terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Morre Etta James, uma das grandes vozes da música negra norte-americana

Etta James em 2010.
A atividade musical de Etta James acompanhou a do movimento político dos negros em seu país, crescendo com ele e entrando em crise também no período em que o movimento se dispersava
Morreu na última sexta-feira a cantora soul Etta James, uma das mais expressivas vozes da música negra contemporânea. Ela destacou-se em diferentes gêneros, desde o jazz e o blues, passando pelo rhythm’n’blues, o funk e o soul.

A cantora estava já com 73 anos e há muitos anos seu estado de saúde era delicado. Há pelo menos um ano Etta James lutava contra uma leucemia e foi internada diversas vezes ao longo do ano com infecções sanguíneas e problemas renais. No último mês, em uma declaração à imprensa, seu médico já havia afirmado que a cantora estava em um estágio terminal de sua doença. Ela morreu ha uma semana de completar 74 anos.

Natural de Los Angeles, Jamesetta Hawkins nasceu em 1938. Sua inclinação para a música despontou já quando ela tinha cinco anos. Aos 12 anos ela mudou-se com a família para a Califórnia e aos 14, formou seu primeiro grupo, o trio The Creolettes (algo como “as negretes” em tradução livre). O grupo logo chama a atenção de Johnny Otis, o mais destacado músico branco de blues e rhythm’n’blues no período. Otis era também empresário e se interessou pela música do grupo. Foi ele quem sugeriu à cantora a inversão de seu nome para “Etta James”, bem como a mudança mais conservadora do nome do grupo, de The Creolettes para The Peaches (“os pêssegos”, em tradução livre). Foi ao lado dele que Etta James gravou suas primeiras canções. Algumas de suas primeiras canções de destaque foram Work With Me, Annie e Dance with Me, Henry.

Uma experiência marcante para Etta James da proscrição do negro também na indústria musical norte-americana foi a ocasião em que uma cantora branca, Georgia Gibbs, regravou a composição de Etta, Dance with Me, Henry, com o título The Wallflower, e a música tornou-se uma das mais populares dos Estados Unidos em 1955, enquanto que a gravação de Etta permanecia completamente desconhecida.

Capa do primeiro álbum da cantora, de 1960.
Foi procurando burlar o racismo que a cantora seguiu o conselho de seu empresário e alisou e tingiu seu cabelo de loiro. Ela aparecia ainda embranquecida na capa de seus discos.
A atividade musical da cantora coincidiu, foi estimulada e impulsionada pelo crescimento do movimento negro desde o final da década de 1950. Ela tornou-se uma das mais populares cantoras negras dos Estados Unidos nesses anos.

Apesar de ter gravado alguns singles e ter diversas músicas suas tocando nas rádios, seu álbum de estréia veio apenas em 1960, o disco At Last!, que chamava a atenção por sua mistura de estilos negros, como o blues, o doo-wop e o rhythm and blues. O álbum incluía já duas grandes canções de Etta James, I Just Want to Make Love to You e A Sunday Kind of Love.
Poucos meses mais tarde a cantora lançou aquela que viria a ser sua canção mais popular, o single At Last, que chegou ao número dois nas paradas de sucesso, um fato extraordinário levando-se em conta a política de segregação racial em vigor, que cuidadosamente encobria os cantores negros com “produtos brancos” similares.

Esse sucesso da música de Etta James não era, porém, um fato casual. O crescimento e a radicalização do movimento negro ao longo do período foi o principal responsável pela presença também cada vez maior do negro nos meios musicais “oficiais”, ou seja, os que eram mais diretamente controlados pela burguesia, as rádios, a televisão, os grandes shows.

A cantora ao lado do boxeado Muhammad Ali,
A música negra foi, muito provavelmente, a expressão cultural mais ampla e característica do movimento político dos negros pelos seus direitos democráticos entre as décadas de 1950-60-70.
Não apenas surgiram novos expoentes negros na música popular, como Etta James – que atuavam ao lado de artistas mais velhos como Louis Armstrong, Ella Fitzgerald ou Nat King Cole – mas também foi a época de nascimento de novos gêneros musicais, criados, sobretudo, pela iniciativa dos negros, como o rock’n’roll, o rhyth’n’blues e o soul. No terreno do jazz, surgia também o hard bop e o free jazz, entre outros, produto também da radicalização da consciência dos negros no período.

Etta James na dácada de 1970.
Foram manifestações que modificaram substancialmente a cultura popular do segundo pós-guerra, com uma influência maior ou menor em praticamente todos os países do globo. O movimento negro norte-americano teve um papel capital nesse fenômeno.

Pertencem também à geração de Etta James outras importantes cantoras negras como Nina Simone – cuja canção Mississippi Goddamn tornou-se um dos grandes hinos do movimento pelos Direitos Civis –, ou a mais jovem Aretha Franklin, uma das maiores vozes da música norte-americana.

Um dado que revela bem a importância que a música negra passava a adquirir nessa época é a fundação da Motown em 1959, a mais importante gravadora especializada em música negra dos Estados Unidos ao longo de mais de duas décadas.

A importância de Etta James está no fato dela ter se conseguido transpor essa barreira racial e passar a ser vista entre um setor bastante amplo da população como uma das grandes cantoras de seu tempo no País. Etta James foi uma das responsáveis por abrir caminho para as gerações mais jovens de músicos negros.

A cantora na década de 1980.
Na década de 1960 ela abandona o cabelo loiro alisado e assume uma nova imagem, de afirmação de sua “negritude”. Essa mudança na “imagem pública” da cantora é um espelho da pressão que o movimento negro exercia sobre a burguesia norte-americana e a mentalidade conservadora em geral.

