terça-feira, 6 de março de 2012

Gravuras de Goya criticando a aristocracia espanhola são expostas em Curitiba

O sonho da razão produz monstros.
‘Os caprichos’ é uma das mais importantes séries de gravuras de Francisco de Goya. Um retrato alucinatório do s vícios e da decadência da monarquia espanhola poucos anos antes de ser derrubada pela Revolução Francesa

Estreou em janeiro no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, a exposição Os caprichos de Francisco Goya, apresentando esta que é uma das séries de gravuras mais importantes da obra do artista espanhol.

Os caprichos é composto por 80 gravuras executadas pelo pintor entre 1797 e 1799, usando técnicas de água-forte, ponta seca, água-tinta e buril.
A série é toda dedicada à sátira da decadente sociedade espanhola de finais do século XVIII, em particular da aristocracia, no período imediatamente anterior à invasão napoleônica sobre a Espanha.

São alvo da crítica de Goya, membros da nobreza e do clero espanhol, juízes, advogados, altos funcionários do Estado, etc. o artista destaca aí, a completa mediocridade da sociedade, o absurdo de sua ideologia, a hipocrisia, a vaidade e a pretensão dos ignorantes.

A série é formada por duas partes distintas. O início dela é marcado por retratos realistas e alegorias críticas da sociedade. A partir da metade da série, porém, a visão realista dá lugar às visões mais fantásticas, e um mundo recheado de monstros toma a cena nos trabalhos. São retratos delirantes que buscavam captar o absurdo de uma sociedade que definhava.

Nesses desenhos fica atestada muito claramente a ideologia do pintor, que, adepto dos ideais iluministas, lançou em Os caprichos, críticas ao fanatismo religioso, à Inquisição, às superstições do povo, criticou a ignorância generalizada da população, a brutalidade com que eram tratadas as crianças e condenou os métodos de ensino anacrônicos vigentes no País. Todas ideias procedentes do iluminismo.

A série foi chamada inicialmente Sonhos, e suas formas fantásticas buscavam mascarar e diluir as críticas do artista lançadas à classes governantes.

Um dos trabalhos mais famosos da série, O sonho da razão produz monstros, mostra Goya cochilando sobre sua mesa de desenho enquanto uma dezena de animais monstruosos surgem atrás dele, ao fundo da sala. Bem acima da cabeça do artista, uma coruja leva a ele um pincel para que Goya execute seus desenhos.

Essa gravura foi planejada para ser a capa da série, que viria com o título: “Sonho: 1º Idioma universal. Desenhado e gravado por Francisco de Goya. Ano de 1797.” A legenda inicial do desenho seria: “O Autor sonhando. A sua tentativa é apenas desterrar vulgaridades prejudiciais e perpetuar com esta obra de caprichos, o testemunho sólido da verdade.”

Ao longo da produção das gravuras, no entanto, Goya introduziu diversas modificações que tornaram menos claras suas intenções, e foi fixado o nome definitivo da série.

O trabalho foi um marco não apenas na obra de Goya – que, com Os caprichos, se afirmou definitivamente como um exímio gravurista, inaugurando também uma nova linguagem em seus trabalhos –, mas também no desenvolvimento da arte em geral, vindo a influenciar, nas décadas seguintes, um número substancial de artistas modernos. Artistas do romantismo, do simbolismo, do impressionismo, do expressionismo e do surrealismo encontraram diferentes qualidades nessa série de gravuras do espanhol.

A evocação que Goya fez de imagens fantásticas, bem como as muitas alusões aos sonhos, fizeram os surrealistas considerar o artista um legítimo precursor de suas ideias.

Muitos críticos chegaram a considerar também que Goya, pela forma como desenvolvera sua técnica, era um precursor legítimo da arte moderna.

Vale a pena conferir essa importante série do artista exposta na capital paranaense. O Museu Oscar Niemeyer fica na Rua Marechal Hermes, nº 999, no Centro Cívico. A mostra permanecerá em cartaz até dia 26 de abril.

