destes anos iniciais do movimento modernista na França, e parte daquele amplo movimento de oposição à Terceira República francesa então em fase de consolidação.


Além de Odilon Redon, neste Caderno Cultural há também um artigo apresentando a vida e obra do poeta negro Countee Cullen, uma das principais personalidades literárias da Renascença do Harlem.

Cullen, poeta precoce, escreveu a parte mais importante de sua obra ainda na faculdade. O lançamento de sua primeira coleção poética, Color, que alcançou enorme popularidade, inaugurou a etapa mais importante daquele movimento cultural, abrindo caminho para uma dezena de escritores negros publicarem suas obras nos anos seguintes.

Uma das características importantes da obra de Cullen foi justamente ter destacado o problema racial vivido pelos negros em seu país, falando em versos sobre a marginalização social, a pobreza, o isolamento do negro e o racismo do branco a partir do ponto de vista dos próprios negros. Esta tendência se revelaria uma constante em todo o movimento negro e foi um dos marcos fundadores da literatura negra como gênero em todo mundo.

115 anos da morte de Anton Bruckner

11 de outubro de 2011 

O compositor, cujo aniversário se completa hoje, foi uma personalidade improvável da história da música; um provinciano iletrado que, ligado ao importante movimento musical germânico, foi capaz de produzir obras de raro valor

Anton Bruckner foi um dos mais interessantes nomes da escola musical austríaca. Foi também uma personalidade singular da história da música, uma das mais curiosas. Como artista, desenvolveu uma obra extraordinária, situado entre os melhores compositores da riquíssima tradição musical germânica. O homem por trás desta música, no entanto, é uma figura inesperada.

Nascido em uma longínqua aldeia da Áustria Alta, foi criado por padres em um mosteiro barroco. Nunca aprendeu a ler e era um devoto fiel da Igreja, foi um camponês suburbano, acostumado a tocar com diletantes sem grande formação. Ele cresceu fazendo suas músicas entre diferentes aldeias, e, mais velho, tornou-se organista em uma catedral do interior austríaco. Sua experiência de vida, em outras palavras era magra. Beato, nunca se a aproximou de uma mulher, chegando a reconhecer, em certa ocasião – isso o destaca o crítico Otto Maria Carpeaux – que nunca conseguiu entender os sentimentos que motivaram a ópera Tristão e Isolda, de Wagner, por nunca ter experimentado o amor. Bruckner foi assim, um caso exemplar de ignorância na história da música. Alguns de seus biógrafos têm destacado que Bruckner tinha realmente problemas mentais e sofria de graves crises patológicas.

Obviamente que de instrumentistas como ele a Europa estava infestada naquela época. Ele tinha tudo para tornar-se mais um organista anônimo das tantas igrejas de província naquele Império Austríaco. O que é espantoso, porém, foi ter se tornado o grande músico que viria a se revelar.

O único dado que pode elucidar a contradição por trás da vida e obra de Bruckner é o fato de que ele não foi um talento isolado em seu tempo, mas, de alguma forma, foi capaz de ligar-se a um movimento musical da maior importância que estava em pleno desenvolvimento não apenas na Áustria, mas em toda Europa.

Bruckner pertenceu à mais importante tradição musical europeia: a da música germânica. E viveu em sua época em um dos momentos culminantes de desenvolvimento desta música: a época do nacionalismo de Wagner, da música que se alimentava da luta pela unificação dos Estados germânicos. Foi após conhecer as composições wagnerianas que Bruckner vai abandonando sua música de província e passa a tentar copiar o mestre do romantismo tardio em obras que rapidamente foram adquirindo cada vez mais qualidade.


Na juventude, Bruckner não produziu nada de verdadeiramente importante. Ele tinha mais de 40 anos quando começou a escrever suas primeiras peças de real valor, sempre sob a influência da música grandiloquente de Wagner. Eram então os anos culminantes do nacionalismo alemão, ao longo da década de precedeu a unificação: 1860.


Não era, porém, só de Wagner em vivia a música germânica. Foi também a época de ouro de Brahms e da reação ao neo-romantismo wagneriano, que levaram ao resgate de toda tradição romântica anterior da música alemã, de Mendelsonn, Beethoven, Shummann, etc. Os embates entre estas diferentes correntes germânicas alimentaram um movimento musical de grande vitalidade em toda a região. Em oposição ao predomínio desta tradição, começavam a surgir também dezenas de dissidentes nas nações submetidas ao jugo dos Habsburgos, os nacionalismos húngaro, tcheco, italiano, croata, etc.


A música de Bruckner, não por acaso, era também nacionalista. Habitante das províncias, vivendo entre os camponeses pobres, as melodias folclóricas estavam impregnadas em sua cultura e foram transmitidas com grande originalidade para sua música a partir das ideias wagnerianas. Sua música foi, deste modo, mais uma das tantas manifestações daquela época contra o imperialismo austríaco. O wagnerianismo era uma música essencial anti-austríaca, formada a partir de sua busca pela ruptura dos Estados alemães com a influência estranguladora dos Habsburgos. Como músico das províncias e dos camponeses, as composições de Bruckner colocavam-se também em oposição ao classicismo vienense.


A ignorância de Bruckner agiu positivamente sobre suas composições. Ela abriu caminho para uma grande originalidade musical cujo resultado foi obras-primas da música alemã de todos os tempos: sua bela Sinfonia nº 4, as obras-primas sinfônicas, nº 5 e nº 7; e a maior de todas, a Sinfonia nº 8, considerando-se que sua sinfonia final, nº 9, também de grande valor, permaneceu inconclusa por sua morte.