Sua música tem grandes momentos entre 1960 e 1963, gravando canções importantes como Something's Got a Hold on Me, Stop the Wedding e Pushover. O maior momento de sua música foi provavelmente em 1967, quando lança a gravação Tell Mama, hoje tida como um dos clássicos do gênero.

Na década de 1970, Etta James procura novos caminhos e grava em diferentes gêneros como o funk e o rock. Ela chega a fazer nesses anos uma parceria com os Rolling Stones e Janis Joplin, que antes já havia gravado uma versão de Tell Mama. Apesar de ser uma época criativamente importante, foi também permeada por uma forte crise pessoal da cantora. Ela tornou-se viciada em heroína e passou anos longe dos palcos, gravando apenas eventualmente. Depois de conseguir se livrar do vício, em sua difícil recuperação Etta James chegou a pesar quase duzentos quilos, e foi apenas na década de 1990 que ela conseguiu retomar novamente sua atividade musical, que manteve enquanto pôde. Seu último show ocorreu no ano passado. Ela lançou em novembro de 2011 seu último álbum, The Dreamer.

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Obra de Anita Malfatti é exposta em Curitiba

A exposição panorâmica da pintora, em cartaz no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.
 Raramente têm-se oportunidade de ver uma mostra panorâmica da obra da artista, incluindo sua fase de formação e suas pinturas posteriores a 1917. Todos os períodos criativos de Anita Malfatti podem ser vistos agora no Museu Oscar Niemeyer

A Chinesa, que foi exposta em 1922, na Semana.
Está em cartaz desde dezembro em Curitiba, uma retrospectiva da obra de Anita Malfatti, a grande pioneira da pintura modernista no Brasil.

O interesse da mostra está justamente no conjunto de quadros que o Museu Oscar Niemeyer conseguiu reunir. Estão presentes no museu obras de diferentes coleções nacionais e internacionais. Muitas dessas telas são pouco conhecidas por pertencerem a acervos particulares que raramente os cedem para exibições públicas.

O museu apresenta nessa mostra um total de 100 telas que percorrem a trajetória da artista de forma panorâmica, destacando o desenvolvimento da pintora desde sua fase de aprendizado, passando pelo seu momento mais vanguardista, até sua crise e o retrocesso de sua técnica no final da década de 1910.

A principal importância da obra de Anita Malfatti está em seu pioneirismo. Foi ela uma das primeiras artistas brasileiras a incorporar em seu estilo as técnicas avançadas da pintura européia, marcando o início de uma verdadeira revolução no movimento de artes plásticas nacional.
Sua primeira exposição é um dos eventos públicos mais significativos da história do modernismo. Logo após chegar da Europa, e estimulada por seu amigo Di Cavalcanti, ela realiza sua exposição em setembro de 1917 em um espaço no Mappin Stores com 53 obras.

A mostra provocou escândalo, e foi após ver essa exposição que Monteiro Lobato escreveu seu artigo Paranóia ou Mistificação desferindo um ataque violento contra a arte de Malfatti. O que mais surpreendia no artigo era o fato de ter sido escrito não por algum elemento reacionário avesso ao movimento de renovação das artes nacionais, mas justamente por um de seus baluartes.

No artigo, Lobato teorizava que havia duas espécies de artistas, os “saudáveis” e os que “vêm anormalmente a natureza e a interpretam à luz das teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento”.

O Circo.
 Mais adiante em seu artigo ele é mais específico, “Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura a regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma – mas caricatura que não visa, como a verdadeira, ressaltar uma idéia, mas sim desnortear, aparvalhar, atordoar a ingenuidade do espectador.”

Nada poderia ser mais equivocado. Lobato condenava como “furúnculos” fadados à vida efêmera, uma das mais importantes revoluções formais da pintura moderna, a libertação expressiva das cores e das formas que enterraria completamente as velhas escolas como movimentos vivos da pintura.

Retrato de Mário de Andrade.
Foi um artigo infeliz o de Lobato e provocou um impacto extremamente negativo em Malfatti, que entraria em uma crise da qual nunca mais conseguiria se recuperar.

Na ocasião, o único modernista a ter coragem de refutar as críticas de Lobato e defender Malfatti 
publicamente seria justamente sua figura mais avançada, Oswald de Andrade, que escreve um artigo em resposta no Jornal do Comércio.

Após o incidente, Anita Malfatti entrou em depressão e abandonou a pintura por um ano. Quando retomou suas atividades, passou a pintar primeiro naturezas-mortas em um estilo naturalista, depois, após conhecer Tarsila do Amaral, recuperou sua confiança e voltou a pintar em um estilo mais avançado, mas nunca mais retornaria ao vanguardismo de suas telas até 1917. Anos mais tarde, sobre o caso, seu amigo Mário de Andrade comentaria: “Ela fraquejou, sua mão, indecisa, se perdeu”.

A exposição organizada no Museu Oscar Niemeyer acompanha, portanto, essa trajetória da artista, incluindo suas pinturas das décadas de 1920 e 30 que revelam bem sua crise na irregularidade de sua pintura. A mostra Anita Malfatti permanecerá em cartaz em Curitiba até o dia 29 de janeiro.

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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Giotto, o início da revolução na pintura renascentista


O pintor é considerado o primeiro grande nome da arte renascentista, tanto pelas inovações técnicas que desenvolveu, quanto por seu olhar olhar para a religião, manifestando já tendências materialistas que foram a base do pensamento renascentista

8 de janeiro de 2012 
 

O pintor Giotto di Bondone nasceu em 1266 e morreu em 1337, há exatos 675 anos. Ele foi um dos artistas mais importantes da tradição ocidental pois constituiu o elo fundamental de ligação entre duas culturas distintas da pintura europeia.