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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Liberado no Reino Unido filme que ficou 23 anos censurado sob alegação de ‘blasfêmia’

O curta-metragem ‘Visions of Ecstasy’ traz a cena de uma santa mantendo relações com a imagem de Cristo, a proibição do filme revela que a censura atua ativamente no Reino Unido sob as mais diversas formas 

Após mais de duas décadas sob censura, foi liberado recentemente no Reino Unido o curta-metragem Visions of Ecstasy, lançado originalmente em 1989. O filme, de 19 minutos, foi dirigido pelo cineasta Nigel Wingrove, e mostrava cenas que foram consideradas “blasfêmias” pelo governo. Em dada altura da obra, uma das personagens, representando a santa espanhola Teresa d'Ávila, tem relações sexuais com a imagem de Cristo pregada na cruz.

Pode-se discutir o gosto da produção, mas, obviamente, cabe a pergunta: deve o Estado decidir o que a população tem o direito de assistir? Obviamente que não, em um Estado de Direito, qualquer forma de censura viola um princípio constitucional básico, essencial e inalienável do cidadão. Isso é especialmente grave quando o motivo da censura é abertamente religioso.


O caso é um dos tantos exemplos de atentado à liberdade de expressão ainda em voga, não somente na Inglaterra, mas em dezenas de países supostamente democráticos. Basta citar que a produtora de Visons of Ecstasy, após a censura, entrou com um recurso em uma corte internacional, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, do qual 47 países europeus fazem parte, e que é controlado pelo conjunto dos países imperialistas europeus – todos, diga-se de passagem, regimes “democráticos” –, França, Alemanha, Itália, Espanha, etc; e a decisão do Estado britânico foi apoiada.


Apesar de o Reino Unido e seus “companheiros” europeus se dizerem Estados laicos, a censura foi imposta por um dos mais retrógrados artigos da lei britânica, derrubado recentemente, e que estabelecia os “crimes de blasfêmia”, produto da influência da Igreja sobre os assuntos públicos.

Os crimes de blasfêmia foram extintos do Reino Unido em 2008, e então se poderia pensar no porque da demora da liberação do curta-metragem. Mesmo com a suspensão dos “crimes de blasfêmia”, outros mecanismos de censura ainda estão vigentes no País, o que, na prática, mantém essas mesmas “leis contra a blasfêmia” em voga, mas de forma velada, com uma aparência “laica”.

Depois de 2008, a reacionária Comissão Britânica de Classificação Cinematográfica (BBFC), manteve Visions of Ecstasy retido por considerar que, ainda assim, “o conteúdo do filme pode ser profundamente ofensivo para alguns espectadores”.


Demorou-se, portanto, quatro anos até que os realizadores conseguissem superar todas as barreiras à liberdade de opinião e colocar, finalmente, o filme em circulação, sem cortes, mas com classificação indicativa para maiores de 18 anos.


Não é necessário refletir muito para se perceber que o critério de “ofensa” é totalmente arbitrário e subjetivo, fere o direito constitucional. Qualquer coisa pode ser considerada ofensiva para qualquer pessoa sob qualquer pretexto. Se esse critério se estabelecer como norma, será o início de um processo de censura totalmente arbitrário e em larga escala de jornais, livros, filmes, peças de teatro, obras de arte, sites na internet, e mesmo manifestações políticas – o que já está ocorrendo, em casos como o “racismo” de Monteiro Lobato, no Brasil; de Mark Twain, nos EUA; ou de Tintin, no Congo, para citar apenas alguns exemplos mais notórios. Quem se beneficiaria com isso? Obviamente aqueles que têm hoje o poder nas mãos. Em uma época de profunda crise capitalista, nada mais conveniente do que instaurar a censura a todos os que se manifestarem contra as instituições e os valores decrépitos de uma burguesia totalmente reacionária.

Daí a importância de se defender incondicionalmente a liberdade de expressão na arte, em todas as suas esferas. 