Durante muitos anos houve resistência à música de Anton Bruckner, tida por seus contemporâneos justamente como uma música restritiva, estranha à sensibilidade geral por ser excessivamente ligada às suas raízes regionalistas. Mais tarde, seria justamente estas qualidades que levariam dezenas de jovens compositores a se interessarem por esta música e a se tornarem brucknerianos.

O músico efetuou uma aplicação puramente espontânea do programa romântico, sem a busca ideológica e consciente que levou outros grandes compositores alemães a seguirem este caminho.

Bruckner foi assim um caso exemplar do homem comum, geralmente medíocre, que, conseguindo se ligar a um movimento geral de sua época, foi capaz de realizar algo cuja importância estava muito além de sua compreensão.

Alexei Savrasov, o crepúsculo do movimento paisagista russo

8 de outubro de 2011 

Hoje se completa o aniversário do pintor, um dos membros do grupo Peredvizhniki, de pintores populistas, que rompia com a arte acadêmica na Rússia

O Retorno das Gralhas, obra-prima do pintor.
Savrasov nasceu em 1830 e era filho de comerciantes que viviam com certa estabilidade econômica. Ele começou a desenhar muito cedo e aos 8 anos estava já matriculado na Escola de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscou. Rapidamente as paisagens à maneira romântica tornaram-se a sua especialidade.

Entre as décadas de 1840 e 50, Savrasov desenvolveu-se sempre inserido nos círculos oficiais da arte russa, apresentando suas obras nos salões oficiais e trabalhando como professor na Escola de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscou. Ele foi sempre próximo de alguns dos principais artistas de seu tempo, particularmente amigo do realista Vasily Perov, com quem muitas vezes saía para pintar no campo.


O estilo pessoal de Savrasov, paisagista por excelência, foi o chamado paisagismo poético, uma das correntes da pintura romântica europeia. Este movimento prezava a pintura a partir da paisagem natural, mas nunca reproduzindo-a tal qual se apresentava. Eles, ao contrário, procuravam idealizá-la e ressaltar o que havia de belo e poético na cena. Era uma forma de pintura altamente subjetiva, baseada em sugestões de cores, luzes e movimentos nas paisagens, extraindo delas seus elementos emocionalmente sugestivos.


Ao longo da década de 1960 há uma mudança de rumos na vida e na obra do artista. Com a radicalização política que se desenvolve ao longo do período, os próprios artistas passam a expressar uma tendência de ruptura com o governo. Esta cisão se dá exatamente no ponto nevrálgico do controle estatal na pintura. Todos os anos um júri imperial aprovava quais as obras artisticamente se enquadravam nas exigências estéticas oficiais. Era uma instituição existente em toda a Europa e apenas nesta época começa a ser contestada. Na França, Courbet inicia esta ruptura ainda na década de 1950, mas a atitude somente se generaliza a partir de 1870, quando o grupo impressionista rompe com os Salões e passa a expor paralelamente.


É também na década de 1870 que na Rússia se dá este grito de independência dos pintores diante da tutela do governo. Este movimento radical surge na forma de um grupo de arte, o Peredvizhniki.

O grupo era encabeçado por jovens pintores realistas como Vasily Perov, Ivan Kramskoi, Grigoriy Myasoyedov e Nikolai Ge. Por de trás desta iniciativa, estavam os ideais socialistas destes pintores, influenciados pelas ideias de populistas como o crítico de arte Vissarion Belinski e do militante Nikolai Tchernichévski.

Os ideais morais e políticos de Tchernichévski foram transformados na estética fundamental dos principais membros do grupo na maioria ex-alunos recém saídos da Academia Imperial de Belas Artes.


Mais velho que os demais artistas, Savrasov, porém, acompanhou este radicalismo, unindo-se por um breve período ao grupo.


O ponto alto de sua pintura data justamente deste período. Sua obra-prima, executada em 1871, foi tela imaginativa O Retorno das Gralhas. Ele apresenta na obra um episódio trivial, a migração das gralhas de volta à Rússia. Uma tela executada com simplicidade, leveza, mas de grande força emocional. Exatamente no ponto de transição entre o inverno e a primavera. Esta obra em particular rendeu grande popularidade ao artista nos principais círculos intelectuais de São Petersburgo e Moscou.


Era uma época porém, em que a pintura social, reflexo da ideologia das gerações mais jovens, contratavam vivamente com aquele seu romantismo paisagístico, emocional e subjetivo. Havia um abismo entre estas duas tendências, e este problema foi o ponto de partida para a crise pessoal de Savrasov.


O estopim desta crise se deu em finais de1871, após a morte de sua filha. Os diversos revezes de sua vida pessoal a partir daí, acabariam por afundá-lo na mais completa amargura e desilusão. Ele vai gradualmente deixando de lado a pintura e cai no alcoolismo. Inúmeras foram as tentativas de seus conhecidos de recuperá-lo, mas nenhum resultado foi obtido.


Nos últimos anos de sua vida, Alexei Savrasov vivia já na miséria, morando em abrigos públicos sem nunca se fixar em lugar algum. Ele viria a morrer em 1897, totalmente marginalizado e esquecido. No seu enterro, conta-se que compareceram apenas duas pessoas, seus amigos pessoais, o porteiro da Escola de Pintura de Moscou e o galerista russo Pavel Tretyakov.