A obra de Giotto é considerada um divisor de águas ente a pintura medieval e a arte renascentista, marcada tanto por inovações técnicas importantes quanto inovações do ponto de vista do conteúdo.


Formalmente, Giotto foi o responsável pela introdução da perspectiva pintura, conceito que foi uma pedra de toque em toda a tradição da arte renascentista. Antes dele, a pintura se caracterizava pela representação bidimensional. Ele foi o primeiro artista que se conhece, a buscar um ilusionismo tridimensional em suas obras.

Exemplo da pintura de Giotto, que procura apresentar uma noção de perspectiva na pintura. Obra A Anunciação.

A segunda inovação importante na obra de Giotto foi sua concepção dos assuntos representados, sua visão pessoal dos temas religiosos. Uma característica importante  nos quadros do artista foi a busca pela representação dos santos como pessoas comuns, sem a idealização que foi a característica mais marcante da pintura medieval. Ainda que em suas composições os santos tivessem sempre destaque, eles não eram apresentados como figuras metafísicas, idealizadas, mas como seres humanos que se confundiam com os demais. Essa concepção pessoal de Giotto refletia uma mudança da maior importância no modo de pensar da intelectualidade da época. Foi um registro da mentalidade materialista que começava a se formar, e que se tornaria uma tendência determinante no modo de pensar renascentista.


Um dado importante à compreensão da arte de Giotto e da maneira como ele chegou à pintura tridimensional, é o fato de ter sido ele, no início da vida, um escultor, que buscou, após assimilar as artes pictóricas, transmitir a sensação do espaço tridimensional. Obviamente que a esse dado não explica o sentido mais profundo da arte de Giotto, mas ao menos ajuda a compreender parte de suas motivações pessoais.

Detalhe de uma obra do artista mostrando São Francisco de Assis. Giotto procurou mostrar os santos como pessoas comuns, e não as pomposas entidades espirituais que apareciam na pintura medieval da época.

A obra de Giotto representa hoje o marco zero da pintura renascentista, que foi a maior revolução já registrada na história da pintura, o ponto de partida de toda a tradição moderna da pintura.

Pouco se sabe sobre a vida pessoal de Giotto. A maior parte dos dados vem de uma biografia que o renascentista Giorgio Vasari escreveu a seu respeito. Ele teria começado a desenhar aos oito anos e recebeu seus maiores estímulos com seu mestre, Duccio, um dos maiores pintores italianos de seu tempo. Há muitas lacunas na obra do artista, mas considera-se que seu primeiro trabalho importante tenha sido nos afrescos da Basílica de São Francisco de Assis, em Roma. Seu maior trabalho teria sido realizado na Capella degli Scrovegni, quando ele tinha cerca de 30 anos, por volta de 1300, seus afrescos na capela são consideradas hoje uma das maiores obras primas da pintura ocidental. Outro trabalho fundamental realizado pelo artista foi na Capela Degli Strovegni em Pádina.


O dado mais significativo na obra de Giotto é provavelmente o caráter materialista de sua pintura, de sua concepção da vida do santos, o que iniciou uma verdadeira revolução na maneira de representá-los.


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Mili Balakirev, o elo entre duas gerações da música russa

Hoje se completa o aniversário de nascimento do compositor que foi provavelmente a personalidade mais importante do Grupo dos Cinco, como pensador, professor e organizador da atividade de seus colegas

3 de janeiro de 2012

Da esquerda para a direita, os compositores Mikhail Glinka, Vladimir Odoevsky e Mili Balakirev, figuras capitais da música russa retratados na obra do pintor Ilia Repin.
Mili Balakirev foi a principal mente organizativa por trás do Grupo dos Cinco, a mais importante geração de músicos da Rússia do século XIX. Tendo sido o mais velho dos compositores do grupo, conheceu pessoalmente o homem que inaugurou a música nacional russa, Mikhail Glinka, e tornou-se apto, deste modo, a transmitir essas idéias e essa busca por uma música essencialmente russa para seus companheiros de geração.

A música nacionalista nascida na Rússia tem uma importância extraordinária na cultura daquele país, pois foi ela uma das manifestações culturais mais importantes do movimento revolucionário que se processava no período. O momento de encubação dessa tradição é a década de 1850 quando amadurecia um vigoroso movimento de emancipação dos servos, cuja libertação viria apenas em 1861, a partir de uma reforma organizada às pressas pela monarquia submetida à pressão popular.


Esse movimento produziu não apenas a tradição musical nacionalista, mas também a pintura realista russa e deu início ao mais importante período de florescimento da literatura russa, em que surgiram figuras como Ivan Turgueniev, Leon Tolstoi e tantos outros escritores de primeiro plano.

Membros do grupo como César Cui, Modest Mussorgski e o próprio Mili Balakirev, eram também diretamente ligados às ideologias revolucionárias de seu tempo, admiradores dos “niilistas” russos, em particular o revolucionário Nikolai Tchernichevski. Balakirev era populista e ateu, e chegou a planejar até mesmo uma ópera, que nunca chegou a ser esboçada, inspirada no influente romance de Tchernichevski, Que Fazer?. Essa obra fundamental da literatura revolucionária russa foi um dos livros favoritos até mesmo de Vladimir Lênin, que daria esse mesmo título a um de seus livros.
A partir da geração musical nacionalista, a Rússia entrou definitivamente para o seleto grupo de países a cultivar uma música forte e influente internacionalmente, tradição que se consolidaria com as gerações seguintes, desde Rachmaninov e Tchaikovski aos modernistas Prokofiev, Stravinski e Chostakovitch.