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Camilla Williams, morre uma das primeiras cantoras negras de ópera dos Estados Unidos

Ao lado de Marian Anderson, Leontyne Price e Shirley Verrett, Camilla Williams foi uma das grandes cantoras negras de ópera em seu país, tornando-se também uma figura destacada no movimento de luta dos negros nas décadas de 1960 e 70

Camilla Williams, à esquerda, no papel principal da ópera Madame Butterfly, de Puccini.
 Morreu no último final de semana a cantora lírica Camilla Williams, uma das primeiras cantoras negras a conseguir ultrapassar a barreira racial e ser contratada por uma grande companhia de ópera nos Estados Unidos.

A cantora estava com 92 anos e morreu em decorrência de um câncer. A informação de sua morte foi divulgada por um porta-voz da Universidade de Indiana, onde Camilla Williams trabalhou como professora por 20 anos.

O ingresso de Camilla Williams no mundo da ópera se deu em 1946, cerca de uma década antes das mobilizações dos negros por seus Direitos Civis, movimento no qual Williams participaria ativamente.

Camilla Williams foi a primeira cantora negra a ser contratada por uma grande companhia de ópera nos Estados Unidos. Foi também a primeira negra a subir no palco da New York City Opera interpretando um papel principal. Sua estreia se deu em maio de 1946, interpretando a gueixa Cio-Cio-San, na ópera Madame Butterfly, de Puccini.

Em entrevista ao jornal The Washington Post, F. Paul Driscoll, o editor-chefe da revista especializada Opera News, comentou que “é impossível exagerar o quão importante isso era para... a cena musical em Nova Iorque, para os cantores afroamericanos, e para os cantores americanos em geral”.

Giuseppe Valdengo e Camilla Williams em Pagliacci, de Leoncavallo.
A relevância do fato está em que, até a primeira metade do século XX, os músicos negros – cantores e instrumentistas – haviam sido totalmente excluídos dos espetáculos operísticos. Era um segmento da cultura norte-americana ainda mais controlado pela burguesia.

A mais importante das primeiras cantoras negras de ópera, a contralto Marian Anderson, teve sua atividade musical seriamente comprometida nos Estados Unidos pela segregação racial. Marian foi a primeira cantora lírica negra a ser contratada por uma grande gravadora norte-americana, a Victor Talking Machine Company, ainda na década de 1920. Estando excluída das grandes casas de música erudita, Marian cantava principalmente em pequenos clubes para platéias negras. Apesar disso, por seu grande talento, ela conseguiu superar algumas barreiras raciais. Em 1925, após vencer um concurso de música lírica, ela foi a primeira negra a cantar no Lewissohn Stadium, com a New York Philharmonic; e, em 1928, realizou também uma apresentação histórica no Carnegie Hall.

As grandes dificuldades que encontra nos Estados Unidos, porém, levam Marian à Europa. Ela faz um sucesso estrepitoso em recitais realizados na Inglaterra, França, Alemanha, Dinamarca e Rússia, entre outros. Ao assistir uma das apresentações de Marian no Festival de Salzburgo, o grande maestro Arturo Toscanini, chegou a declarar que “uma voz como a sua é ouvida somente uma vez a cada cem anos”.

Apesar do sucesso europeu, quando Marian retorna aos Estados Unidos em 1939, fugindo da Guerra, ela acaba afastada do corpo de artistas do Constitution Hall por ser negra. Foi um episódio vergonhoso de racismo que teve grande repercussão na época. O caso causou tamanho escândalo que o presidente Franklin D. Roosevelt se viu obrigado a intervir diretamente, organizando, no domingo de Páscoa, um recital ao ar livre diante das escadarias do Lincoln Memorial, em Washington. Nesse evento, Marian Anderson se apresentou para um público de cerca de 75 mil pessoas que compareceram ao evento. O concerto foi também transmitido no rádio para outros tantos milhões e ouvintes. Apesar da repercussão do evento, a carreira musical de Marian Anderson nos Estados Unidos foi sempre cheia de problemas em decorrência das leis de segregação vigentes.

Camilla Williams era uma geração mais nova, e sua entrada na companhia da New York City Opera representou mais um passo adiante no processo de afirmação do negro no interior da sociedade norte-americana. Sua presença nesse posto abriu caminho para que outros músicos negros também se afirmassem no mundo das óperas, inclusive Marian Anderson.

Nove anos após a contratação de Camilla Willson pelo City Opera; em 1955, Marian Anderson tornava-se a primeira negra a se apresentar no palco do Metropolitan Opera.

Depois de Marian Anderson e Camilla Willson, surgiram também outras importantes cantoras líricas negras nos EUA. Leontyne Price tornou-se a estrela principal do Met Opera nas décadas de 1960 e 70, e Shirley Verrett obteve também grande sucesso ao longo desse mesmo período.

Entre os espetáculos que Camilla Willson protagonizou no City Opera, destacam-se suas performances em La Boheme, de Puccini; Aida, de Verd; ou Porgy and Bess, de Gershwin.. Ela conquistou também grande notoriedade em uma temporada de Madame Butterfly na Ópera Estatal de Viena.

Durante as mobilizações dos negros por seus direitos civis, tanto Camilla Willson quanto Marian Anderson tiveram participação destacada. Willson era membro vitalício da importante Associação Nacional para o Desenvolvimento das Pessoas de Cor – NAACP, fundada pelo histórico militante negro W. E. B. Du Bois. Ela foi também casada com um importante advogado do movimento negro, Charles Beavers, que tinha Malcolm X entre seus clientes.

A cantora chegou a participar de campanhas pela libertação dos presos políticos do movimento negro e esteve presente na Marcha sobre Washington, de 1963, como convidada de honra. Antes dos discursos políticos, foi Camilla Willson quem cantou o hino nacional norte-americano no ato, diante de cerca de 200 mil manifestantes.

Willson se afastou dos palcos na década de 1970, após a morte de seu marido, e passou a trabalhar como professora na Universidade de Indiana, se tornando então a primeira professora negra de canto do Estado. Willson atuou na função até se aposentar, em 1997.

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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Morre em Nova Iorque a pintora surrealista Dorothea Tanning

Nesta quarta-feira, Pammela Johnson, diretora da Dorothea Tanning Foundation, divulgou à imprensa a morte da pintora, escultora e poetisa norte-americana Dorothea Tanning.

Em nota, publicada no site da artista, Johnson informa: “É muito triste para mim fazer este anúncio. Ela morreu em paz, em sua casa, na cidade de Nova York no dia 31 de janeiro, aos 101 anos”.

Tanning foi a última esposa do pintor surrealista Max Ernst, vivendo ao lado dele durante mais de três décadas, até a morte do alemão.


A pintora nasceu em 1910, no Estado de Illinois. Ela estudou pintura em Chicago e aos 22 anos estabeleceu-se em Nova Iorque. Ao longo da década de 1930 ela travou contato com os membros do grupo surrealista. Ela adere ao grupo em 1941, quando eles passam a freqüentar a galeria Julien Levy, em seu período de exílio durante a Segunda Guerra. É nessa época que ela conhece André Breton, Ives Tanguy e Max Ernst, pintor então casado com a galerista Peggy Guggenheim. Ernst e Tanning logo se unem e mudam-se juntos para o Arizona. Na década de 1950, eles mudam-se para Paris, onde vivem juntos até a morte de Ernst, em 1976.

O período mais importante da obra surrealista de Tanning em pintura e escultura deu-se entre a década de 1940 e 1960. Depois ela envolveu-se em outros projetos, como por exemplo, fazendo figurinos e cenografia para os balés de George Balanchine. A partir da década de 1980, Dorothea Tanning voltou-se mais para a escrita, publicando trabalhos em prosa e verso, incluindo dois importantes volumes de memórias. Recentemente ela havia publicado Coming to That sua segunda coletânea poética.