Nascido em 2 de janeiro de 1837 em Nizhny Novgorod, o compositor Mily Balakirev recebeu suas primeiras aulas de piano de sua mãe. Aos 10 anos, ele foi enviado para Moscou para aperfeiçoar sua formação musical com o músico Alexander Dubuque, mas Balakirev só receberia uma educação musical regular após a morte da mãe, quando é matriculado no Instituto Alexandrovsky.


Não se passou muito tempo até o talento de Balakirev ao piano destacar-se entre seus colegas. Ele chama a atenção do influente músico Alexander Ulybyshev, que era então a mais prestigiada figura musical de Nizhny Novgorod e patrono da cidade. Ulybyshev não apenas era um instrumentista de talento como um conhecedor erudito da matéria. Possuía uma vasta biblioteca musical e havia ele mesmo escrito uma biografia sobre Mozart.


Balakirev tornou-se um protegido de Ulybyshev, e o velho músico providenciou logo para que o discípulo fosse colocado em boas mãos. O jovem torna-se aí aluno de Karl Eisrach, que seria responsável por apresentar a Balakirev a música dos nacionalismos orientais: o polonês Frédéric Chopin e o russo Mikhail Glinka.


Eisrach organizava concertos regulares para amigos na residência de Ulybyshev, e Balakirev era uma figura cativa nestes encontros. Através destes protetores, o rapaz, com 14 anos, logo conseguiu uma vaga em uma orquestra particular. Nessa idade ele teve um desempenho exemplar tocando o Réquiem, de Mozart. Foi um momento culminante da atividade de sua atividade. Ele compõe nesse ano, 1851, suas primeiras obras e recebe autorização para reger sinfonias. Uma das peças que se conhece composta nesse momento, é a Grande Fantasia, que já apresenta influências do folclore russo.

Os Barqueiros do Rio Volga, obra-prima de Ilia Repin cujo tema inspirou também uma das composições de Balakirev.
Em 1853 ele ingressa no curso de Matemática na Universidade de Kazan e logo destaca-se nos círculos locais como exímio pianista. Ele vive os dois anos seguintes sustentando seus estudos como professor de piano, e após formado, em 1955, muda-se para a capital imperial, São Petersburgo. É nesse momento que Balakirev tem a oportunidade de conhecer pessoalmente Mikhail Glinka e a aprender com ele, o grande mestre da música nacional russa, os princípios dessas técnicas.

Glinka percebe o valor de Balakirev, mas considera suas técnicas de composição defeituosas. É Glinka quem o estimula a dedicar-se à música em tempo integral. Balakirev toma aulas com ele, aprende dezenas de temas populares espanhóis e é indicado para instruir musicalmente a sobrinha de Glinka.


Sua estréia oficial como compositor deu-se apenas um ano mais tarde, em 1856, quando Balakirev apresenta seu primeiro Concerto para piano e orquestra. Dois anos mais tarde, ele teve doze de suas composições publicadas, entre elas destacam-se a Abertura sobre o tema de uma marcha espanhola, e a Abertura sobre três temas russos, baseadas ambas em temas folclóricos.

Em 1857, porém, morre seu protetor, Mikhail Glinka, e Balakirev vê-se obrigado a conquistar sozinho seu espaço entre o movimento musical russo. O compositor é descrito por seus contemporâneos como um homem forte, de grande fibra emocional, extremamente disciplinado e dotado de uma personalidade magnética, de modo que não foi difícil para ele reunir em torno de si um grupo mais jovem de músicos interessados em absorver os princípios da música nacional que Balakirev havia assimilado em primeira mão de Glinka.

Uma das características importantes do “método” de ensino adotado por Balakirev foi a completa rejeição da formação musical acadêmica, nos institutos russos. Balakirev considerava tais normas, inimigas da imaginação, da verdadeira criatividade e da sensibilidade que tornava o compositor apto a perceber as qualidades das músicas emanadas diretamente do povo russo, de sua característica. Balakirev considerava que o compositor deveria imediatamente dedicar-se à criação, e somente a partir daí, das necessidades surgidas no processo criativo é que suas debilidades e carências deveriam ser exploradas e superadas.


Naqueles anos finais da década de 1950 Balakirev destacava-se já como um músico extremamente culto, com vastos conhecimentos musicais, um domínio consistente das técnicas compositivas e grande facilidade para perceber novos caminhos para a criação musical.


A influência de Balakirev nos círculos musicais russos iniciou-se nos últimos anos da década de 1850. Ao lado do influente crítico musical nacionalista Vladimir Stasov, ele reuniu em torno de si o grupo que viria a ser a mais importante geração de compositores da Rússia do século XIX, o Grupo dos Cinco, formado por Alexander Borodin, César Cui, Modest Mussorgsky e Nikolai Rimsky-Korsakov, além do próprio Mili Balakirev.


Durante todo período inicial da atividade do grupo, Balakirev, como único compositor profissional entre eles, teve influência fundamental na formação dos demais companheiros. Foi ele o principal responsável por transmitir e consolidar a tradição da música nacionalista de Glinka entre os Cinco.

Em 1862 Balakirev tomou uma de suas iniciativas mais importantes e fundou a Escola Livre de Música, empreendimento influenciado diretamente pelas ideias do grande revolucionário russo Nikolai Tchernichevski. A proposta da escola era torná-la o primeiro núcleo de ensino da música nacional, livre das normas acadêmicas importadas da Europa. Era também uma escola popular, que ensinava gratuitamente e visava tornar a educação musical acessível às camadas mais baixas da população. Para financiar a instituição, Balakirev organizou dezenas de concertos pelo país, que angariava fundos para a Escola.