 

Obra capital do historiador renascentista Giorgio Vasari ganha nova edição brasileira

Vasari é considerado o ‘iniciador’ da história da arte, foi quem cunhou o termo ‘renascimento’ e foi também o principal responsável pelo que se sabe hoje da vida dos artistas renascentistas

Em 2011 completou-se o quinto centenário de nascimento do florentino Giorgio Vasari, pintor e arquiteto, mas hoje lembrado, sobretudo, pelo trabalho pioneiro como historiador. Estudando e escrevendo tratados sobre a pintura, a escultura e a arquitetura italianas, Vasari se tornou o fundador da história da arte como campo de pesquisa específico.

Acompanhando a data, recentemente foram lançadas nas livrarias duas edições fundamentais dos escritos de Vasari: Vidas dos artistas, sua obra capital; e o também importante Vida de Michelangelo Buonarroti, sobre o pintor e escultor florentino que foi também amigo íntimo de Vasari.

Foi A vida dos Artistas, publicada pela primeira vez em 1550 (seu título original é Vidas dos mais excelentes arquitetos, pintores e escultores italianos, de Cimabue até nossos dias, que mais tarde foi abreviado), que inaugurou a bibliografia da história da arte. A obra é um grande estudo sobre a pintura, a escultura, a arquitetura, e seus criadores. Um trabalho essencial para quem pretenda conhecer a fundo o pensamento renascentista. A edição brasileira da obra, lançada pela Editora Martins Fontes, foi traduzida por Ivone Castilho Bennedetti e organizada, anotada e comentada por Giovanni Previtalli, Luciano Bellosi e Aldo Rossi.

A primeira parte do livro compreende três tratados, Da Arquitetura, Da Escultura e Da Pintura, onde Vasari expõe em detalhes a revolução técnica que representou o Renascimento em cada uma destas áreas.

Detalhe da obra A primavera, de Sandro Botticelli.
 A segunda parte, mais famosa, é propriamente a biografia dos artistas renascentistas. Cada biografia é um texto independente, organizado de forma cronológica. O primeiro biografado é o pintor florentino Giovanni Cimabue, nascido ainda no século XVIII e considerado por Vasari, o primeiro artista a se libertar da influência da arte bizantina e desenvolver um estilo latino. À biografia de Cimabue, seguem-se outras 132 biografias que foram também divididas em três partes. 
A primeira delas é toda dedicada a artistas de transição como Cimabue, Duccio e Giotto. Na segunda parte, estão aqueles artistas que irão aprofundar a utilização da perspectiva, da profundidade e do movimento na pintura, artistas como Piero della Francesca, Botticelli e Mantegna. A parte final compreende os artistas do apogeu do Renascimento, em especial Leonardo, Rafael e Michelangelo. Para Vasari, Michelangelo, representou o ponto final da tradição renascentista, e depois dele, nada mais restava a ser feito.

Foi por isso que, depois de concluir Vidas dos artistas, Vasari dedicou-se à criação do volume Vida de Michelangelo Buonarroti, que analisa com maior profundidade a vida do artista. É esse segundo estudo que foi também lançado agora no Brasil, em uma edição traduzida e ricamente comentada pelo estudioso Luiz Marques.

A importância da obra de Vasari está também no fato de que ele pertenceu a uma das últimas gerações de artistas renascentistas, podendo, dessa forma, olhar e analisar de um ponto de vista privilegiado o que havia sido feito naqueles três séculos de revolução na arte italiana. Sua opinião sobre Michelangelo mostra que ele intuía também, de alguma forma, que aquele período estava por se encerrar. De fato, quando morre Vasari, Michelangelo Caravaggio, futuro mestre do barroco, tinha já três anos de idade. Vinte anos mais tarde, a arte renascentista seria já parte do passado da arte italiana.

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Filme que relembra despejo de população pobre de Brasília é o premiado da Mostra de Cinema de Tiradentes

O filme premiado da 15ª edição do festival mineiro foi o documentário A cidade é uma só?, sobre a expulsão dos moradores pobres de áreas ocupadas na Capital Federal para entregá-las para especuladores imobiliários


No último dia 28, encerrou-se a 15ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, realizada na cidade histórica do Sul de Minas Gerais. O festival iniciou-se em 1998 e hoje é já um dos mais importantes eventos culturais do Estado. Esta última edição exibiu 116 filmes, entre longas, médias e curta-metragens, ficcionais e documentários.

Diferentemente de outros festivais brasileiros, como o de Brasília, do Rio de Janeiro ou de Paulínia, que tradicionalmente premiam novos filmes de diretores já consagrados, o Festival de Tiradentes, menos conservador, tem se destacado por privilegiar obras de cineastas estreantes. Os premiados no festival deste ano mantêm a tradição e refletem a crise política atual. Os destaques principais foram dois filmes de denúncia social: o semi-ficcional A cidade é uma só?, dirigido por Adirley Queiroz; e documentário HU, de Pedro Urano e Joana Traub Cseko.

A vitória de A cidade é uma só? é particularmente expressiva em meio à situação política atual. Seu tema se relaciona à recente desocupação da comunidade paulista do Pinheirinho, em São José dos Campos.

Em A cidade é uma só?, Adirley Queiroz usou personagens fictícios e reais para resgatar um episódio ocorrido em Brasília. Após a construção do Plano Piloto, na década de 1950, os operários que trabalharam na obra, sem condições de retornar às suas cidades, estabeleceram residência com suas famílias em terrenos ociosos no entorno de Brasília.

Na década de 1970, porém, grandes grupos empresariais voltados à especulação imobiliária se interessaram pela Capital Federal, e as ocupações populares mostraram-se o principal obstáculo à valorização dos terrenos do Plano Piloto. Foi então impulsionada uma ampla política de ataques a esses operários, o que levou à sua expulsão de Brasília. Essa é a situação retratada por A cidade é uma só?

Após a premiação, Adirley Queiroz, em entrevista à imprensa, reiterou a relação do tema de seu filme com o episódio que chamou a atenção de todo o país na última semana: “Se meu filme tem alguma relação com eventos recentes, é com Pinheirinho. Brasília passou pela mesma higienização covarde que Pinheirinho. Lá, as pessoas foram jogadas na rua e surgiram lugares como a Ceilândia”.

A vitória desse longa-metragem expõe o tamanho da crise no interior do regime político, e apenas endossa a condenação popular – também por uma ala influente da intelectualidade brasileira que organiza e controla esse festival –, da política do atual governador de São Paulo, Geraldo Ackmin e do PSDB.


O outro filme premiado na mostra destaca outro grave problema social, agora no Rio de Janeiro, mas que também é um problema nacional, mostrando as condições de completo abandono de toda uma ala do edifício modernista que abriga o Hospital Universitário da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). A escolha do documentário HU foi feita pelo Juri Jovem eleito pelo festival, composto por estudantes de cinema.


A escolha de ambos os filmes como ganhadores da Mostra Aurora, o ciclo principal do festival mineiro, é um reflexo da mudança da situação política e do agravamento da crise social brasileira.


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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Jeanne Hébuterne, uma pintora da Escola de Paris

A 25 de janeiro de 1920 se suicidava a pintora Jeanne Hébuterne, uma das tantas pintoras quase desconhecidas da arte moderna parisiense, cuja importância no interior do movimento modernista ainda está para ser estudada, ela é mais lembrada hoje como a companheira de Amadeu Modigliani, tendo se suicidado logo após a morte do pintor

Ao contrário de seu companheiro, Amadeo Modigliani, a obra da pintora Jeanne Hébuterne permanece ainda hoje praticamente desconhecida.

Ela foi uma das poucas artistas mulheres a se formar na Escola de Paris ao longo da década de 1910, em uma época em que a pintura – como perspectiva de vida – era ainda vista como uma atividade masculina. No início do século XX, apesar de ser o número de artistas mulheres significativamente maior que no século XIX, é ainda um número irrisório em contraste com o de homens, e a importância delas no movimento de renovação das artes, sempre secundarizada.