Por onde passava, Balakirev registrava as características da música local. Ele foi por toda a vida um grande amante da música folclórica russa e colecionou centenas dessas melodias, que foram a base de suas mais importantes e revolucionárias composições.


Entre suas peças mais importantes está o poema musical Islamey: Fantasia Oriental, composto em 1863 e inspirado no folclore musical de povos orientais cuja cultura era normalmente colocada de lado quando se falava no folclore russo. Seus poemas sinfônicos Rússia: segunda abertura sobre temas russos (1864) e Tamara, de 1882, têm também grande destaque, pelo fato da musicalidade destas peças terem sido criadas inteiramente a partir de melodias populares russas.

Em 1886 compôs a importante Canção dos Barqueiros do Rio Volga, tendo como fonte de inspiração a vida destes trabalhadores torturados que se tornaram verdadeiro símbolo da opressão da população na Rússia.

Merecem destaque ainda em suas composições os três concertos para piano e orquestra, as três aberturas, duas sonatas e o octeto para música de câmara.

De um ponto de vista geral, são poucas as composições de Balakirev. Elas são, porém de grande importância para a formação da identidade da música nacional russa e a consolidação dessa tradição.
Mais do que dedicar sua vida às composições, porém, Balakirev votou boa parte de sua vida à reflexão de problemas formais da música folclórica e a maneira desta ser incorporada ao repertório da música erudita. Ele, assim, um importante pensador do nacionalismo musical, e mais ainda, um organizador chave desse movimento.

No final da década de 1860, quando cada um dos músicos do Grupo dos Cinco havia já definido sua própria personalidade musical e se dispersavam, Balakirev perdeu muito de sua influência inicial e decaiu pessoalmente, com freqüentes crises nervosas e dores de cabeça.


Ainda assim, ao final da vida, ele cumpriu um papel também importante instruindo o jovem compositor Piotr Tchaikovski, que, apesar de criar uma música muito mais ocidentalizada do que a de seus colegas do Grupo dos Cinco, absorveu em sua música muito do nacionalismo musical de Balakirev.


Fiel às suas idéias, Balakirev recusou em 1881 o cargo dirigente que lhe foi oferecido pelo governo no Conservatório de Moscou. Ele, ao contrário, retomou nesse ano a direção da Escola Livre de Música.

Ao final da vida, no entanto, com a saúde abalada e depois de ter sido submetido a muitos anos de isolamento, Balakirev converteu-se a uma radical seita ortodoxa russa, tornou-se um eslavófilo de direita, xenófobo e devoto do czar, chegando a escrever hinos em louvor à imperatriz viúva após o atentado que matou Alexandre II. O compositor viria a morrer em maio de 1910.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Camille Claudel, suicidada pela sociedade

Hoje se completa o aniversário de Camille Claudel, a grande escultora que se tornou uma das figuras mais trágicas da história da arte, testemunho a opressão da mulher na sociedade

Antonin Artaud, em seu famoso ensaio sobre o pintor holandês Vincent Van Gogh, escrevia “Van Gogh buscou seu espaço durante toda sua vida, com energia e determinação excepcionais. E não se suicidou em um ataque de loucura, pela angústia de não chegar a encontrá-lo, ao contrário, acabara de encontrar-se, de descobrir que era quem realmente era, quando a consciência geral da sociedade, para castigá-lo por haver se apartado dela, o suicidou”. Esta consideração sobre a vida do grande pintor poderia ser estendida para um número espantoso de artistas. Se há uma constante na história da arte sob o capitalismo, é justamente o registro de uma derrota, de um esmagamento dos artistas pela sociedade em que viveram. Os casos são incontáveis, mas este destino foi particularmente brutal para a escultora Camille Claudel, figura representativa do momento de transição das artes para o modernismo. Seu caso mostra como esta opressão social pode tomar formas ainda mais violentas no que diz respeito às mulheres artistas.
Normalmente os analistas de sua biografia colocam sobre Rodin a inteira responsabilidade da crise e loucura da escultora, mas esta é uma forma limitada de encarar o problema, que tem um caráter muito mais abrangente.
A Pequena Castelã.

Nascida em 8 de dezembro de 1864, Camille Claudel e seus dois irmãos muito cedo desenvolveram inclinação para as artes. Sua irmã seria pianista, e seu irmão, Paul Claudel, viria a se tornar um dos maiores poetas da França. Ainda na infância Camille manifestou interesse pela escultura e começou seus modelados empiricamente, sem qualquer contato com outros escultores. Aos 12 anos, conta-se que ela já modelava peças extraordinárias em argila, de figuras históricas, personagens bíblicos e deuses gregos.

Ela recebe seus primeiros estudos formais aos 17 anos, em Paris, e é neste momento que ela realiza seus primeiros trabalhos mais importantes. Seu contato com Rodin deu-se em 1885. O escultor, então com 40 anos e já bastante apreciado como um dos maiores nomes do movimento de renovação das artes na França, ficou profundamente impressionado com as habilidades de Claudel, convidando-a a trabalhar em seu ateliê como aprendiz.

A escultora tinha 19 anos, mas tinha já os valores e o caráter de um grande artista. Desprezava a maioria dos artistas contemporâneos pela mediocridade de suas ambições, a fragilidade de suas técnicas ou sua mera indolência e falta seriedade com seus próprios trabalhos. Em Rodin, viu alguém digno de ter como mestre.

É a partir destes anos que Camille concebe seus primeiros trabalhos expressivos, obras como O Beijo, A Danaide, As Sereias ou O Eterno Ídolo.
Sakuntala.