Jeanne Hébuterne é uma dessas modernistas e sua obra só foi redescoberta recentemente, na década de 1980, enquanto que a de Modigliani despertou interesse dos meios de arte desde sua morte, em 1920. A pintura de Hébuterne, como, infelizmente, é muito comum na arte, acabou ofuscada pela do marido, e seu nome hoje é mais lembrado em associação com Modigliani do que por seus méritos próprios como artista, um trabalho de estudo que ainda está para ser realizado.

Há dezenas de casos similares, como o das pintoras impressionistas Berthe Morisot ou Mary Cassatt, mais lembradas por suas relações com os impressionistas homens; a da escultora simbolista Camille Claudel, hoje também lembrada como “a amante de Rodin”; e é o caso também da pintora expressionista Gabriele Münter, primeira esposa de Vassili Kandinski; da fotógrafa surrealista Dora Maar e da pintora Françoise Gilot, ambas ex-companheiras de Picasso; ou da expressionista abstrata Lee Krasner, esposa de Jackson Pollock. São todas mulheres cuja verdadeira importância para os movimentos de arte dos quais participaram não foi sequer estudada. Daí vê-se o grande significado que tem para o movimento de emancipação das mulheres em geral, artistas como a brasileira Tarsila do Amaral ou a mexicana Frida Kahlo, que apesar de terem sido esposas de grandes nomes do modernismo em seus países, Oswald de Andrade e Diego Rivera, respectivamente, têm suas obras valorizadas por seus próprios méritos e independente dos trabalhos de seus maridos.

Breve retrato da pintora

Autorretrato.
Jeanne Hébuterne nasceu em 1898, em uma família abastada da pequena burguesia francesa. Seu pai era um alto funcionário da loja de departamentos Le Bon Marché.

Tanto Jeanne quanto seu irmão, André Hébuterne, vivendo em um dos períodos de maior florescência da arte do século XX, manifestaram grande interesse pela pintura durante a adolescência, e ambos tornaram-se pintores. André, que fizera muitos amigos nos meios boêmios de Paris, logo apresentou Jeanne aos artistas de Montparnasse.

Ela associou-se inicialmente ao modernista japonês Tsuguharu Foujita, e foi durante algum tempo sua principal modelo.

Foi vivendo em contato com a fermentação modernista que Jeanne foi introduzida também nas novas teorias da pintura moderna. Para completar sua formação, ela ingressou na Académie Colarossi, onde em 1917 conheceria o escultor ucraniano Chana Orloff. Através dessa amizade, Jeane conheceu também, pouco mais tarde, o pintor italiano Amedeo Modigliani.

A vida de Modigliani é um modelo do que foi a vida de centenas de artistas emigrados em Paris, atraídos à capital mundial das artes no início do século XX. Ele chegou à cidade ainda em 1906, durante as polêmicas em torno do radical grupo fauvista de Henri Matisse, e logo aderiu às novas ideias em arte. Ao longo de mais de uma década trabalhou em um quase completo isolamento, tendo sua arte desprezada por todos os círculos da crítica especializada. Durante o período, Modigliani viveu na completa miséria, vendendo desenhos nos cafés para ter o que comer. Por causa da falta de dinheiro teve de abandonar a escultura, que era sua grande paixão, e se voltar à pintura, por ser mais barata. O artista viveu na mais feroz boemia, mas ao contrário de muitos de seus contemporâneos, que viriam a se tornar em vida artistas “oficiais” da burguesia, Modigliani morreu na completa obscuridade, quase sem nenhuma obra vendida, após contrair tuberculose.

Hébuterne, que ainda formava seu estilo em 1917, conheceu Modigliani quando esse era um artista maduro, pintando já sob a influência do geometrismo cubista e do primitivismo africano.

A Morte.
Modigliani e Hébuterne logo começam um relacionamento amoroso. O caso provocou uma enorme crise entre a família da jovem artista. Seus pais eram católicos fervorosos e consideravam inadmissível uma união amorosa antes do casamento, agravado pelo fato de que, naqueles anos, um pintor boêmio era encarado como um verdadeiro pária social. Apesar disso, ela rompe a dominação paterna e muda-se para o apartamento-ateliê de Modigliani.

Nos meses que se seguem, os trabalhos de Hébuterne mostram uma rápida evolução, e seus desenhos tornam-se mais simplificados e dinâmicos, uma influência clara de Modigliani sobre seus trabalhos. Ao contrário, porém, da obra de seu companheiro, Jeanne desenvolve uma técnica muito mais emocional e imaginativa, inclinada ao fauvismo e ao expressionismo.

No outono de 1918, Modigliani estava gravemente doente devido aos seus pulmões sensíveis. O casal, por isso, muda-se para a Riviera Francesa, com seu clima mais quente. Eles viviam em Nice quando nasce a primeira filha do casal, por insistência de Modigliani, chamada também Jeanne, como a mãe.
Eles vivem sempre na miséria, conseguindo levantar, com a venda de seus trabalhos, apenas o mínimo indispensável para sobreviver e comprar telas e tintas. Quando o dinheiro era escasso, tinham de pintar com as cores que havia e reaproveitando telas já pintadas. As dificuldades dessa vida estão bem refletidas em alguns trabalhos de Hébuterne, como A Morte, em que uma figura sombria aparece à porta do quarto enquanto Jeanne dorme, ou A Suicida, em que a pintora aparece morta sobre sua cama.

Autorretrato.
O período mais significativo da obra da pintora data destes anos, entre 1917 e 1920, com muitos desenhos e telas num estilo próximo ao expressionismo, e revelando sempre grande influência do estilo de Modigliani, com suas figuras alongadas em formas simplificadas e geométricas. Muito interessantes também são os autorretratos da pintora, sempre em tons sombrios e melancólicos. Essa expressividade típica de seus trabalhos marcam uma distância substancial da pintura de Modigliani, cujas figuras são em sua maioria, serenas, sensuais. Em muitos casos, o pintor busca um distanciamento impessoal em suas figuras retratadas, com olhos vazados e rostos inexpressivos, o que já não ocorre na pintura de Hébuterne, mais emotiva.

O casal retorna a Paris na primavera de 1919, mas Modigliani estava ainda com a saúde muito debilitada, sofrendo de meningite tuberculosa. A deterioração de sua saúde é rápida, e Hébuterne tem de cuidar dele praticamente todo o tempo. O pintor, porém, vem a falecer em janeiro do ano seguinte, em 1920.

A morte do pintor é um duro golpe para Jeanne, que estava grávida do segundo filho do casal. A família Hébuterne leva a moça novamente à casa materna. Apenas um dia mais tarde, Jeanne, profundamente perturbada, atira-se da janela do apartamento, no quinto andar do edifício.
Hoje Hébuterne é lembrada principalmente, não por suas obras, mas como a modelo que aparece em incontáveis telas de Modigliani nos anos finais da vida do artista.

A Suicida.
Apesar da obra de Modigliani ter se tornado extremamente popular já na década de 1920, a vida de Amadeo Modigliani e Jeanne Hébuterne permaneceu décadas desconhecida, bem como a obra da pintora. A primeira biógrafa do pintor foi sua filha, Jeanne Modigliani. Ela foi criada por uma tia, irmã de Amadeo, em Florença, e já adulta, saiu em busca de dados da vida dos pais. Seus estudos originaram a biografia Modigliani: Homem e Mito, publicada em 1958.

A pintura de Jeanne Hébuterne permaneceria ainda mais de três décadas totalmente desconhecida do grande público até que uma primeira exposição fosse organizada com a autorização dos herdeiros da pintora, que ainda hoje as guardam.
Jeanne Hébuterne em retrato de Amadeo Modigliani.
 Autorretrato e O ateliê, de Jeanne Hébuterne.


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