O estilo desta fase da escultora caracteriza-se pela assimilação das técnicas de Rodin, de sua noção de leveza e movimento, qualidades que ela incorporou aos seus trabalhos sem perder, porém, a identidade. Marcam esta nova fase obras como o belo mármore Sakuntala.
O romance entre os dois começa nesta fase de explosão criativa de Claudel, que foi também compartilhada por Rodin. Ambos ingressavam em sua fase mais importante e produtiva. É nesta época que Rodin começa a executar sua Porta do Inferno.

A relação entre ambos segue um período de estabilidade, mas logo descamba para crises cada vez mais freqüentes relacionadas não apenas à indecisão de Rodin em terminar seu casamento e assumir publicamente o caso com ela, mas também a falta de oportunidades que Claudel encontra para desenvolver sua arte. Esta situação de isolamento foi a principal responsável pela situação de crescente dependência emocional de Camille por Rodin.

Escultura é uma arte cara, tanto em seus materiais quanto pela estrutura exigida para execução das peças. Uma arte financiada fundamentalmente pela burguesia, por capitalistas ou o próprio governo, que se encarregavam das encomendas aos artistas, o que garantia sua subsistência. Foi neste terreno que as portas apareceram fechadas para Camille Claudel.

O fato de ser mulher era em si mesmo uma desvantagem em relação aos escultores homens. Ela tinha, porém, como agravante, a fama que circulava em toda a cidade de ser “a amante” de Rodin, homem de meia idade e casado com uma mulher respeitada na sociedade. Esse fato atiçava o conservadorismo natural dos empresários e políticos atuantes neste “mercado de arte”. Havia ainda uma segunda questão envolvida. Sem outro recurso financeiro, Claudel mantinha-se como “aprendiz” no ateliê de Rodin. Isso apesar dela ser já uma escultora madura e dona de um estilo independente. Esta posição era naturalmente desfavorável para ela, além do fato de ser mulher em um terreno dominado por homens, era mais um fator para sua obra ser desprezada pelos seus possíveis financiadores.

As crescentes crises no relacionamento dos dois ao longo da década de 1890 leva afinal à sua ruptura do casal em 94.
A Idade Madura.
Nesse momento, Camille realiza a mais importante peça de sua obra até aí, o conjunto A Idade Madura, cujo tema trazia as marcas de sua crise amorosa. O destino desta obra é também representativo dos demais problemas envolvidos na crise pessoal de Camille. A Idade Madura foi muito bem comentada quando apresentada, e chegou a interessar a direção do Museu de Belas-Artes de Paris. Por algum motivo obscuro, porém, a instituição recuou na compra da peça, e Camille se veria em um sério problema financeiro caso um admirador particular de seu trabalho não houvesse se apresentado para comprar a peça e encomendasse sua fundição em bronze.
A Onda.

A ruptura de Camille com Rodin apresentava também um duplo problema para ela. Em primeiro lugar, ela perdia parte dos clientes que conseguira através de Rodin. Em segundo, sua busca em dissociar seu nome do escultor a afastava do já restrito ambiente artístico em que ela podia conseguir financiadores para suas peças.

Um dado sobre o caráter de Camille muito comentado em suas biografias era sua total falta de “talento” para bajulações rasteiras de clientes endinheirados para conseguir um patrocínio. Ela também se repugnava com a capitulação de determinados artistas – incluindo aí o próprio Rodin – em adaptar suas obras ao gosto medíocre desses patronos. Ela, em outras palavras, recusava fazer arte comercial, rebaixar a qualidade das peças e desvirtuar os sentimentos nelas impressos. Uma demonstração valiosa de independência artística e de seu caráter, integridade e seriedade para com sua própria obra.

Outra faceta do “trabalho” que ela desprezava era ter de freqüentar eventos sociais, como festas e jantares para manter “boas relações” entre o meio especializado, como críticos, galeristas, jornalistas, etc. A ruptura de Camille com Rodin, que de certa forma mantinha ela nestes meios, levou ao inevitável isolamento da artista.
Detalhe de As Faladeiras.

Ela viveria a partir de então apenas de um número reduzido de admiradores particulares que faziam algumas encomendas que lhe permitiam o básico para continuar trabalhando. Mesmo sua família, que poderia garantir algum rendimento emergencial rompera relações com ela após tomar conhecimento de seu caso com o artista mais velho.

Foi esta situação combinada de crescente isolamento que a levaria à miséria e, por fim, à completa loucura. A tese de que Rodin foi a causa de tudo é extraordinariamente reducionista do problema. Distorce tanto a questão – jogando-a para um terreno puramente amoroso –, que é possível dizer que é uma tese falsa, que desconsidera as determinações sociais que agiram contra o desenvolvimento de Camille Claudel como artista. O rumo que tomou o drama amoroso com Rodin, bem como sua dependência econômica dele, foi na realidade a conseqüência e não a causa da destruição pessoal de Camille. A causa central foi sua proscrição social que criou um obstáculo real para que ela continuasse seu trabalho.

Sua situação material entre 1893 e 1895 torna-se extremamente delicada. Em 1898, uma exposição de sua obra mostrava a Paris os novos rumos que tomaram sua escultura no período, mais sombria e angustiada em peças como O Profundo Pensamento, Ofélia e a extraordinária Clotho, a imagem de uma das moiras tecendo o destino humano com seus cabelos.
Clotho.

Esta ocasião marcou a ruptura definitiva entre Claudel e Rodin após um incidente que a deixou extraordinariamente abalada. Mais uma vez, uma instituição de arte se interessa por uma peça sua, o Museu de Luxemburgo, que receberia Clotho como doação a partir da pressão de um grupo de artistas que intervieram aí. Detalhe importante é que este grupo era ligado a Rodin e a transação se daria através de uma fundação artística presidida pelo escultor. Após muitas idas e vindas, indecisões e desentendidos, a obra, meses mais tarde foi transportada para o museu, mas foi extraviada durante o transporte e desapareceu.

Claudel fica arrasada com o caso e inicia-se aí suas acusações graves contra Rodin, de que ele articulara um esquema para roubar a obra e de que, em último caso, queria destruir ela e sua obra.
Seu afundamento pessoal agrava-se entre 1897 e 1900. Suas últimas obras, como Perseu e Medusa e Nióbide Ferida, sua última peça, de 1906, mostram o tema recorrente da mulher mutilada pela sociedade. Nestes anos ela vivia já em uma situação de completa degradação pessoal, vivendo com estranhos em sua casa, vestindo-se de uma forma extravagante, desaparecendo completamente durante meses antes de reaparecer em seu ateliê, e destruindo ano a ano, toda a produção realizada nos meses anteriores. Foi um processo de abandono de si mesma, um lento suicídio.
Cabeça decaptada da Górgona na obra Perseu e Medusa.

Suas preocupações artísticas cederam lugar a um único pensamento obsessivo, uma síndrome de perseguição que envolvia uma ampla rede de artistas, críticos, marchands, jornalistas, policiais, figuras da alta sociedade parisiense e personalidades políticas, todos coordenados por Rodin com a única intenção de destruí-la. Uma obsessão perfeitamente compreensível e de certa forma, verdadeira. Foi sua interpretação pessoal do fato de que ela fora de fato banida da sociedade.
Em 1909, seu irmão, o poeta Paul Claudel conta que ela estava já completamente fora de si. Sua internação psiquiátrica ocorreu em 1913, quando Camille estava com apenas 39 anos, mas, segundo testemunhas, fisicamente muito envelhecida.

Procurando analisar o caso, Paul destaca com bastante lucidez os problemas sociais envolvidos na destruição de sua irmã. Ele escreveu em suas notas: “A profissão de escultor é para o homem uma espécie de desafio perpétuo ao bom senso, e é para uma mulher isolada e para o temperamento de minha irmã uma pura impossibilidade. Ela tinha posto tudo em Rodin, ela perdeu tudo com ele”.
Em 1913 termina a biografia de Camille Claudel como artista. Ela viveria os 30 anos seguintes de sua vida encarcerada em um sanatório no Sul da França. Sua morte viria apenas em 1943, quando a artista, uma das maiores escultoras do século XX, estava já com 79 anos.

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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Estudo sobre literatura negra em quatro volumes será lançado hoje

Nesta terça-feira, a partir das 19h, ocorrerá o lançamento da obra 'Literatura e afrodescendência no Brasil', do estudioso Eduardo de Assis Duarte

Nesta terça-feira, na Biblioteca Mário de Andrade, será lançado um dos estudos mais expressivos já realizados sobre a literatura negra brasileira. É o livro Literatura e Afrodescendência no Brasil, estudo composto por quatro volumes e organizado pelo professor e estudioso do assunto, Eduardo de Assis Duarte.

O livro é o resultado de uma ampla pesquisa por todas as regiões do Brasil buscando mapear a literatura negra e seus vestígios desde o período colonial. Literatura e Afrodescendência no Brasil envolve artigos críticos de análise de mais de uma centena de escritores, críticos e historiadores de diferentes épocas.

Por seu tamanho e abrangência, Literatura e Afrodescendência no Brasil, apresenta-se como uma das obras mais importantes já lançadas sobre o tema, trabalho que pode ser considerado um herdeiro daquele de Oswaldo de Camargo, seu incomparável O Negro Escrito, o primeiro estudo abrangente sobre o surgimento e desenvolvimento da literatura negra nacional.

A obra organizada por Eduardo de Assis é dividida em quatro segmentos distintos, organizados cada um em um volume com cerca de 500 páginas cada um.

O primeiro deles é Precursores, onde são analisadas as obras dos primeiros escritores negros do Brasil, cronologicamente. A pesquisa remonta ao século XVIII, com Domingos Caldas Barbosa, e atravessa o século XIX, destacando figuras como o abolicionista e poeta satírico Luis Gama, a pioneira Maria Firmina dos Reis, ou o poeta simbolista Cruz e Souza, além de Machado de Assis e Lima Barreto. A obra adentra ainda o século XX, destacando as biografias e analisando as características dos pioneiros da literatura negra moderna, figuras como Lino Guedes, Solano Trindade, Abdias Nascimento, Carolina Maria de Jesus e Eduardo de Oliveira, entre outros.

O segundo volume é Consolidação, dedicado à obra da geração mais recente e mais expressiva da literatura negra nacional, nascida a partir da década de 1930, e cuja atividade iniciou-se por volta da década de 1950. Este segmento inicia-se com a vida e obra do poeta Oswaldo de Camargo, passando por escritores como Oliveira Silveira, Paulo Colina, Conceição Evaristo, Adão Ventura, Arnaldo Xavier e Muniz Sodré, entre outros.

O terceiro volume da obra, Contemporaneidade, apresenta um longo ensaio sobre o poeta Cuti, e relaciona um conjunto expressivo de autores negros contemporâneos, nascidos a partir da década de 1950.

O último volume do livro, História, teoria, polêmica, é dedicado à crítica literária envolvendo esta tradição específica das letras, trazendo artigos dos mais expressivos pensadores, teóricos e historiadores da literatura negra nacional, tais como Oswaldo de Camargo, Abdias Nascimento, Cuti, Conceição Evaristo, Márcio Barbosa e Esmeralda Ribeiro, incluindo também análises de figuras como o próprio organizador, Eduardo de Assis Duarte, Zilá Bernd, Octávio Ianni e Silviano Santiago, entre outros.

O lançamento do livro acontecerá a partir das 19h no auditório da biblioteca, localizada na região central de São Paulo, na Rua da Consolação, 94, próxima à estação Anhangabaú do Metrô.
O evento deverá contar ainda com a presença de alguns dos colaboradores da obra, figuras como Oswaldo de Camargo, Cuti, Carlos de Assumpção e Eduardo de Oliveira, entre outros.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

James Baldwin e a literatura de protesto do movimento negro norte-americano

Hoje se completa o aniversário de morte do escritor, vítima de câncer a 1º de dezembro de 1987. Ele foi a mais importante voz literária do movimento negro norte-americano das décadas de 1960 e 70

Um dos mais representativos escritores dos Estados Unidos, James Baldwin pertence a uma tradição literária especificamente negra, que remonta a um movimento que floresceu plenamente no país apenas de década de 1920, com a chamada Renascença do Harlem.

Pertencem a este segmento literário autores da maior importância, como Langston Hughes, Countee Cullen, Zora Neale Hurston, Nella Larsen, James Weldon Johnson e Richard Wright, os mais proeminentes autores negros das décadas de 1920 e 30 no País.

Este movimento que se desenvolveu no início do século foi uma das manifestações da luta política do negro norte-americano contra a opressão racial. Por de trás das principais iniciativas e autores desta literatura, estavam proeminentes intelectuais e organizações políticas do movimento negro, que davam suporte e orientação à comunidade negra.

James Baldwin pertence a uma segunda etapa deste movimento, quando a luta dos negros é retomada em finais da década de 1950, desenvolvendo-se com crescente radicalismo nas duas décadas seguintes.

Amigo pessoal de importantes intelectuais negros como Malcolm X e Martin Luther King Jr., Baldwin produziu a mais significativa literatura negra deste período.

Sua obra era fundamentalmente psicológica, assentada na análise de suas personagens negras e brancas e a forma como o racismo estava profundamente impregnado em ambas.  A grande novidade de seus livros em relação ao que os demais escritores negros havia feito, foi o aprofundamento destas análises da psicologia do negro.

Toda sua obra gravita em torno de problemas recorrentes, a tensão entre negros e brancos, a segregação racial, e conflitos de identidade. Baldwin não apenas negro e pobre, de origem operária, como também homossexual, tornando-se assim alvo de assédios e pressões sociais de uma forma particularmente intensa, o que o tornou mais apto do que outros autores negros para expressar esse problema da opressão.



Na juventude, Baldwin estudou no conceituado colégio DeWitt Clinton High School, onde teve aulas com Countee Cullen. O poeta negro tornou-se um verdadeiro conselheiro literário para Baldwin nestes anos, influência da maior importância para o desenvolvimento futuro de sua obra.
Na década de 1940, Baldwin trabalhou como operário nas linhas de ferro em Nova Jérsei até tomar a decisão definitiva de dedicar-se à literatura. Ele muda-se então para Nova Iorque, se estabelecendo no famoso bairro boêmio do Greenwich Village.

Ali Baldwin encontrou uma atmosfera onde a segregação aparecia de forma mais diluída. Convivia com todo o tipo de figuras marginalizadas, jovens artistas, freqüentava os numerosos bares locais e começou a produzir a partir deste momento sua literatura, um retrato de suas experiências pessoais com o racismo.

Baldwin conhece pessoalmente Richard Wright, o importante autor de Filho Nativo, e através da influência dele, não apenas consegue publicar seus primeiros artigos na imprensa, como consegue uma bolsa filantrópica que garante a ele uma renda mensal. Com ela, Baldwin parte, em 1948, para a França.

Morando em Paris, Baldwin vive novas experiências humilhantes que o convenceram que aquele racismo virulento não era uma exclusividade de seus compatriotas. Foi morando ali que ele conclui seu primeiro livro, o romance Go Tell It on the Mountain, publicado em 1953. A obra contava a história de seu alter-ego John Grimes, um relato semi autobiográfico de sua infância, suas experiências religiosas, as humilhações dentro e fora de casa, até sua libertação destes meios e o abandono da igreja. O livro segue todo em um clima de violência e perturbação mental que tem seu ápice na terceira parte da obra, quando Grimes, incerto sobre tudo, descobre sua homossexualidade.

Go Tell It on the Mountain
foi o livro mais importante da obra de Baldwin, o mais ousado tanto do ponto de vista da forma, da técnica literária empregada, quanto do conteúdo, pelo caráter polêmico dos assuntos tratados.

Seu livro de artigos sobre a questão do negro e da literatura surge logo depois, Notas de um Filho Nativo.
Na sequência dele, vieram outros romances importantes, com destaque para Giovanni's Room, Another Country, If Beale Street Could Talk, The Devil Finds Work e Just Above My Head.
Outras coletâneas de artigos também foram lançadas. Seus textos mais importantes estão presentes em Nobody Knows My Name - More notes of a native son e The Fire Next Time.
Entre seus últimos trabalhos, estava uma importante reportage investigando a participação do negro no cinema hollywoodiano, The Evidence of Things Not Seen, e uma coletânea poética, Jimmy's Blues, ambos publicados em 1985.

O escritor viria a falecer dois anos mais tarde, a 1º de dezembro de 1987, vítima de câncer. Nesta altura ele havia voltado a morar na França, com uma residência em Saint-Paul-de-Vance.
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